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Samarco vai voltar — só não se sabe quando, nem como

As mineradoras BHP e Vale, donas da Samarco, discordam em como resolver os problemas da empresa

Desastre: o rompimento  da barragem da Samarco cobriu Mariana de lama (Ricardo Moraes/Reuters)

Desastre: o rompimento da barragem da Samarco cobriu Mariana de lama (Ricardo Moraes/Reuters)

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Maria Luíza Filgueiras

Publicado em 27 de julho de 2017 às 06h00.

Última atualização em 27 de julho de 2017 às 06h00.

São Paulo – Concorrentes no mercado mundial de minério de ferro, as mineradoras Vale, do Brasil, e BHP, da Austrália, selaram uma trégua em 2000, quando se tornaram sócias na mineradora Samarco, com sede em Minas Gerais. A sociedade correu sem grandes sobressaltos até o fim de 2015, quando a Samarco protagonizou o que uma consultoria americana descreveu como o maior desastre ambiental do planeta na mineração.

O rompimento de uma de suas barragens, na cidade mineira de Mariana, destruiu municípios vizinhos, contaminou o rio Doce, um dos maiores do estado, e matou 19 pessoas. A obrigação da Samarco, acordada com governos e órgãos ambientais, é reconstruir o que foi arrasado e pagar multas para compensar os danos causados — o acerto inicial prevê indenizações de 20 bilhões de reais, quase cinco vezes o faturamento da companhia. Para fazer isso, a empresa, que está paralisada há um ano e meio, precisa retomar suas atividades, mas seus donos não se entendem sobre como ou quando isso voltará a acontecer.

Executivos próximos à Vale e à BHP dizem que os australianos responsabilizam a Vale pelo acidente em Mariana. Ainda que as empresas tenham, cada uma, 50% da Samarco, a Vale era considerada a sócia sênior por estar geograficamente mais próxima da Samarco, o que facilitava o acompanhamento das operações. Além disso, segundo executivos, a Vale era mais agressiva para impor suas opiniões e decisões no conselho de administração. “O acidente aconteceu debaixo do nariz da Vale”, diz o executivo de um dos bancos credores da Samarco. Diante do que consideraram uma quebra de confiança, os australianos decidiram se envolver diretamente na condução dos negócios e nas negociações com governos, órgãos ambientais e o Ministério Público após o desastre.

Até 2015, a BHP mantinha um escritório protocolar no Rio de Janeiro, com cerca de dez funcionários. No ano seguinte, realocou executivos e especialistas de suas operações no mundo todo em um escritório de emergência em Belo Horizonte e nomeou um diretor nacional para a unidade, o advogado Flávio Bulcão. Há dois meses, a BHP fechou o escritório do Rio e se mudou de vez para a capital mineira, com o triplo de funcionários — focados na Samarco.

Os principais pontos de desentendimento entre os sócios dizem respeito ao destino que será dado aos rejeitos — conjunto formado por sobras de minério, produtos químicos e água, gerado no fim do processo de tratamento do minério de ferro. As barragens são criadas para reter essas sobras, que não têm valor econômico, mas trazem riscos ambientais — podem contaminar o solo e a água dos rios, por exemplo.

Com o rompimento da barragem em 2015, a BHP queria reformar e utilizar a barragem do Fundão, que também fica em Mariana. Para os australianos, isso garantiria o funcionamento da Samarco no longo prazo. Já a Vale preferia uma alternativa temporária para tentar retomar as operações em um prazo menor — inicialmente, a empresa acreditava que a Samarco voltaria a funcionar no primeiro trimestre de 2017.

A ideia da Vale acabou prevalecendo. Em dezembro de 2016, a Samarco apresentou à Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais um projeto alternativo e temporário de disposição de rejeitos, chamado Cava Alegria Sul, que fica entre os municípios de Mariana e Ouro Preto. É temporário porque a área só tem capacidade para suprir as necessidades de dois anos de atividade. A Samarco ainda não obteve a licença ambiental do projeto — e, quando isso acontecer, deve levar cerca de seis meses para fazer as obras.

Tendo isso em vista, Andrew Mackenzie, presidente da BHP, divulgou um comunicado aos acionistas no fim de junho informando que dificilmente a Samarco voltará a funcionar em 2017. A Vale não se pronunciou. Diante do silêncio, a Comissão de Valores Mobiliários, que regula o mercado de capitais no Brasil, perguntou à Vale se ela não comunicaria a seus próprios acionistas que a previsão mudou — mas a resposta foi outra. “Persiste a possibilidade de retomar as operações em 2017”, respondeu a companhia.

