René Werner (--- [])
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h22.
O elegante restaurante La Tambouille, em São Paulo, é um ambiente extremamente seleto. Em suas mesas, podem ser encontradas celebridades, socialites e algumas das maiores fortunas do país. É nesse local que Sylvia Coutinho, diretora executiva do private bank do HSBC, costuma se reunir com seus clientes mais abastados -- e com os abastados que ela pretende ter como clientes. Para ter direito a receber esse tratamento vip do HSBC, são necessários pelo menos 20 milhões de reais em dinheiro aplicados no banco.
Sylvia faz parte da elite do mercado financeiro, formada por profissionais que assessoram clientes riquíssimos na gestão de seu dinheiro. Esses especialistas existem há décadas nos países desenvolvi dos. Nos Estados Unidos, a gestão de grandes patrimônios movimenta impressionantes 30 trilhões de dólares. Calcula-se que esses valores estejam crescendo cerca de 10% ao ano desde 2002. Recentemente, esses profissionais vêm se tornando cada vez mais requisitados no Brasil -- e a explicação é a multiplicação de fortunas. Estima-se que esse negócio tenha crescido 40% nos últimos três anos e que hoje a soma do patrimônio dos clientes de alta renda chegue a 150 bilhões de dólares. As razões dessa pujança são novas. Está surgindo uma nova classe de milionários brasileiros -- empresários que receberam grandes quantias após vender suas companhias ou lançar ações na bolsa. Nos primeiros cinco meses de 2006, essas transações movimentaram 72 bilhões de reais no Brasil, o dobro do volume de 2005.
Quem é ele René Werner |
Cargo Presidente da Werner e Associados, empresa que assessora a gestão de fortunas familiares, organização conhecida como family office |
Total de clientes 10 |
Um bom exemplo do novo perfil que ocupa o topo da pirâmide financeira brasileira é Osmar Zogbi, expoente de uma tradicional família de empresários. Zogbi fechou dois negócios invejáveis nos últimos três anos. Vendeu sua financeira para o Bradesco por 650 milhões de reais e a participação de sua família na fabricante de papel e celulose Ripasa para a Votorantim e a Suzano por 500 milhões de reais. A fortuna foi dividida entre ele, seus dois irmãos e oito primos. Parte dos recursos foi investida em um dos maiores empreendimentos imobiliários em construção no país e o restante está aplicado no mercado financeiro. Nesse caso, mesmo uma família com vocação empresarial como os Zogbi precisa de assessoria. "Gerir dinheiro é muito diferente de administrar empresas, por isso fomos procurar ajuda", diz Osmar Zogbi. Banqueiros, advogados e consultores decidem onde aplicar o dinheiro e resolvem espinhosas questões tributárias e de sucessão.
De onde vem o dinheiro | ||
Ofertas de ações e vendas de empresas no Brasil impulsionam o mercado de fortunas | ||
Tipo de negócio | Movimentação em 2006(1) | Crescimento em 2006(2) |
Vendas de empresas | 65 bilhões de reais | 240% |
Lançamentos de ações | 7 bilhões de reais | 830% |
Conseqüência O fechamento de 70 negócios envolvendo empresas familiares brasileiras neste ano movimentou 72 bilhões de reais e ampliou o mercado das organizações especializadas em gerir fortunas | ||
(1) Até junho (2) Em relação a 2005 Fontes: Bovespa e Thomson Financial |
Essa nova realidade vem agitando o mercado. Antes restrita a algumas instituições estrangeiras, a gestão de fortunas agora é disputada por bancos de varejo, advogados, consultores e escritórios conhecidos como family offices, empresas criadas pelos donos do dinheiro para melhor administrá-lo. Populares nos Estados Unidos, os family offices estão se multiplicando no Brasil. Existem hoje 25 deles em atividade por aqui, e esse número deve dobrar até 2008, impulsionado sobretudo pelo movimento sucessório nas companhias nacionais. Muitas das empresas familiares brasileiras foram fundadas no grande surto de expansão econômica dos anos 70. Três décadas depois, vários fundadores estão se preparando para passar as rédeas do negócio à geração seguinte, algo nem sempre tranqüilo. "Nessa hora surgem disputas e, muitas vezes, é preciso transformar a empresa em dinheiro para dividir o patrimônio mais facilmente entre filhos e netos", diz René Werner, consultor especializado em montar family offices.
Quem é ela Sylvia Coutinho |
Cargo Diretora executiva do private bank do HSBC no Brasil, divisão do banco que atende clientes com patrimônio superior a 1 milhão de dólares |
Clientes atendidos por gerente 30 |
Foi o que fez para os integrantes da família Rossi, donos da construtora Rossi Residencial. Depois de captar 500 milhões de reais ao lançar ações da empresa na bolsa, em fevereiro passado, os Rossi buscaram a assessoria de Werner para estruturar um escritório desse tipo. "Temos de gerir um patrimônio que está dividido entre os nove filhos dos dois fundadores", diz Sérgio Rossi, diretor de relações com investidores da companhia. Os family offices prestam um atendimento privilegiado que seduz os empresários. Providenciam mimos, como deixar secretárias à disposição dos clientes, e também fazem parcerias com bancos, gestores de recursos e escritórios de advocacia. Uma banca que se voltou para esse mercado é a Moreau Advogados, de São Paulo. Pierre Moreau, seu principal sócio, criou em 2005 uma área específica para atender family offices e famílias milionárias que hoje possui 30 clientes.
