Escritório da Globant em Buenos Aires: alternativa ao modelo tradicional de serviços de TI (Globant/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.
Seria razoável supor que uma ideia concebida em uma mesa de bar, por melhor ou pior que fosse, não fosse lá digna de muito crédito em qualquer parte do mundo. Pois em Buenos Aires, onde os 11 000 bares e cafés da cidade representam símbolos nacionais à altura do tango ou dos bifes de chorizo, ocorre justamente o contrário. Ao longo da história, eles foram palco das melhores e das piores ideias, de pessoas comuns a figuras como Carlos Gardel e Jorge Luis Borges. Decisões grandes e pequenas, discussões, momentos alegres e tristes - tudo se passa nos bares e cafés da cidade, como se eles fossem extensões dos lares portenhos. Não havia lugar melhor, portanto, para a ideia que tiveram em 2003, em Buenos Aires, quatro engenheiros argentinos veteranos da indústria de tecnologia. Numa época em que empresas regionais do setor miravam principalmente seus mercados domésticos, o plano soava ambicioso: criar, na Argentina, uma companhia para competir globalmente pelo bilionário mercado de serviços de tecnologia da informação. Assim nascia a Globant, hoje a empresa que cresce mais rápido em todo país e cuja sede está instalada, convenientemente, a poucas quadras do Down Town Matias, o bar que inspirou sua criação.
Como costuma ocorrer com companhias de tecnologia de sucesso, a Globant teve uma trajetória meteórica em poucos anos de vida. Em 2004, quando ainda estava instalada em La Plata, a 50 quilômetros da capital, a empresa tinha 70 empregados e o faturamento beirava 3 milhões de dólares. No meio do caminho, a companhia recebeu um aporte de 24 milhões de dólares dos fundos Riverwood Capital e FT Ventures. Em 2010, a Globant deve fechar o ano com 2 000 empregados e faturamento de 52 milhões de dólares. Mas, nessa história, não são os números que impressionam. No mundo de serviços de tecnologia da informação, tanto quanto cifras, pesam também os nomes - nesse caso, nomes de clientes. E os da Globant são de fazer inveja a qualquer companhia brasileira do setor: Google, Electronic Arts, LinkedIn e Dell, para mencionar alguns. Com escritórios em Palo Alto, Boston, Londres, Santiago e Bogotá, nada menos do que 95% do faturamento vem do exterior - e 60% dessa fatia de companhias do Vale do Silício. Com instalações que lembram o Googleplex (salas de massagem, de ioga e de jogos), não demorou para que fosse apelidada de "Google argentino". A Globant recebe mais de 50 currículos por dia e foi eleita recentemente uma das cinco melhores empresas para trabalhar em todo o país.
Encher ambientes de trabalho de pufes e videogames pode fazer bem à imagem de uma empresa de tecnologia nos dias de hoje, mas isso nem de longe explica os feitos da Globant até aqui. "Não somos apenas uma fábrica de software", diz Guibert Englebienne, diretor executivo de tecnologia e um dos quatro fundadores da companhia. Apesar de trabalhar também com serviços mais tradicionais, como o desenvolvimento de código, é a área de criação (onde se criam jogos e mundos virtuais, por exemplo) o setor que mais cresce dentro da empresa - só neste ano serão 700 novos contratados. É com essa postura que companhias como a Globant acreditam poder mudar o destino de indústrias de países que, como Argentina e Brasil, se encontram ainda à margem do grande mercado mundial de terceirização de TI, estimado em 100 bilhões de dólares anuais. Para essas empresas, a aposta é que, em um mundo conectado, os serviços de tecnologia de informação se parecerão cada vez menos com modelos tradicionais de produção terceirizada, como mandar fabricar sapatos na China ou softwares na Índia. Em vez de apenas executar demandas de clientes, essas companhias deverão participar, ao lado deles, da criação e do desenvolvimento de produtos, algo como a terceirização de serviços criativos.
