Edemir Pinto, presidente-executivo da BM&FBovespa: seu desafio ainda é trazer para a bolsa mais empresas e investidores (Luciana Cavalcanti/VOCÊ S.A.)
Da Redação
Publicado em 27 de outubro de 2014 às 13h12.
São Paulo - O desempenho da bolsa brasileira nos últimos anos tem sido de desanimar qualquer um. Desde o recorde, no longínquo ano de 2008, o Ibovespa caiu 23%. Recentemente, chegou a parecer que a coisa ia engrenar: o índice subiu 10% em agosto, mas caiu em setembro, tudo embalado pelo vaivém eleitoral.
Mas quem conversa com Edemir Pinto, presidente da BM&F Bovespa, tem a impressão de estar num mercado diferente. Numa entrevista de 3 horas para esta reportagem, Edemir, como é conhecido, usou a palavra espetacular quase 20 vezes ao se referir à bolsa e à economia brasileira.
Para ele, “o potencial do mercado de ações no país é espetacular” e a BM&F Bovespa tem uma tecnologia “espetacular”. A economia está rateando? Como isso afetará a bolsa? “A reação da economia e dos investidores, passada a insegurança do período eleitoral, será espetacular.”
Edemir, que assumiu a presidência da bolsa em pleno furacão de 2008, está em seu terceiro mandato como presidente da BM&F Bovespa. Para quem olha de fora, o péssimo desempenho da bolsa no período pode dar a impressão de que esse otimismo todo não faz sentido. Edemir previu em 2009 que a bolsa brasileira teria, em cinco anos, 5 milhões de investidores individuais. Na época, eram 537 000.
Hoje, em vez dos 5 milhões, há pouco mais de 550 000. Ele também afirmou que o total de empresas abertas chegaria a 600 até 2015. Atualmente, há 369 companhias listadas na Bovespa, 23 a menos do que quando ele fez a previsão. Há, ainda, a dor de cabeça chamada Eike Batista, que abalou a reputação do mercado de capitais brasileiro.
A pedido de um grupo de acionistas minoritários, Edemir foi incluído pelo Ministério Público num inquérito que investiga as responsabilidades pelo colapso da petroleira OGX. Em 2013, quando a negociação de papéis da empresa no mercado futuro estava no auge, a bolsa aumentou a quantidade que podia ser comprada e vendida pelos investidores. Prejuízos em série, fuga de investidores, Eike Batista.
É difícil encontrar razões para ficar feliz com a bolsa brasileira. Mas Edemir Pinto tem, sim, motivos para comemorar. Com seu terceiro mandato terminando, ele está prestes a renovar por mais dois anos.
Parece um paradoxo, mas os acionistas da BM&F Bovespa não têm do que reclamar nos últimos anos. As receitas da bolsa desaceleraram — sobretudo pela redução do volume de negócios. É cobrando taxas por essas transações que uma bolsa como a BM&F Bovespa ganha dinheiro. Mas, em tempos de escassez, o lucro da bolsa se manteve inalterado.
A margem de lucro, de 49%, é a terceira maior entre as principais empresas abertas brasileiras e superior à das maiores bolsas do mundo. A margem da bolsa de Nova York é de 21%; na Alemanha, o percentual fica em 29%. As ações da BM&F Bovespa, que tem valor de mercado de 23 bilhões de reais, desvalorizaram desde 2008 apenas 1% (enquanto o Ibovespa perdeu 21%) e continuam pagando dividendos elevados.
No que não consegue controlar, portanto, Edemir não tem muito o que mostrar: não é ele quem leva empresas à bolsa nem cabe a ele obrigar pequenos investidores a comprar ações. Mas, naquilo que está sob seu controle — o desempenho da bolsa como negócio —, as coisas vão surpreendentemente bem.
Os desafetos
Manter a margem de lucro tão gorda tornou Edemir o mais odiado presidente da bolsa brasileira. Os donos de corretoras o detestam. Até 2007, a BM&F e a Bovespa, que operavam como duas empresas separadas, não tinham fins lucrativos.
Seus principais acionistas eram as corretoras, e as sobras de caixa eram divididas entre elas — era comum que as bolsas subsidiassem os investimentos que as corretoras faziam em marketing e em tecnologia, por exemplo. O modelo mudou em 2007. A BM&F e a Bovespa abriram o capital, o que permitiu que as corretoras vendessem suas ações (algumas ganharam dezenas de milhões de reais com isso).
Depois disso, as bolsas se fundiram, e o controle passou a ser pulverizado entre pequenos investidores e gestoras, como as americanas BlackRock e Oppenheimer. A partir daí, virou mundo real. As corretoras cuidam dos próprios investimentos, e a bolsa precisa prestar contas aos acionistas e ao conselho. Não demorou para que o novo estado das coisas desse em briga.
