Revista Exame

Só dinheiro não vai resolver o problema do PIB

O governo federal quer investir mais para tentar dar um empurrão no PIB. Projetos ruins, gestão ineficiente, burocracia e falta de diálogo entre os órgãos públicos atrapalham esse plano

Região carente de Belém: a cidade tem o pior saneamento do país, mas as obras não saem por falta de competência (Paulo Jares)

Região carente de Belém: a cidade tem o pior saneamento do país, mas as obras não saem por falta de competência (Paulo Jares)

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Da Redação

Publicado em 29 de junho de 2012 às 06h00.

São Paulo - Estão em Belém os dois únicos projetos de sa­nea­mento básico da Região Norte do país incluídos no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Eles foram assinados em 2008, mas até hoje não saíram do papel. Dinheiro para a obra nunca chegou a ser problema.

O que faltou foi um entendimento entre os próprios beneficiados pelo projeto. A liberação dos 55 milhões de reais previstos para as obras dependia de um acerto da prefeitura de Belém com a Companhia de Saneamento do Pará na renovação do contrato de concessão do abastecimento de água da cidade.

O acordo demorou mais de um ano e, quando saiu, em março, a licitação para as obras precisou ser cancelada porque o projeto estava defasado e incompleto. Belém tem o pior saneamento básico entre as cidades brasileiras com mais de 1 milhão de habitantes.

Segundo o IBGE, pelo menos um terço da população não sabe o que é ter rede de esgoto em casa. Episódios como esse, infelizmente, não são raros na tragicomédia em que se transformaram os projetos de obras públicas no país.

Preocupado com a desaceleração da economia, o governo federal agora tem pressa em aumentar o dinheiro destinado a obras de infraestrutura. “Vamos acelerar os investimentos e não haverá contingenciamento das obras do PAC”, disse Arno Augustin, secretário do Tesouro Nacional, quando prestou contas, em 12 de junho, na Comissão de Orçamento do Congresso.

Entre a meta do governo e a realidade, porém, há milhares de exemplos como o de Belém. Entre 2001 e 2002, a média dos investimentos do governo correspondeu a 1% do PIB brasileiro (o número exclui os aportes das estatais). Entre 2010 e 2011, a média foi de apenas 1,2%. Nesse mesmo período, o valor à disposição do governo para investimentos saiu de 1,7% para 2,5% do PIB.

A lista de desacertos na gestão de obras públicas está recheada de exemplos pitorescos e desconcertantes, muitos deles produzidos pelas próprias empresas. Um relatório ambiental considerado incompleto pelo Ibama, feito pelo consórcio formado por Votorantim, Alcoa e DHE Energia, emperra há cinco anos a construção da hidrelétrica Pai Querê no rio Pelotas, entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Entre os pontos levados em consideração para o pedido de revisão estava a ausência de animais que vivem na área da obra. O consórcio admitiu os problemas e fez as retificações — até o sapo-de-chifre foi descoberto nas novas pesquisas. O novo documento já está com o Ibama, mas, até que o órgão dê sinal verde, o investimento de quase 1 bilhão de reais continua represado.


Curiosamente, na primeira versão do relatório, o consórcio incluiu um animal, o morcego-orelhudo, que, segundo o pesquisador Marcelo Mazzoli, da Universidade do Planalto Catarinense, não existe na área.

O acúmulo de projetos retidos explica o aumento exponencial dos chamados “restos a pagar”, recursos já disponíveis para investimento, mas que acabam não chegando aonde deveriam. O governo começou 2012 com mais de 51 bilhões de reais em sobras dos anos anteriores.

Com essa bolada, seria possível fazer todas as obras de estádios, mobilidade urbana, aeroportos e telecomunicações previstas para a Copa de 2014 e ainda restariam 24 bilhões de reais. “Está muito claro: não falta recurso”, diz Mansueto Almeida, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. “Falta é saber gastar.”

O governo informa que seus investimentos cresceram em 2012 — um alento nesse cenário no qual a urgência de investimentos convive com a sobra de dinheiro. Entre janeiro e maio, foram investidos 26,3 bilhões de reais, segundo o Sistema de Administração Financeira. O montante é 29% maior que o do mesmo período de 2011.

Ocorre que esse aumento está ligado a um malabarismo contábil. Até 2011, o subsídio ao financiamento dos imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida não era registrado como investimento. Em 2012, a regra mudou — e, como num passe de mágica, a queda nos investimentos foi convertida em alta. Se a regra de 2011 tivesse sido mantida, os investimentos teriam recuado 4%.

A lista de problemas que emperram os investimentos no país reúne velhos conhecidos. A demora na liberação das licenças de órgãos ambientais é um deles. “O prazo para as licenças são longos e emperra um projeto por meses”, diz Pablo Sorj, sócio da área de infraestrutura do escritório de advocacia Mattos Filho.

A corrupção drena outro tanto da força econômica do país­ — foram 40 bilhões de reais surrupiados nos últimos dez anos, segundo estimativas do economista Marcos Fernandes da Silva, da Fundação Getulio Vargas. Uma fraude cancelou a obra da linha do veículo leve sobre trilhos (VLT), que ligaria o aeroporto de Brasília aos hotéis próximos do estádio que receberá os jogos da Copa.


O VLT era uma das seis obras de um projeto do governo de Brasília que incluía a duplicação de uma rodovia. Como todos estavam no mesmo pacote, a suspensão paralisou os seis projetos.

Mas fica claro que há um mal adicional: a falta crônica de gestão. Em 2009, o questionário de avaliação do plano plurianual do governo federal, enviado aos gestores de obras públicas, incluiu a pergunta: “Por que você não investiu todo o recurso disponível?”

Entre todas as respostas, uma das mais honestas foi a dos responsáveis pela transposição do rio São Francisco, uma das obras mais caras em andamento, no valor de 8,2 bilhões de reais. Os gestores disseram que problemas de comunicação com o próprio governo e as recorrentes trocas na equipe de gerentes tinham sido as causas dos atrasos.

Nenhuma menção foi feita à falta de dinheiro. Não era o caso — mesmo que o orçamento para a transposição fosse zero neste ano, a obra poderia usar 1,6 bilhão de reais de sobras dos anos anteriores.

“Por muito tempo, investia-se pouco porque o governo não tinha dinheiro. Agora há recursos, mas falta competência”, diz Geovani Fagunde, sócio da consultoria PricewaterhouseCoopers em Brasília. Com a palavra, os gestores públicos.

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