Negócios milionários |
Veja algumas das maiores transações realizadas no Brasil nos últimos anos que liberaram recursos para ser investidos no mercado financeiro |
Pedro Passos, Luiz Seabra e Guilherme Leal (Natura) |
Origem da fortuna Abriram o capital da Natura lançando ações na bolsa de valores, em maio de 2004 |
Patrimônio financeiro(1) 600 milhões de reais |
Quem administra Family office |
Sérgio Rossi (Rossi Residencial) |
Origem da fortuna Abriu o capital da Rossi Residencial lançando ações na bolsa, em fevereiro de 2006 |
Patrimônio financeiro(1) 500 milhões de reais |
Quem administra Family office |
Osmar Zogbi (Banco Zogbi e Ripasa) |
Origem da fortuna Vendeu o banco Zogbi ao Bradesco e a Ripasa à Votorantim e à Suzano, em novembro de 2004 |
Patrimônio financeiro(1) 450 milhões de reais |
Quem administra Consultores |
Gabriel Mário Rodrigues (Universidade Anhembi Morumbi) |
Origem da fortuna Vendeu 51% das ações da Anhembi Morumbi ao grupo americano Laureate, em dezembro de 2005 |
Patrimônio financeiro(1) 140 milhões de reais |
Quem administra Não informa |
(1) Estimativa do volume de recursos provenientes das empresas e aplicados no mercado financeiro Fonte: empresas |
Os bancos já começam a reagir ao avanço dos family offices. As iniciativas mais aguardadas são as do Itaú e do UBS. Após a compra do BankBoston, o Itaú assumiu a liderança isolada do segmento de private banks no Brasil, com 23 bilhões de reais sob administração, e pretende usar essa escala e conhecimento para atrair mais clientes, diz Fábio Vidigal, executivo responsável por essa área no banco. O suíço UBS, o maior private bank do mundo, pretende aumentar sua ainda tímida participação no mercado brasileiro com a aquisição do Pactual, anunciada no mês passado. "Vamos aproveitar a base de clientes e os produtos do banco para crescer", diz Eduardo Oliveira, responsável pela área de gestão de fortunas do UBS. O cenário promissor também começa a atrair novos concorrentes. O banco Votorantim anunciou recentemente que vai ampliar seu private bank e, por isso, contratou Rogério Santos, executivo que já trabalhou no BankBoston e no Citigroup. A americana Franklin Templeton, que administra 500 bilhões de dólares no mundo e aqui tem apenas uma discreta parceria com o Bradesco desde 1997, decidiu abrir um escritório próprio em São Paulo.
Quem é ele Fábio Vidigal |
Cargo Diretor-gerente do private bank do Itaú, divisão do banco que atende clientes com patrimônio superior a 1 milhão de reais |
Clientes atendidos por gerente 30 |
Conquistar os novos milionários, porém, é só parte do desafio a ser vencido. Outra meta é melhorar a imagem do negócio de administração de fortunas, freqüentemente associado a operações que beiram a ilegalidade. "Esse é um segmento bastante visado pelas autoridades em todo o mundo porque movimenta muito dinhei ro", diz Márcia Klinke, diretora da consultoria KPMG. Em 2004, o Citigroup foi obrigado a fechar seu private bank no Japão. Na época, o governo japonês acusou o banco americano de "facilitar a lavagem de dinheiro dos clientes". Mais recentemente, o acusado foi o Credit Suisse -- e os problemas ocorreram no Brasil. O executivo Peter Schaffner, que estava sendo investigado pela Polícia Federal por suspeita de lavagem de dinheiro, foi preso em março deste ano, quando tentava embarcar para a Suíça. "Situações como essas criam sérios riscos para a reputação dos bancos", diz Márcia, da KPMG.
Quem é ele Pierre Moreau |
Cargo Sócio do escritório Moreau Advogados, que assessora investidores e family officesna gestão de seus patrimônios |
Total de clientes 30 |
A preocupação com a imagem vem tornando os private banks mais cautelosos. A campanha do governo americano contra o terrorismo tem obrigado os bancos a mapear a origem dos recursos que formam as grandes fortunas globais. A regulamentação brasileira também vem avançando. A maior mudança ocorreu em maio, com a publicação do primeiro código de conduta para o mercado de alta renda. Preparado pela Associação Nacional dos Bancos de Investimento, o código criou uma espécie de selo de qualidade para as instituições que seguirem suas normas. "Isso contribui para depurar o mercado e evitar problemas", diz Sylvia Coutinho, do HSBC.