Uma indústria morro acima
Em menos de dez anos, o setor de serviços de tecnologia da informação da Argentina mais que quadruplicou de tamanho
A julgar por números absolutos, a indústria ainda tem um tamanho modesto. Em 2009, a Argentina exportou 605 milhões de dólares em software e TI. Nos últimos três anos, porém, o montante cresceu 101% - em grande parte puxado por exportações de valor agregado. No Brasil, apesar do incremento de exportações do setor, que chegou a 3 bilhões de dólares em 2009, o maior volume de vendas se dá nas multinacionais - somente a exportação das três maiores, todas de capital estrangeiro, representa cerca de 70% do total. "Enquanto o Brasil até agora se oferece como braço operacional de desenvolvimento de software, a Argentina vem se posicionando bem num nicho de maior valor agregado", afirma Stelleo Tolda, vice-presidente de operações do MercadoLivre para a América Latina e Portugal.
Mas o sucesso do país vizinho nos tortuosos caminhos do setor de tecnologia não se resume à exportação de serviços. A Argentina é o país da América Latina que concentra o maior número de empreendimentos de êxito na internet (não por acaso, o país tem o maior índice de acesso à internet per capita da América Latina). Há uma explicação histórica para isso. Antes do estouro da bolha, com a paridade entre dólar e peso e massivos investimentos em tecnologia após os anos de privatizações, a Argentina viveu o boom das ponto-com como nenhum outro país do continente. Estimase que, nessa época, de cada dez startups da América Latina, pelo menos metade era argentina. O país era o quinto no volume de domínios de internet registrados em todo o mundo. O auge desse período foi a venda do Patagon, uma espécie de banco eletrônico fundado pelo empresário argentino Wenceslau Casares, por 705 milhões de dólares ao banco Santander, em março de 2000.
A maioria das empresas fundadas naquela época foi à falência, mas algumas hoje são exemplos de empreendimentos bem-sucedidos. Fica em um grande galpão, às margens do rio da Prata, a sede do MercadoLibre, companhia fundada em 1999 pelo empresário argentino Marcos Galperín. Nesses 11 anos, o MercadoLibre cresceu de uma simples ideia para uma companhia com ações negociadas na Nasdaq, a bolsa de valores americana que reúne ações de companhias de tecnologia. Com operação em 13 países, faturamento de 172,8 milhões de dólares em 2009 e valor de mercado em torno de 2,6 bilhões de dólares, o MercadoLibre é uma das maiores plataformas de comércio eletrônico do continente. Uma trajetória parecida tem o Despegar.com (Decolar.com no Brasil), agência de viagens online criada em 1999 e que hoje é a empresa do setor que mais cresce na América Latina, com faturamento de 400 milhões de dólares no ano passado. Em um país com tantos setores da economia passando por apuros, casos de êxito como esses servem de inspiração a muitos jovens empreendedores. "Faz diferença ter exemplos locais de companhias que se tornaram gigantes da internet em poucos anos", diz Alejandro Mashad, diretor executivo na Argentina da Endeavor, ONG dedicada a incentivar o empreendedorismo em países emergentes.
A tendência ganhou força há três anos com a criação - outra vez a partir de uma reunião de bar - da Palermo Valley, comunidade que hoje reúne mais de 2 000 interessados em criar novos negócios na rede. O nome é uma referência óbvia ao Vale do Silício e ao sofisticado bairro que concentra o maior número de companhias de internet do país. Lá estão instaladas as sedes de empresas como a Dineromail, líder em sistemas de pagamento online no continente, e o Sónico, rede social com mais de 47 milhões de usuários em todo o mundo. Os encontros mensais, as Palermo Valley Nights, vão de palestras com empresários bem-sucedidos a encontros com investidores. Mais de 200 empresas compõem a base de dados da comunidade - boa parte delas criada a partir de contatos entre membros que se conheceram por meio dos eventos. Um dos casos de sucesso é o Sumavisos, mecanismo de busca de anúncios que reúne bancos de dados de centenas de sites de classificados. O projeto, criado por três jovens com alguma experiência em internet, começou a ser desenvolvido em fins de 2007. Após uma apresentação em uma das Palermo Valley Nights, o projeto recebeu a primeira rodada de investimentos de investidores locais em agosto de 2009. "Vivemos um cenário favorável", afirma Gabriel Gruber, um dos fundadores do Sumavisos. "Hoje um empreendedor com uma ideia pode fazer contatos, conseguir apoio financeiro e transformá-la em uma empresa, que por sua vez servirá de exemplo." Exemplos que poderiam inspirar, inclusive, ideias em bares para além do rio da Prata.