Revista Exame

Joseph Stiglitz alerta para riscos no horizonte da economia

As perspectivas 2018 parecem um pouco melhores do que eram no ano que se encerrou. Mas o sucesso no curto prazo não deve nos levar à complacência

Donald Trump (Nicholas Kamm/AFP)

Donald Trump (Nicholas Kamm/AFP)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de janeiro de 2018 às 05h00.

Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 10h02.

Há um ano, previ que o aspecto mais marcante de 2017 seria a incerteza, alimentada, entre outras coisas, pela eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos e pela votação do Reino Unido sobre sua saída da União Europeia (o Brexit). A única certeza, parecia, era a incerteza — e que o futuro poderia se tornar um lugar bastante caótico. No fim, embora 2017 não tenha sido um ano particularmente bom, foi muito melhor do que muitos temiam. Trump se provou tão bombástico e errático quanto se imaginava. Qualquer um que prestasse atenção apenas em seus tuítes incessantes poderia imaginar que os Estados Unidos hesitavam entre uma guerra comercial e outra nuclear. Trump insultava a Suécia um dia, a Austrália no outro, depois a União Europeia — e depois apoiava neonazistas em seu país. Os integrantes de seu gabinete plutocrático disputam entre si em termos de conflitos de interesses, incompetência e pura grosseria. 

Há alguns retrocessos preocupantes, em especial no que diz respeito à proteção ambiental, sem falar nos diversos atos baseados em ódio que o preconceito de Trump pode ter incentivado. Mas, até aqui, a combinação das instituições americanas com a incompetência da administração de Trump tem significado que existe (felizmente) um grande abismo entre a retórica horrenda do presidente e o que ele, de fato, tem conseguido colocado em prática.

E, o mais importante para a comunidade mundial, não se iniciou uma guerra comercial. Se usarmos a taxa de câmbio entre o México e os Estados Unidos como termômetro, os temores sobre o futuro do Nafta, o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, diminuí-ram bastante, ainda que as negociações comerciais tenham parado. Mas a montanha-russa Trump nunca para: 2018 pode ser o ano em que a granada de mão que Trump jogou na ordem econômica mundial, finalmente, explodirá.

Alguns apontam as altas recordes no mercado de ações dos Estados Unidos como uma evidência de algum milagre econômico trumpiano. Eu encaro isso parcialmente como um sinal de que a recuperação de uma década da Grande Recessão está finalmente se consolidando. Toda recessão — mesmo a mais profunda —, cedo ou tarde, chega ao fim. E Trump teve a sorte de estar na Casa Branca para se beneficiar do trabalho de seu antecessor em preparar o cenário.

Mas também considero isso um sinal da pouca visão dos atores do mercado, devido ao entusiasmo deles com os potenciais cortes fiscais e o dinheiro que poderia mais uma vez fluir para Wall Street, se pelo menos o mundo de 2007 pudesse ser restaurado. Eles ignoram o que aconteceu em 2008 — a pior retração em três quartos de século —, e também os déficits e a desigualdade crescente que os cortes de impostos anteriores para os super-ricos trouxeram. Eles dão pouca atenção aos riscos de desglobalização que o protecionismo de Trump representa. E não veem que, com a aprovação dos cortes fiscais financiados por dívidas de Trump, o Fed (o banco central americano) vai aumentar as taxas de juro, dando início a uma correção do mercado.

Em outras palavras, o mercado está mais uma vez mostrando sua propensão ao pensamento de curto prazo e à pura ganância. Nada disso é um bom presságio para o desempenho econômico dos Estados Unidos no longo prazo. Além disso, sugere que, embora 2018 possivelmente seja um ano melhor do que 2017, existem grandes riscos no horizonte.

Ameaças na Europa

O quadro na Europa é semelhante. A decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia não teve o efeito econômico chocante que aqueles que se opunham a ela antecipavam, em grande parte por causa da depreciação da libra esterlina. Mas tornou-se incrivelmente óbvio que o governo da primeira-ministra Theresa May não tem uma visão clara sobre como administrar a saída do Reino Unido ou sobre o relacionamento pós-Brexit do país com a União Europeia.

