Revista Exame

Advogados enriquecem com os tribunais de arbitragem

Mais empresas fogem da Justiça e buscam os tribunais de arbitragem para resolver seus conflitos — o que tem enriquecido advogados especializados

Hermes Marcelo Huck, do Lila, Huck, Otranto, Camargo Advogados (Germano Lüders/EXAME)

Hermes Marcelo Huck, do Lila, Huck, Otranto, Camargo Advogados (Germano Lüders/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 17 de julho de 2014 às 10h54.

São Paulo - Os advogados costumam dizer que a Justiça brasileira está ficando cada vez mais parecida com o sistema de saúde do país. A Justiça comum equivaleria ao Sistema Único de Saúde (SUS): é acessível a todos, mas o atendimento demora e nem sempre funciona.

Enquanto o povão fica brigando em varas disso e daquilo, as grandes empresas fazem de tudo para fugir da lentidão do Judiciário — e, ficando no paralelo com a saúde, migram para o sistema “privado”, os tribunais de arbitragem, especializados em resolver conflitos empresariais.

Eles custam caro e, com raras exceções, são acessíveis apenas às grandes companhias, mas a chance de conseguir uma solução rápida e eficaz ali é muito maior. Naturalmente, a procura pelos tribunais de arbitragem cresce a cada ano e, com isso, a demanda por advogados que saibam atuar nesse regime especial.

A má notícia para a clientela — e ótima para os advogados — é que eles são pouquíssimos. Hoje, estima-se que metade dos principais processos — em que há quase 16 bilhões de reais em disputa — esteja nas mãos de um grupo de 15 advogados. Eles formam uma elite da profissão no país. 

Nesses tribunais, os conflitos são resolvidos por árbitros — eles são, em sua maioria, advogados, mas também há administradores e engenheiros que estudaram economia e têm experiência em resolver conflitos empresariais. Cada julgamento precisa de três árbitros.

Dois deles são escolhidos pelas companhias que estão envolvidas na briga. De comum acordo, eles escolhem quem vai presidir as sessões. Todos eles são pagos pelas empresas. Os principais árbitros do país recebem de 200 000 a 500 000 reais por processo  e podem analisar dezenas ao mesmo tempo.

“Optei por não advogar mais. Só trabalho como árbitro, porque compensa financeiramente e me dá chance de discutir teses jurídicas complexas”, diz José Emílio Nunes Pinto, um dos autores da Lei de Arbitragem brasileira, que, segundo estimativas de mercado, toca 30 processos atualmente.

Um deles é uma disputa entre a petroquímica Braskem e a multinacional alemã Lanxess, que comprou fábricas da Braskem em 2007, segundo apurou EXAME. Os alemães alegam que as fábricas estavam em condições precárias e pedem uma indenização de cerca de 50 milhões de reais.

Outro advogado bastante requisitado é o paulistano Hermes Marcelo Huck, que atua em 20 disputas, entre elas a do grupo Silvio Santos contra o banco BTG Pactual­ em questões envolvendo a compra do banco PanAmericano.

“Uma vantagem da arbitragem para as empresas é que quem analisa as disputas entende de negócios e conhece o que está em jogo. Não é um juiz sorteado na bolinha”, diz Huck, professor da Universidade de São Paulo e pai do apresentador Luciano Huck. 

Além dos árbitros, as empresas precisam contratar advogados para representá-las nos tribunais de arbitragem — e também se formou um grupinho especializado nesses processos. Um dos profissionais mais procurados é o carioca Marcelo Ferro, professor da Pontifícia Universidade Católica e da Fundação Getulio Vargas.

Ele foi um dos contratados pelo empresário Abilio Diniz na briga contra o grupo francês de varejo Cassino em 2012 (que terminou com um acordo entre as partes) e tem, entre outros clientes, a família Odebrecht e Benjamin Steinbruch, presidente da siderúrgica CSN. Hoje, é advogado em 25 processos de arbitragem.

Num deles, defende o consórcio Via Amarela, responsável pela construção de linhas de metrô em São Paulo, numa disputa de 500 milhões de reais contra o governo do estado: o consórcio diz que o prazo do contrato foi alterado, o que aumentou seus custos adicionais, e, por isso, quer receber mais pela obra.

Ferro cobra, segundo estimativas de mercado, cerca de 2 000 reais por hora pelos serviços, um dos maiores valores do mercado (ele não fala sobre salário). Ele abriu um escritório especializado em litígios em 2005, com quatro funcionários. Hoje, são 36, no Rio de Janeiro e em São Paulo. “É uma comunidade restrita no mundo todo. Por isso, a procura é grande”, diz. 