Numa teleconferência com analistas em outubro, Murilo Ferreira, então presidente da Vale, já havia dito que havia “certo desalinhamento” entre os sócios em relação à capacidade de retomada de barragens, ao tempo que isso levaria e ao valor que custaria. A expectativa era que o embate esfriasse com a entrada do novo presidente da Vale, Fabio Schvartsman, em maio, mas isso não aconteceu.

Questionada por EXAME sobre o que estaria valendo, a posição da BHP ou a da Vale, a Samarco tem outra resposta. “Como esses processos de licenciamento têm vários atores, como órgãos ambientais em diferentes níveis e prefeituras diretamente envolvidas, entre outros, não é possível estimar uma data para o retorno da opera-ção”, afirmou por e-mail. Além da nova licença ambiental, a Samarco precisa concluir os ajustes pedidos pela Secretaria do Meio Ambiente de Minas no Complexo de Germano, onde ficava a barragem rompida, para obter uma nova licença de funcionamento. Só então poderá voltar a funcionar.

EXAME apurou que, em 2016, o conselho de administração da Vale chegou a discutir a possibilidade de comprar a participação da BHP na Samarco. Segundo um executivo que participou da discussão, a Vale preferia conduzir sozinha a retomada da Samarco, sem a pressão da sócia, mas chegou à conclusão de que isso sairia caro demais. “Era melhor aguentar algum desaforo do que ficar com a conta toda”, diz um conselheiro. Agora, a preocupação imediata da Samarco e de seus acionistas é voltar a operar. Parada, a operação custa caro.

Em 2014, antes da tragédia, a empresa deu 7 bilhões de reais de lucro aos acionistas. Hoje, nas contas de analistas, perde 75 milhões de reais por mês, em média. BHP e Vale já colocaram 1 bilhão de reais cada uma no caixa da Samarco em menos de dois anos para o pagamento de salários e a manutenção de ativos. Os reflexos da paralisação da Samarco para a economia de Minas Gerais também são relevantes. Uma análise da consultoria Tendências mostra que a empresa deve deixar de gerar 4,4 bilhões de reais neste ano, entre pagamento de salários e impostos, e exportações — o que corresponde a 1% do PIB de Minas e 4% do PIB do Espírito Santo.

Por fim, a Samarco depende de um cronograma definido de operação para conseguir negociar com os credores. Em vez de negociar em conjunto, BHP, Vale e Samarco contrataram cada uma um assessor financeiro e estão conversando separadamente com os credores. A Vale está sendo assessorada pelo banco de investimento Moelis; os australianos, pelo banco Rothschild; e a Samarco, pelo banco JP Morgan. Em março, a BHP propôs a alguns bancos uma carência para pagamento de mais de dez anos, proposta prontamente rejeitada. A Samarco quis negociar com os detentores de títulos de dívida primeiro e também não teve sucesso. Já a Vale disse a eles que só vai negociar quando tiver um cronograma de retomada das operações. Procurados, os bancos não comentaram.

O acidente da Samarco é o maior desastre ambiental do mundo com barragens em 100 anos, de acordo com um estudo da consultoria americana de gestão de riscos Bowker Associates. O rompimento da barragem contaminou mais de 2 000 hectares de terra e água, o que destruiu propriedades rurais e inviabilizou a pesca, além de deixar centenas de famílias desabrigadas e sem acesso a água potável.

A empresa criou a Fundação Renova para coordenar as ações de reparação a comunidades e ao meio ambiente, e negocia com governos e autoridades o pagamento de multas. Um acordo preliminar com a União, os governos de Minas e Espírito Santo (parte do litoral do estado foi contaminada pela água poluída do rio Doce) e agências reguladoras estabeleceu o pagamento de 20 bilhões de reais em 15 anos, mas o Ministério Público Federal entrou com uma ação na Justiça pedindo indenizações de 155 bilhões de reais. A Justiça Federal estabeleceu que as empresas e o MPF têm até o fim de outubro para chegar a um acordo. Além disso, as empresas e 21 executivos respondem criminalmente.

Em entrevista por e-mail, a BHP diz que a Samarco terá de mudar: “A empresa está analisando novas maneiras de gerenciar, com segurança, seus rejeitos, sua base de custos e seu balanço para garantir sua sustentabilidade no longo prazo”. A BHP afirma ainda que “a Samarco voltará a operar com capacidade significativamente reduzida e com custos mais altos. Uma reestruturação adequada da dívida será um fator importante para a viabilidade da empresa no longo prazo. Existem várias maneiras pelas quais isso pode ocorrer e não pretendemos comentar as negociações”.

A BHP diz que acredita que ela e a Vale não têm “divergências materiais”, já que têm como objetivo a compensação para os afetados e a retomada da Samarco com segurança e viabilidade econômica. A Vale, que está em período de silêncio por causa da divulgação de resultados, não deu entrevista.

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