Revista Exame

Se quer a paz, prepare-se para a paz

Juan Manuel Santos fez história na Colômbia ao negociar com as Farc e encerrar uma guerra de 60 anos. Ele defende que líderes façam o certo, mesmo com custo político, e que o primeiro passo para a paz é buscar a paz.

O ex-presidente Juan Manuel Santos: o primeiro passo para a paz, é fazer a paz (Rodrigo Caetano/Exame)

O ex-presidente Juan Manuel Santos: o primeiro passo para a paz, é fazer a paz (Rodrigo Caetano/Exame)

Rodrigo Caetano
Rodrigo Caetano

Editor ESG

Publicado em 18 de junho de 2024 às 06h00.

Si vis pacem, para bellum. O provérbio em latim é quase um mantra do militarismo: “Se quer a paz, prepare-se para a guerra”. A ideia é que, ao igualar forças com seu inimigo, o ímpeto de um conflito diminui pela incerteza da vitória. Há lógica na frase, porém a história mostra que, na prática, quem se prepara para a guerra obtém a guerra. Foi assim na Primeira e na Segunda Guerra Mundial, e em muitos outros conflitos. Mas há quem pense o contrário. Juan Manuel Santos, ex-presidente da Colômbia e membro do The Elders, grupo de anciões criado por Nelson Mandela, acredita que evitar conflitos depende de uma postura pacífica. Foi assim que pôs fim a uma guerra de 60 anos em seu país, ao assinar um histórico acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias (Farc) há oito anos. Hoje, Santos tem outra preocupação: as mudanças climáticas. O ex-presidente conversou com a EXAME em São Paulo, acompanhado de Johan -Rockström, um dos mais importantes cientistas climáticos do mundo. O caminho para vencer essa luta, diz Santos, é um só: negociar, negociar, negociar e chegar a um acordo.

O senhor negociou e assinou, há oito anos, um acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias (Farc), encerrando uma guerra de seis décadas. Foi um processo longo, que exigiu elevado poder de convencimento. O que é possível tirar desse processo para ajudar nos atuais conflitos em andamento no mundo e no combate às mudanças climáticas?

Muitas pessoas acreditavam que a paz com as Farc era inalcançável. Fui eleito porque eu, ex-ministro da Defesa, era visto como um herói de guerra. Quando mencionei pela primeira vez a possibilidade de negociar com as Farc, todos, incluindo minha própria família, se opuseram. Eles não conseguiam entender como eu poderia sequer considerar dialogar com essas pessoas. Mas eu persisti porque sabia que era o correto a fazer. A paz é melhor do que a guerra. Apesar de ser rotulado como traidor e ver meu capital político diminuir, acredito que fiz o que era certo. Essa experiência serve de lição para os líderes mundiais atual-mente, especialmente em relação à luta contra as mudanças climáticas e à busca pela harmonia com a natureza. Os líderes precisam tomar decisões que sejam acertadas no longo prazo, mesmo que sejam impopulares no curto prazo. Infelizmente, o pensamento de curto prazo impulsionado pelas próximas eleições nos impede de tomar as ações necessárias. Essa visão limitada, quando multiplicada por muitos países, impede o mundo de tomar as decisões corretas.

Essa visão humanista dos conflitos, no entanto, muitas vezes é aplicada apenas para “o outro”. É como se líderes dissessem: “Eu prefiro a paz, mas, como meu ponto de vista é o mais humano, devo esperar que meu inimigo faça o mesmo”. Como sair dessa lógica enviesada?

É preciso três coisas: paciência, perseverança e persuasão. A persuasão é realmente importante. E você está certo. Muitas pessoas, especialmente as mais velhas, pensam: “Não, este é um problema para a próxima geração”. Bem, esse é o problema. A próxima geração também deve estar consciente disso. Precisamos ser persuadidos de que não podemos deixar o problema para a próxima geração. Precisamos tomar decisões agora. Às vezes, é difícil e impopular, mas é absolutamente necessário.