Em tese, qualquer profissional pode se tornar árbitro. Basta ser indicado por alguma empresa ou ser recomendado por entidades responsáveis por organizar esses tribunais (as principais são a Câmara de Comércio Internacional, em Paris, a Câmara de Comércio Brasil-Canadá e as câmaras de conciliação da Ciesp-Fiesp e da Fundação Getulio Vargas). Mas, na prática, esse mercado funciona na base da indicação.

As empresas costumam procurar profissionais que já atuaram, com sucesso, em grandes brigas empresariais. Para quem está fora do circuito, um jeito de tentar entrar é ir a alguns dos vários eventos que os comitês internacionais de arbitragem promovem todos os anos.

O último aconteceu em Miami e reuniu 1 000 advogados (100 brasileiros) para uma conferência sobre “mitos, desafios e realidade” da arbitragem. Segundo alguns dos presentes, as palestras foram dispensáveis, mas os jantares e os roteiros turísticos oferecidos pelos próprios organizadores do evento e patrocinados pelas câmaras ajudaram a “fazer contatos”.

No evento de 2010, que aconteceu no Rio de Janeiro, Marcelo Ferro convidou cerca de 100 colegas para assistir a um show da cantora e violonista Wanda de Sá em sua casa.  

Desde que a Lei de Arbitragem foi aprovada no Brasil, em 1996, o número de casos analisados por esses tribunais só aumenta: passou de 21, em 2005, para 188, segundo um levantamento da advogada Selma Ferreira Lemes, professora da Fundação Getulio Vargas e da PUC de São Paulo. As decisões levam, em média, dois anos — na Justiça comum, o prazo é de oito anos.

“Um juiz dá cerca de 300 sentenças por mês, enquanto um árbitro analisa 20 processos por ano. Ou seja, tem muito mais tempo para se dedicar”, diz Selma. Ainda que a procura pela arbitragem tenha aumentado, nem sempre as empresas aceitam as decisões que contrariam seus interesses.

Em janeiro de 2013, a mineradora Paranapanema entrou com um pedido no Tribunal de Justiça de São Paulo para anular uma decisão. A empresa afirmou não ter conseguido indicar um árbitro para o processo e, por isso, teria sido prejudicada no julgamento que a condenou a pagar cerca de 400 milhões de reais aos bancos BTG Pactual e Santander.

O juiz que analisou o caso concordou com ela e suspendeu a decisão. A maior disputa societária em curso no país, que deveria ser resolvida num tribunal de arbitragem, também foi parar na Justiça. As famílias Ode­brecht e Gradin, que eram sócias até 2010, não conseguem chegar a um acordo sobre o valor da participação dos Gradin no grupo Odebrecht.

Os Gradin solicitaram a instauração de um processo de arbitragem, enquanto os Odebrecht querem resolver o impasse na Justiça. Cabe ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir. “O STJ tem sido favorável às decisões de arbitragem no país. Com o tempo, as empresas devem passar a questionar menos esses julgamentos”, diz Luiz Olavo Baptista, árbitro em 14 processos atualmente.

Outro problema que, segundo os profissionais ouvidos por EXAME, precisa ser resolvido são os conflitos de interesse entre árbitros e advogados. É comum que advogados de empresas sugiram a contratação de um árbitro com quem têm uma boa relação.

Isso acontece no mundo todo, mas, nos países desenvolvidos, as indicações são analisadas por um comitê que avalia previamente quais são os riscos de haver uma decisão parcial — o comitê costuma vetar, por exemplo, profissionais que querem ser árbitro em processos envolvendo companhias para as quais já trabalharam como advogado.

No Brasil, isso não existe: cabe às empresas ver se há potenciais conflitos de interesse e, às vezes, isso só acontece durante o julgamento. Foi o caso da disputa entre o ex-banqueiro Daniel Dantas e os acionistas da Valepar, dona da mineradora Vale. Em 2010, um tribunal de arbitragem decidiu que Dantas tinha direito a comprar 37,5 milhões de ações da Valepar.

Os acionistas Bradespar, empresa do banco Bradesco, e Litel, que reúne fundos de pensão, pediram à Justiça que a decisão fosse anulada porque um dos árbitros, o ex-ministro Francisco Rezek, havia sido advogado de Dantas em 2007.

Naquela época, Rezek disse que havia informado isso ao tribunal e que foi aceito como árbitro pelas partes apesar disso. O processo de arbitragem foi suspenso enquanto o SUS — ou melhor, o Judiciário — decide o que fazer.

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