Manifestantes com bandeiras do Reino Unido e da União Europeia: incertezas sobre como ficarão as relações do país com o bloco pós-Brexit | Richard Baker/GETTY IMAGES

Há dois outros possíveis riscos mais à frente para a Europa. Uma ameaça é que países fortemente endividados, como a Itália, vão encontrar dificuldades para evitar a crise assim que as taxas de juro retornarem aos níveis mais normais, como será inevitável. Afinal, será realmente possível para a zona do euro manter as menores taxas históricas de juro no futuro previsível, mesmo que as taxas dos Estados Unidos subam?

A Hungria e a Polônia representam uma ameaça mais existencial para a Europa. A União Europeia é mais do que um arranjo econômico de conveniência. Ela representa uma união de países compromissados com os valores democráticos essenciais — os mesmos valores que os governos húngaro e polonês atualmente menosprezam.

A União Europeia está passando por um teste, e há temores bastante razoáveis de que ela ainda tem muito a fazer. Os efeitos desses testes políticos no desempenho econômico do próximo ano ainda podem não ser significativos, mas os riscos no longo prazo são claros e assustadores.

Desafios na China

Do outro lado do mundo, a Iniciativa do Cinturão e Rota (proposta chinesa de criação de um cinturão econômico na região) está mudando a geografia econômica da Eurásia, colocando a China no centro, além de oferecer um estímulo importante ao crescimento de toda a região. A China, porém, deve enfrentar muitos desafios enquanto passa por uma transição complicada de um crescimento liderado pelas exportações para um crescimento baseado na demanda interna, de uma economia de manufatura para uma economia de serviços e de uma sociedade rural para outra urbana. A população está envelhecendo rapidamente. O crescimento econômico tem diminuído notavelmente. A desigualdade é, segundo algumas análises, quase tão grande quanto nos Estados Unidos, a quarta maior entre os países da OCDE (o clube dos países ricos), atrás de México, Turquia e Chile. E a degradação ambiental representa uma ameaça crescente à saúde e ao bem-estar humanos.

O sucesso econômico inédito da China ao longo das últimas quatro décadas tem se baseado parcialmente num sistema no qual a consulta ampla e a construção de consenso no Partido Comunista e no Estado chinês sustentaram cada série de reformas. Será que a concentração de poder em Xi Jinping vai funcionar bem numa economia que tem crescido em tamanho e em complexidade? Um sistema de comando e controle centralizado é incompatível com um mercado financeiro tão grande e complexo quanto o da China; ao mesmo tempo, sabemos para onde mercados financeiros desregulados podem levar uma economia.

Mas esses são essencialmente riscos de longo prazo. Para 2018, a aposta mais segura é que a China vai administrar o caminho dela, ainda que com um crescimento ligeiramente mais lento.

Em resumo, à medida que a recessão pós-2008 das economias desenvolvidas se desvanece num passado distante, as perspectivas mundiais para 2018 parecem um pouco melhores do que as de 2017. A mudança de austeridade fiscal para uma postura mais estimulante diminuirá a necessidade de políticas monetárias extremas, que quase certamente têm causado efeitos de distorção não apenas nos mercados financeiros como também na economia real.

Mas a concentração de poder na China, o fracasso da zona do euro (até agora) em reformar sua estrutura inadequada e, mais importante, o desprezo de Trump pelo estado de direito internacional, a rejeição dele à liderança global dos Estados Unidos e o dano que isso causou à democracia são coisas que representam riscos mais profundos. De fato, elas podem não apenas afetar a economia mundial como também desacelerar o que, até recentemente, parecia ser uma marcha inevitável rumo a uma democracia mais ampla em todo o mundo. Não devemos permitir que o sucesso no curto prazo nos leve em direção à complacência. 


Joseph Stiglitz, ganhador do Nobel de Economia de 2001, é professor na Universidade Colúmbia e economista-chefe do Roosevelt Institute (Project Syndicate)

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