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Racha, mágoa e negócios bilionários no escritóiro Souza, Cescon, Barrieu & Flesch

O escritório de advocacia Souza, Cescon, Barrieu & Flesch nasceu após uma ruidosa e mal-assimilada ruptura com o tradicional Machado, Meyer. Hoje, é uma das maiores bancas de fusões e aquisições do país

Os sócios do Souza. Cescon que atuam no mercado de capitais e em fusões e aquisições

Os sócios do Souza. Cescon que atuam no mercado de capitais e em fusões e aquisições

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Da Redação

Publicado em 25 de abril de 2011 às 15h12.

Os advogados que assessoram fusões, aquisições, aberturas de capital e ofertas de ações guardam muitas semelhanças com seus parceiros de negócios, os banqueiros de investimento. Muitos têm ego gigantesco, são movidos por bônus generosos, sofrem com demissões em massa quando o mercado passa por períodos ruins e, vira e mexe, protagonizam ruidosos rachas de equipes.

É comum que grupos de profissionais decidam migrar para a concorrência ou montar novas bancas e competir diretamente com o escritório-mãe. O que é raro no mundo do direito - ao contrário do que ocorre nos bancos - é ver essas dissidências crescerem a ponto de disputar mercado de igual para igual com os antigos patrões.

Com algumas exceções, os novos escritórios acabam se tornando firmas de menor porte e com menos destaque no mercado. Um caso que foge à regra é o da banca paulista Souza, Cescon, Barrieu & Flesch. Fundado em 2001, depois de uma separação conturbada do escritório Machado, Meyer, um dos maiores do país, o Souza, Cescon se tornou um dos grandes especialistas em fusões e aquisições e ofertas de ações - e, em 2009, participou de mais negócios que o próprio Machado, Meyer.

"Hoje, eles estão entre as melhores firmas dessa área no país", diz Ricardo Lacerda, sócio-fundador do banco BR Partners e ex-presidente do banco de investimento do Citi no Brasil.

O sucesso dos "novatos" - no tradicional meio dos escritórios de advocacia, nove anos é um período tido como curto - dói na concorrência, mas machuca muito mais os antigos patrões. Procurado, o Machado, Meyer não quis dar entrevista, mas pessoas próximas ao escritório dizem que, até hoje, eles consideram a saída dos ex-colegas uma traição.


Os advogados das duas bancas ainda se encontram profissionalmente, quando assessoram empresas que estão negociando fusões e aquisições, por exemplo. Fora isso, mal se falam. "Para o pessoal do Machado, Meyer, topar com um fundador do Souza, Cescon é como ver uma ex-namorada que te trocou por outro cara e está feliz com ele", diz um executivo de banco que trabalha com as duas firmas.

E o ano passado foi ainda mais amargo para o ego - e o caixa - do Machado, Meyer. Segundo um levantamento da empresa de informações financeiras Thomson Reuters, o Souza, Cescon foi o segundo escritório que mais assessorou empresas em compras e fusões em 2009 - atuou pelo Pão de Açúcar na compra do Ponto Frio, trabalhou para a Hypermarcas em todas as aquisições da empresa e para a Vivendi na compra da GVT.

Ao todo, participou de negócios que somaram 12,9 bilhões de dólares. Nesse ranking, perdeu só para o Pinheiro Neto, de São Paulo. O Machado, Meyer, tradicionalmente um dos maiores nessa área, ocupou a quarta posição.

Como o mercado de fusões e aquisições é dinâmico, os rankings desse segmento costumam variar a cada ano, e nada garante que o Souza, Cescon consiga se manter no topo daqui para a frente. Mas 2010 também começou bem - a banca já sai com alguma vantagem ante a concorrência ao assessorar a Shell na fusão de 12 bilhões de dólares com a Cosan e também a Bunge na venda da divisão de fertilizantes para a Vale por 4 bilhões de dólares, os dois grandes negócios do ano até agora. 


UM FATOR QUE EXPLICA A ASCENSÃO do Souza, Cescon é a carreira de seus fundadores no Machado, Meyer. Luis Antonio de Souza, Maria Cristina Cescon, Marcos Flesch e Ronald Herscovici - além de outros quatro sócios, como Roberto Barrieu - trabalharam juntos por quase uma década e formaram uma lista respeitável de clientes, como Bunge e banco Real. 

Muitos deles acompanharam os advogados no novo escritório. "É o mesmo que acontece nos bancos de investimento: quando alguém muda de instituição, geralmente leva boa parte de seus clientes, porque a relação é muito mais pessoal do que institucional", diz André Camargo, coordenador do mestrado em direito do Insper, de São Paulo.

A Bunge, por exemplo, migrou para o Souza, Cescon logo que a firma começou a funcionar, em 2001. "Trabalhava com a Maria Cristina há anos, era ela que cuidava de nossos negócios, então fazia sentido para a empresa manter essa parceria", diz Mário Alves Barbosa Neto, presidente da Bunge Fertilizantes no Brasil.

Uma segunda explicação para o crescimento da banca foi o fato de os sócios prometerem o que todo cliente quer ouvir: um atendimento personalizado, feito diretamente pelos fundadores, e em alguns casos com preços um pouco mais baixos que os da concorrência (hoje, os preços são equivalentes). Algo relativamente óbvio num escritório que tenta se estabelecer no mercado.

"O que ocorre em muitos escritórios grandes é que o sócio sênior vende o serviço, mas não atua na operação, o que acaba sendo meio frustrante", diz um executivo de empresa que é cliente do Souza, Cescon. O desafio da banca, hoje, é continuar trabalhando dessa forma depois de ter deixado de ser uma butique e de ter aumentado de cerca de 20 para 180 o número de advogados.


"Nossa meta é crescer de forma controlada para manter os sócios envolvidos nos projetos", diz Marcos Flesch. Essa seria também uma maneira de tentar evitar repetir uma história de dissidências com outros personagens. O que levou os atuais sócios do Souza, Cescon - em 2001, um grupo de 20 advogados, nove deles sócios - a sair do Machado, Meyer foi uma disputa por espaço e crescimento profissional.

"Havia uma discussão sobre a sucessão dos fundadores e não sabíamos o que esperar", diz Luis Antonio de Sousa. "Além disso, estávamos insatisfeitos com o fato de o escritório ter crescido demais e de haver grupos que quase não se falavam, o que prejudicava o atendimento aos clientes."

A saída foi comunicada numa quinta-feira, 11 de janeiro de 2001, e na segunda-feira os advogados já trabalhavam na nova firma - com os clientes devidamente avisados (ao menos dois deles sabiam da mudança antes mesmo de ela ser comunicada à cúpula do Machado, Meyer). Rápido demais?

Sim, mas tudo dentro do padrão ético em firmas de advocacia, dizem executivos de bancos e de outros escritórios que passaram por movimentos semelhantes. "Em nenhum momento eles foram antiéticos, só queriam manter a máquina funcionando, o que foi bom para os clientes", diz um banqueiro que trabalha com os dois escritórios há cerca de15 anos.

Uum ambiente acostumado a esse tipo de movimento e num mercado em que os grandes negócios são cada vez mais frequentes, não será surpresa que roteiros como o da criação e crescimento do Souza, Cescon se repitam.

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