Revista Exame

Um salto de 260 milhões na mesada

Este foi o aumento aplicado na bolsa nos últimos 12 meses por jovens de até 15 anos, um público ávido por aprender e que precisa de acompanhamento dos pais para investir

Guilherme Ávila, de 14 anos, investidor: sonho do primeiro milhão até 2013 (Fabiano Accorsi/EXAME.com)

Guilherme Ávila, de 14 anos, investidor: sonho do primeiro milhão até 2013 (Fabiano Accorsi/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.

"A bolsa não vai bombar, não." "Foi o melhor pregão ever, foi insano." "O mercado tá megadeprê." Frases como essas têm sido ditas num número maior de lares de classe média, principalmente nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Além de frequentar a escola, as aulas de inglês e o clube, uma quantidade crescente de jovens tem reservado uma parte do dia para acompanhar o mercado de ações. Nos últimos 12 meses, o total investido na BM&F Bovespa em nome de cerca de 2 000 crianças e jovens de até 15 anos aumentou 160%, chegando a 420 milhões de reais - cifra que engloba tanto o dinheiro efetivamente administrado por jovens quanto os recursos que os pais aplicam em favor dos filhos. Embora ainda seja um grão de areia no volume total da bolsa, esse é o segmento etário que mais cresce. "Mesmo com os altos e baixos das bolsas, é cada vez mais comum avós e pais aplicarem no mercado de ações em vez de abrir uma caderneta de poupança para os netos ou filhos", diz Rogério Betti Marques, sócio da consultoria financeira Beta Advisors, de São Paulo. "Há mais risco, mas, como os últimos anos mostraram, o potencial de retorno é maior."

Guilherme Ávila, estudante de 14 anos da 8a série da escola Salesiana Dom Bosco, em Piracicaba, no interior paulista, é um desses adolescentes da bolsa. Como dez entre dez garotos de sua idade, Guilherme é intenso e sonhador. Há dois anos, ele juntou suas economias e raspou a poupança para investir cerca de 5 000 reais em ações. Os pais, que aplicam na bolsa desde o começo da década, ficaram sem argumentos para demover o filho. Desde então, Guilherme passou a acompanhar diariamente o sobe e desce dos pregões. Hoje, tem 17 ações na carteira e reavalia sua estratégia a cada três meses. "Só no final do ano passado tive um lucro de 42%", diz. Seu sonho? "Chegar ao primeiro milhão de reais em três anos." Às vezes, a vontade de acompanhar a bolsa é tanta que, mesmo longe de seu computador, na escola ou no inglês, Guilherme vai ao banheiro e liga para a corretora para saber o que está acontecendo.

Para a psicoterapeuta Lana Harari, professora do instituto de psicanálise Sedes Sapientiae, de São Paulo, é justamente aí que mora o perigo. Os pais devem ficar atentos para que o gosto pelos mercados não aumente a dependência ao computador nem se torne um jogo compulsivo. "Ao participar de decisões de investimento, o adolescente toma consciência de que pode fazer escolhas e que seus julgamentos têm consequências, o que é positivo", diz Lana. "O problema é quando ganhar dinheiro vira uma obsessão e acaba atrapalhando o desempenho escolar ou a vida social." A dimensão legal também precisa ficar no radar dos pais. Acompanhar a evolução do capital que recebeu de algum familiar ou pedir aos pais para aplicar em determinadas ações é parte do jogo. "Dar a senha do homebroker e deixar um menor de 18 anos mandar ordens de compra ou venda para uma corretora é contra a lei", diz o advogado José Guilherme Carneiro Queiroz, do escritório Queiroz e Lautenschläger, de São Paulo. "É como deixá-lo dirigir um carro antes de ter idade para tirar a habilitação."


Preocupada com a formação dos futuros investidores, a BM&F Bovespa lançou, em abril, em seu site, um programa de educação financeira, a Turma da Bolsa, direcionado ao público de 7 a 10 anos de idade. Com jogos interativos e fábulas, ensina princípios básicos do mercado de capitais, como a importância de poupar. "O jovem é imediatista. Queremos que tenha calma e pense no longo prazo", afirma Patrícia Quadros, gerente dos programas de popularização da bolsa. Desde 2006, a BM&F Bovespa promove uma competição anual entre escolas paulistas do ensino médio que simula investimentos em ações - mais de 8 500 alunos já participaram. É tudo brincadeira, mas cada integrante do grupo que atinge a melhor rentabilidade em dois encontros ganha um prêmio de 5 000 reais.

Como seria de esperar, nos Estados Unidos esse fenômeno tem proporções muito maiores. Afinal, trata-se do país com a bolsa mais "popularizada" do mundo e cuja maior estrela do mercado, o megainvestidor Warren Buffett, começou a aplicar em ações aos 11 anos de idade. Estima-se que 1,2 milhão de alunos americanos do ensino médio tenham ações no próprio nome, numa conta ligada à dos pais e que só os adultos podem operar, e que outro 1,3 milhão possua papéis que estão em nome dos pais - também lá é vedado aos menores de idade gerenciar o próprio dinheiro. Os dados são da ONG Jump$tart Coalition for Personal Financial Literacy, que tem entre seus membros o banco central dos Estados Unidos. Desde 1977, mais de 10 milhões de estudantes participaram de um jogo que simula os investimentos em ações da Foundation for Investors Education, outra ONG. Entre as instituições preocupadas em conhecer a relação dos jovens com o mundo das finanças está o próprio Tesouro americano, que em março envolveu 76 000 alunos do ensino médio numa atividade para medir o conhecimento sobre o comportamento do mercado financeiro. Lá e cá, a preocupação parece ser a mesma. Ensinar aos jovens que o mundo não se resume ao consumo imediato, que o dinheiro vem com o trabalho e que a bolsa é uma importante alternativa de investimento. Tá ligado?

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