Assim que assumiu, Edemir implementou um conjunto de medidas que incluíram corte de despesas, reajuste das tarifas de negociação e aumento das exigências regulatórias feitas às corretoras. Aos poucos, a bolsa foi encerrando ou diminuindo o alcance dos programas que tinham o objetivo de difundir o investimento em ações ou derivativos.
Não organiza mais visitas a agricultores para explicar as vantagens de garantir o preço de sua safra na BM&F nem palestras para donas de casa. Um dos poucos programas que continuam é a realização de eventos sobre a bolsa em diferentes cidades, mas ele está bem menor: passou de 700 eventos por ano, em 2004, para menos de 100, atualmente.
Segundo executivos ligados à bolsa, o mais indignado com esses cortes foi Raymundo Magliano Filho, o ex-presidente da Bovespa que criou a maioria dos programas de popularização. Procurado, Magliano não deu entrevista. “Encerramos o que dava pouco resultado”, diz Edemir.
Ao mesmo tempo, a bolsa elevou algumas tarifas de negócios, dependendo do segmento, entre 10% e 187% e decidiu cobrar por serviços que antes eram gratuitos — a partir de 2015, por exemplo, as empresas precisarão pagar uma taxa para abrir ou fechar o capital, como acontece na maioria dos mercados.
Por último, a bolsa passou a exigir que as corretoras investissem mais em controles internos e sistemas de tecnologia. Desde 2008, 17 corretoras foram vendidas ou fecharam as portas, a maioria delas independente. Das 73 que continuam no mercado, 29 (40% do total) tiveram prejuízo em 2013.
Para os inimigos, a culpa é de Edemir — que, cobrando mais caro, acaba inibindo a popularização da bolsa e sacrificando as corretoras. “Ele administra pensando apenas nos grandes bancos. Nem todas as corretoras independentes têm condições de fazer esses investimentos”, diz Gustava Heller, sócia da corretora TOV.
Para Edemir, as mudanças foram necessárias para que a bolsa ganhasse fôlego financeiro para investir em tecnologia. Ainda em 2008, a BM&F Bovespa aprovou um plano de investimentos em tecnologia de 1,5 bilhão de reais. O projeto mais urgente era melhorar o sistema de negociações.
Até 2012, o sistema costumava “cair” sempre que o volume de negócios aumentava de forma atípica. Em períodos mais críticos, chegou a ficar fora do ar por algumas horas duas vezes por semana — sem sistema, os investidores não conseguiam comprar e vender ações e derivativos.
Bizarramente, a bolsa chegou a cobrar mais das corretoras que negociavam grandes quantidades — ou seja, em vez de estimular, passou a tentar frear o mercado. “Não tínhamos capacidade para que todos operassem com qualquer volume, então tínhamos de punir quem negociasse mais”, diz Edemir. Quando o novo sistema começou a funcionar, em 2013, as interrupções pararam.
Hoje, a bolsa está unindo as áreas responsáveis por liquidar as operações de compra e venda feitas na bolsa. Com a integração, é possível visualizar em conjunto as operações feitas pelos investidores, o que reduz o total de recursos que eles precisam depositar para negociar contratos futuros.
Em vez de ficar parado na bolsa, esse dinheiro pode ser usado pelos investidores para fazer novas aplicações. Além disso, a bolsa está negociando uma parceria com as bolsas de Argentina, Chile, Colômbia e Peru.
O plano, aprovado pelo conselho em junho, é vender sistemas de tecnologia para essas companhias e tornar-se sócia delas. Até agora, não ia além de negociar índices de ações brasileiras nesses mercados e índices desses mercados aqui.
Tanto investimento em tecnologia é necessário também para proteger a BM&F Bovespa de uma ameaça — o surgimento de uma nova bolsa no Brasil. Há dois anos, alguns concorrentes estrangeiros anunciaram a intenção de criar uma bolsa aqui, mas desistiram. A única empresa que mantém o plano é a ATS, uma companhia brasileira de tecnologia que conta com o apoio da bolsa de Nova York.
A ATS queria pagar para usar os sistemas de liquidação de operações da BM&F Bovespa, mas a bolsa nunca quis negociar. A ATS diz que vai investir 30 milhões de reais para desenvolver o próprio sistema, um valor que Edemir considera irrisório.
“Pago mais do que isso anualmente só para ter autorização do Banco Central para operar esse sistema”, diz. Enquanto a concorrência não aumentar, a bolsa pode até ir mal, mas vai ser difícil a BM&F Bovespa ir mal também.