Revista Exame

A indústria de liquidação de bancos é um baita negócio

Por trás de um banco quebrado existe um mercado altamente rentável, com helicópteros em pechincha, salários de 71 000 reais e empregos para familiares e amigos


	Pastinhas: no Cruzeiro do Sul, correspondentes bancários, os “pastinhas”, tentaram repassar a carteira de crédito de seus clientes para outras instituições com o intuito de ganhar comissão
 (Reuters/Ricardo Moraes)

Pastinhas: no Cruzeiro do Sul, correspondentes bancários, os “pastinhas”, tentaram repassar a carteira de crédito de seus clientes para outras instituições com o intuito de ganhar comissão (Reuters/Ricardo Moraes)

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Da Redação

Publicado em 18 de setembro de 2013 às 08h40.

São Paulo - Bancos não quebram em silêncio. Clientes indignados, suspeitas de fraudes, banqueiros atrás das grades — tudo isso faz um barulho danado. Com uma ou outra variação, essa cena se repetiu cinco vezes desde 2011 no Brasil, nas liquidações de bancos como Cruzeiro do Sul, Rural e BVA.

Essas liquidações renderam manchetes, reportagens de fôlego sobre o que levou cada banco à ruína e declarações assertivas de autoridades. Até que um escândalo dá lugar a outro e ninguém se lembra mais do que aconteceu.

É nessa hora — na hora do silêncio — que começa a funcionar uma indústria altamente rentável. É a indústria da liquidação, formada por empresas e executivos que ganham a vida com os bancos quebrados. É um baita negócio. E pouca gente vê.

O mundo da liquidação bancária entrou em evidência após a publicação de uma denúncia feita pela revista Época — que custou o emprego de dois diretores do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), instituição privada que protege depósitos dos correntistas.

O FGC e o responsável pela liquidação do banco Cruzeiro do Sul, Sérgio Prates, contrataram a empresa IMS para auxiliar na auditoria da instituição e na cobrança de clientes — serviço que a IMS já havia realizado em outros bancos em dificuldades, como PanAmericano e Morada. Um dos donos da IMS havia sido sócio de um diretor do FGC, Celso Antunes, em outra empresa.

A revelação do potencial conflito de interesses levou à renúncia de Antunes e José Lattaro, também diretor do FGC (cujo filho era estagiário na IMS). “Não há conflito de interesses, porque deixei a sociedade em dezembro de 2011 e assumi a direto­ria do FGC em janeiro de 2012”, diz An­tunes. Segundo EXAME apurou, a IMS e Prates prestam serviço ao FGC. O Banco Central (BC) está investigando o caso.

Essa é apenas uma faceta de uma indústria que dá lucro para muita gente. Atualmente, existem 12 bancos em liquidação no Brasil — alguns, como Econômico e Nacional, desde os anos 90. Os bancos ficam, em média, até nove anos no limbo, e nesse meio-tempo os mais variados personagens ganham com a intervenção.

A começar pelos executivos contratados para recuperar os créditos e pagar os débitos das instituições — os liquidantes. Escolhidos pelo BC, eles têm carta branca para recrutar quantos assistentes precisarem. No banco BVA, em liquidação desde junho, trabalha uma equi­pe de cerca de 20 pessoas.

Gru­pos numerosos se repetem em outras instituições. A remuneração média dos liquidantes é 25 000 reais. Mas, como em qualquer indústria, existem pontos fora da curva. No Banco Santos, que passou do estágio de liquidação para o de falência em setembro de 2005, o administrador Vânio Aguiar ganha 71 000 reais por mês e emprega sua mulher, segundo os credores. 

Em oito anos no cargo, ele teria acumulado 6 milhões de reais, enquanto imóveis, obras de arte e garrafas de vinho do banco estragam e desvalorizam. Aguiar contesta o valor e diz que sua mulher trabalha para a massa falida porque era funcionária do Santos.


Bancos quebrados também não costumam exigir horários rígidos de trabalho. O expediente, em alguns casos, vai das 11 às 18 horas. “Tiro um dia por semana para resolver questões pessoais, como ir ao médico e ficar com minha namorada”, diz João Batista Camargo, responsável pela massa falida do Banco Brasileiro Comercial (BBC), liquidado em 1998.

Hospedagens e passagens aéreas são pagas pelo banco quebrado. Quando faltam recursos, sobra para o Erário.

Mas o trabalho traz resultados? Uma das funções do liquidante é colocar à venda os bens da instituição para arrecadar o máximo de recursos. É comum leiloar carros, helicópteros e imóveis. Atento a essas oportunidades, o advogado Otto Steiner arrematou num leilão do banco Cruzeiro do Sul em outubro do ano passado uma Mercedes-Benz que pertencia aos ex-controladores.

Naquela época, Steiner era advogado do FGC e do próprio Cruzeiro do Sul. Segundo EXAME apurou, em 27 de março deste ano o mesmo advogado comprou por 1 milhão de reais dois imóveis em Canajurê, Florianópolis, Santa Catarina. O valor desembolsado por Steiner equivale a quase metade do preço do metro quadrado da região, tomando como base dados da Fipe.

Os imóveis haviam sido dados como garantia de um empréstimo feito por um cliente de Steiner ao banco Matone, vendido ao Banco Original, do grupo JBS, em junho de 2011. O FGC financiou essa aquisição de 2  bilhões de reais. “Não há conflito de interesses, porque não participei da venda do Matone”, diz Steiner.

A EXAME, o advogado havia dito que um de seus filhos trabalha como estagiário no Original, mas dias depois voltou atrás e pediu para corrigir a informação.

A amigos, Luis ­Octavio Indio da Costa, ex-dono do Cruzeiro do Sul, tem reclamado dos leilões dos helicópteros do banco, que foram vendidos, segundo ele, pela metade de seu valor, e até de seu jogo de pratos de jantar, que, de acordo com ele, valeria 30 000 reais e sumiu. Ele não quis dar entrevista.

Os leilões são extremamente rentáveis — sobretudo para os leiloeiros. Em abril, o banco Pan­Americano, controlado pelo BTG Pactual, comprou por 351 milhões de reais a carteira de crédito consignado do Cruzeiro do Sul. O lance mínimo era de 350 milhões de reais. A empresa de leilões Zukerman ganhou uma comissão de 5%.

Escândalos envolvendo ban­cos liquidados não são novidade no Brasil. Um dos casos mais notórios foi o do Bamerindus, que tombou em 1998. Duas cartas anônimas enviadas ao BC relataram que o liquidante Flávio de Souza Siqueira trabalhava dois dias por semana e aceitava bens superavaliados como pagamento de dívidas.

Informações levantadas pela CPI do Proer mostraram que o patrimônio de Siqueira mais que triplicou no período da liquidação.

O Banco Central diz que faz sua parte. “Houve outros casos em que o BC afastou o liquidante e comunicou indícios de crime ao Ministério Público. Fizemos isso, por exemplo, durante a liquidação dos bancos Bamerindus, Econômico e Interunion. Mas não entrarei em detalhes, tendo em vista o direito à intimidade e à imagem da pessoa envolvida”, diz Isaac Sidney Menezes Ferreira, procurador-geral do BC.

Processos judiciais, como se sabe, podem durar décadas no Brasil. Liquidações, para a alegria de muita gente, também.

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