Rockström: A comunidade científica e, certamente, as ONGs estavam muito divididas em relação à COP28, em Dubai. Um campo argumentava que seria inaceitável ter uma reunião hospedada por uma nação de petróleo e gás. O outro campo, o qual eu apoiava fortemente, dizia que era a nossa oportunidade de enfrentar o problema de frente e começar o caminho rumo à descarbonização da economia global. E o que se revelou no final é que a abordagem construtiva estava certa. As lições do acordo de paz que o presidente Santos liderou foram exatamente as táticas aplicadas em Dubai, e conseguimos um acordo.

Não há o risco de ser ingênuo nesse processo de paz ou de pensar em algo muito romântico, e no esforço de tentar convencer as pessoas a se reunir talvez algumas transformações, como a ascensão de grupos extremistas, passem despercebidas?

A primeira fase do processo é fazer a paz. Com as armas entregues, a tarefa difícil é implementar o acordo. No acordo em Dubai, cumprir o que foi assinado é o grande desafio. Eu costumava ir muito ao Vaticano, o papa Francisco é um amigo. Certa vez, perguntei se ele não poderia ir à Colômbia e me dar um incentivo. Ele me olhou e disse: ‘Presidente Santos, não se preocupe, eu oro muito por você’. No que eu respondi: ‘Se você tem de orar por mim, significa que estou em apuros’. Ele encerrou com esta frase: ‘Quando o povo colombiano e você mais precisarem de mim, eu irei’. Sua Santidade escolheu visitar a Colômbia depois de assinarmos o acordo de paz e depois de as guerrilhas entregarem suas armas, para incentivar os colombianos no caminho muito difícil da reconciliação, que pode levar muito tempo. Acho que o grande desafio que o mundo tem é o de implementar os acordos.

Rockström: Certamente fomos ingênuos, tanto na sociedade civil quanto na comunidade da ciência, em relação ao que estamos enfrentando. Mas acredito que não somos mais ingênuos e sabemos que estamos em uma situação de guerra, no sentido de interesses conflitantes, corrupção e forças de desinformação, manipulação e negação da realidade. No entanto, gostaria de enfatizar que, para ter sucesso em um processo de paz, como o que o presidente Santos conseguiu, é necessário provar ao antigo inimigo que o resultado é mais atraente do que aquele que representava antes da paz. E, para a discussão climática, temos essa narrativa hoje. Sabemos que, no final do processo de eliminação do petróleo, carvão e gás, teremos um futuro mais próspero, moderno, atraente, saudável, estável e pacífico.

Santos: Não é apenas uma história de risco, não é apenas uma história de soluções, também é uma história de um pouso seguro que nos dá um resultado melhor. Agora, temos interesses muito fortes que se veem como perdedores nessa transição e, de forma míope, se enraízam e buscam manter o status quo. Esse é um desafio com o qual precisamos lidar. A maneira de fazer isso é encontrar, por um lado, esses acordos universais, como a Declaração de Dubai, e, por outro, precisamos ter coalizões de alianças de empresas, cidades e países dispostos a estar na vanguarda, porque sabemos que, se conseguirem, o que mostrarão ao mundo é: nossa, é assim que se descarboniza? É assim que se protege a biodiversidade? E é por isso que é tão emocionante ver quando você tem uma administração muito construtiva que tenta se mover em uma direção sustentável, como atualmente no Brasil. Você tem muitos exemplos assim. A Colômbia é um, Costa Rica, Coreia do Sul e Vietnã são outros, assim como muitos dos países da Europa liderados pela Alemanha, que estão tentando se mover rapidamente na direção certa.

O processo de paz colombiano envolveu muita diplomacia pública. O governo propôs um projeto de repensar cidades, o que a violência significa, como as pessoas viveriam e interagiriam para criar o ambiente adequado para a reconciliação. Como foi esse trabalho?

