Cena comum em Tóquio: no Japão, jornais online são considerados produtos secundários (Koichi Kamoshida/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.
Fundado no Japão em 2003 por Ken Takeuchi, jornalista que já foi prefeito de Kamakura, estância turística próxima à capital Tóquio, o jornal online JanJan News tornou-se uma das mais recentes vítimas da crise mundial no país. No início de 2010, Takeuchi viu-se obrigado a limitar o site a um simples blog de conteúdo administrado apenas por ele próprio, de sua casa. A ideia inicial de criar um espaço aberto à publicação de notícias pelos próprios leitores teve de ser abandonada. O Jan-Jan News contava com um escritório em Tóquio e algumas dezenas de funcionários e havia chegado a 8 000 usuários cadastrados como “cidadãos-repórteres”. Sua audiência era de respeitáveis 10 milhões de visualizações por mês, mas o empreendimento nunca conseguiu estabelecer um fluxo de caixa estável. Com a queda nas receitas dos anúncios durante a crise, a empresa já não conseguia mais cobrir os custos de operação, de cerca de 1 milhão de dólares anuais, e entregou os pontos. O JanJan representava um dos poucos sites de conteúdo jornalístico exclusivo para a web num país que tem altíssimos índices de acesso à internet e é sempre associado ao que há de mais moderno em tecnologia digital. “O Japão ainda não está pronto para aceitar o surgimento de novas e múltiplas fontes de notícias, especialmente na internet”, disse Ken Takeuchi em entrevista ao The New York Times.
O fracasso da empresa — pequena quando comparada a iniciativas semelhantes em outros países e minúscula em relação às principais companhias que controlam mídias tradicionais no Japão — é sintomático do cenário que caracteriza a indústria jornalística da terceira maior economia mundial. O Japão é o único do grupo de países desenvolvidos em que o jornalismo impresso ainda não enfrenta de maneira tão intensa o impacto da internet nas vendas. De acordo com o mais recente relatório da Associação Mundial de Jornais, sediada em Paris, o Japão disponibilizou na rede pouco mais de uma centena de jornais nos últimos anos. Nos Estados Unidos, há mais de 1 700 sites de notícias. A maioria dos jornais japoneses online é tratada como um produto secundário pelas empresas que publicam os diários. Em muitos casos, somente parte do conteúdo da edição em papel vai para a internet. Por outro lado, cinco dos dez maiores jornais do mundo em circulação diária são japoneses. Mais de 10 milhões de exemplares do conservador Yomiuri Shimbun são folheados diariamente no Japão, volume mais de três vezes superior à circulação do tabloide inglês The Sun. Como nos Estados Unidos e na maior parte da Europa, o volume de diários distribuídos no Japão está diminuindo, mas num ritmo bem mais lento. Na última década, enquanto a circulação do Yomiuri Shimbun caiu 4%, a do tabloide alemão Bild caiu 28%, e a do The Sun, 12%. “As editoras de jornais aqui também estão preocupadas com a tendência de queda e a necessidade de adaptar seu modelo de negócios, mas, enquanto o mundo não bolar uma alternativa viável para ganhar dinheiro com jornalismo na internet, elas vão estender ao máximo seu foco nos impressos”, diz Kaori Hayashi, professora de jornalismo na Universidade de Tóquio.
A taxa de 99% de alfabetização da população japonesa ajuda a explicar o sucesso duradouro dos jornais. Mas existem outros fatores. Os conglomerados de mídia criaram sofisticados sistemas de distribuição desde o início do século 19 que cobrem toda a extensão do arquipélago. Cerca de 95% dos jornais vendidos no país chegam aos leitores por meio de assinaturas, e cada família recebe ao menos um título todos os dias. O Asahi Shimbun, segundo maior jornal do país, com circulação diária de 8 milhões de exemplares, conta com mais de 70 000 pessoas trabalhando em mais de 2 600 pontos de distribuição. “Os jornais são como a eletricidade ou a água, que chegam às casas automaticamente”, diz Kaori. Outra característica que protege a indústria é o envelhecimento da população. A questão demográfica representa um dos mais graves desafios para a economia japonesa. Do ponto de vista desse negócio, no entanto, o fato de o país contar com uma parcela crescente de adultos e idosos, habituados a ler o formato tradicional dos periódicos, ajuda a explicar boa parte da resistência do modelo atual e das projeções de vendas por mais alguns anos.
Com uma relativa segurança proporcionada pelos hábitos da população e pelas receitas garantidas das vendas das edições em papel, as empresas japonesas de notícias pisam o terreno da internet com muito mais cautela que suas pares ocidentais. Em abril, o Nikkei, principal jornal econômico do país, começou um experimento em sua versão online. O diário proibiu até mesmo que outros sites pudessem dar um link para suas reportagens. As opiniões sobre a experiência se dividiram entre os que acham que o jornal simplesmente não entende o propósito amplo e interativo da internet e os que viram a medida como uma estratégia inteligente para manter a fidelidade dos leitores às edições impressas.
Numa entrevista recente ao Financial Times, o presidente do Asahi Shimbun, Kotaro Akiyama, disse que ainda não tem planos definidos de aumentar a presença na internet. Mas ele afirmou também estar observando atentamente os movimentos de colegas como Rupert Murdoch. O australiano, dono do conglomerado News Corp., cobra pelo acesso a boa parte do conteúdo online do Wall Street Journal e recentemente fechou completamente o acesso ao The Times, um dos maiores jornais londrinos – agora só quem tem assinatura pode ler o site. Mas o conservadorismo dos grandes grupos da mídia japonesa não pode durar para sempre. É conhecida a dedicação dos japoneses a seus telefones celulares e a tudo o que diz respeito a tecnologia. Um levantamento feito em 2009 pelo centro de pesquisa Shimbun Tsushin Chosakai afirma que 60% dos jovens na casa dos 20 anos e quase 50% em seus 30 anos utilizam a internet como fonte de notícias. Além disso, de acordo com dados da Dentsu, maior agência de publicidade do Japão e uma das maiores do mundo, em 2009 os gastos com anúncios na internet no país totalizaram 8,1 bilhões de dólares, superando pela primeira vez o montante destinado aos jornais impressos. (Os sites de notícias ficaram com cerca de 3 bilhões de dólares.) Ou seja: pode não ser a hora de dizer sayonara ao papel — mas com certeza é bom dar as boas-vindas à internet com um sonoro irashaimase.