Identificar os stakeholders e os sabotadores em uma negociação é essencial. São sempre atores com interesses divergentes, como a indústria do petróleo, que fazem de tudo para impedir qualquer avanço. Por exemplo, uma estratégia que eu adotava diariamente [durante o processo de paz na Colômbia] era abordar a comunidade internacional, membros do Conselho de Segurança e das Nações Unidas para conquistá-los como aliados. Eu precisei fazer as pazes com Hugo Chávez [ex-presidente da Venezuela], com quem tive um grande desentendimento, pois precisava da sua ajuda. Da mesma forma, na negociação pela paz com a natureza, é necessário identificar os sabotadores, superar os obstáculos e perseverar na execução da estratégia.

A Colômbia vai sediar, em setembro, a COP16, conferência da ONU sobre biodiversidade. O senhor mencionou que a COP30, que será realizada no Brasil em 2025, depende do sucesso da COP16. Como vê a relação entre Colômbia e Brasil?

A biodiversidade e as mudanças climáticas são dois problemas ou dois desafios da mesma moeda. Eles não podem ser separados. Se um não for bem-sucedido, o outro também não será. Estão interligados. É por isso que muitos de nós temos dito há algum tempo que devemos fundir as duas cúpulas. O mundo deve se concentrar em salvar a biodiversidade e enfrentar as mudanças climáticas com o mesmo ímpeto e a mesma vontade política. Então, acredito que uma das condições para o sucesso da COP30 é ter uma bem-sucedida COP16. Somos [América do Sul] o continente com a biodiversidade mais importante do planeta, Brasil e Colômbia em especial. Os cientistas já provaram que, ao restaurar o solo que foi degradado por décadas de práticas agrícolas inadequadas no Brasil, na Colômbia, nos Estados Unidos e na Europa, o efeito é que, em vez de ser um emissor, ele se torna um capturador de carbono. Isso compensaria apenas na Colômbia todas as emissões que produzimos com nossa indústria de petróleo e carvão, o que é bastante surpreendente. Imagine o efeito se fizermos isso no Brasil e no mundo.

Rockström: Hoje os riscos são tão altos que, mesmo se eliminássemos os combustíveis fósseis, ainda falharíamos na meta se não acertássemos na biodiversidade. A natureza é muito poderosa. Ela contém uma grande parte dos sumidouros de carbono e do feedback de umidade e regulação do sistema climático. Sabemos que esses estão intimamente ligados, até os chamamos de limites fundamentais.

Para encerrar uma guerra, é preciso uma reconciliação do que significa viver em sociedade. Mas, nessa guerra contra as mudanças climáticas, é preciso se reconciliar com a natureza. E isso parece um pouco mais difícil, porque muitas pessoas não veem a natureza como parte de si, ou como um vizinho que deve ser respeitado. Como nos reconciliamos com ela?

É aí que entram os cientistas: para demonstrar. Não estamos pensando que talvez aconteça. Eles demonstram que vai acontecer e traduzem isso em uma mensagem clara. Então, as pessoas começam a dizer: “Bem, isso vai me afetar, minha família, meus filhos”. É um grande desafio, mas temos a ciência e a prova para trazer isso à rea-lidade. Toda política pública precisa ser explicada e repetida muitas vezes. Segundo um ditado na política, se você diz algo uma vez, ninguém ouve, dez vezes, ninguém ouve, cem vezes, ninguém ouve. Você tem de repetir 3.000 vezes e então as pessoas talvez comecem a ouvi-lo. Precisamos bombardear- essa mensagem com tudo o que está disponível, fazer as pessoas reagirem, porque é a única maneira de fazer com que líderes e formuladores de políticas, neste momento, devido à falta de liderança forte, ajam.

Nessa questão, há uma divisão entre ambientalistas e cientistas que defendem uma abordagem focada no risco de catástrofe, e outros que defendem um olhar mais voltado para a solução. Como o senhor prefere abordar o tema?

Com relação ao processo de paz, é importante ter tanto incentivos quanto penalidades para garantir uma negociação bem-sucedida. Como na parábola da cenoura e do bastão. É preciso mostrar que há uma solução, mas também lembrar as pessoas do que vai acontecer se não agirem.



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