Os criadores do Baile da Arara, Malu Barretto e Pedro Igor Alcântara: expectativa pela volta do Carnaval carioca na Sapucaí (Divulgação/Divulgação)
Há 103 anos, em 1919, o Rio de Janeiro testemunhava um dos mais inesquecíveis carnavais de todos os tempos. Naquele ano, os carros alegóricos gigantescos e adornados dos desfiles das escolas de samba ainda estavam longe de existir, mas não era necessário algo nessa escala para que as pessoas quisessem muito viver a festa. O motivo: a gripe espanhola havia chegado ao Brasil no ano anterior e a cidade finalmente estava superando a doença que matou cerca de 15.000 cariocas na então capital do país. O Carnaval era a chance de sentir, pelo menos naquele momento, que o pior estava passando e que era tempo de celebrar a vida.
A força do coronavírus não é comparável à da pandemia da gripe espanhola, tampouco a volta às ruas e avenidas para pular o Carnaval neste ano será como no apoteótico ano de 1919. Mas em abril, no feriado de Tiradentes, a alegria deverá ganhar ritmo e melodia na Marquês de Sapucaí novamente. Com a garantia de que a prefeitura do Rio quer a festa, ainda que outros estados a tenham cancelado, os organizadores do já tradicional Baile da Arara e do Arara na Avenida, Malu Barretto e Pedro Igor Alcântara, sócios da agência cultural Arara Inc, estão ansiosos pela sexta edição do evento. O Arara hoje é um reduto de figuras conhecidas do público, com uma lista só para os extremamente VIPs — para um grupo de foliões, fazer parte do grupo passou a ser até mais importante do que a festa em si.
Neste ano, o espaço exclusivo do Arara na Avenida contará com uma grande frisa e três andares com vista para os desfiles do Grupo Especial das escolas de samba. Pretinho da Serrinha, ícone do samba carioca, é o cicerone de todas as três noites e, junto com sua banda, recebe nomes como Teresa Cristina, Leci Brandão, Mart’nália, Roberta Sá, Xande de Pilares, além de DJs convidados. O bufê será assinado por Alex Atala, que pela segunda vez levará sua alta gastronomia aos convidados do Arara. Em edições anteriores, Caetano Veloso deu uma palhinha no baile. A atriz Deborah Secco já foi a musa do evento. Reynaldo Gianecchini, Mariana Ximenes, Camila Pitanga e Alinne Moraes também esbanjaram seus talentos entoando sambas e marchinhas. Certamente não faltarão momentos memoráveis de igual singularidade na edição deste ano.
Para estar entre essa seleta lista de foliões é preciso desembolsar, em média, 3.500 reais. Só o interesse não garante a participação, pois as 1.200 vagas disponíveis são disputadíssimas e têm por trás um propósito — por sinal, bastante nobre. O Arara, mais do que uma festa, funciona como uma ferramenta de filantropia, impulsionada pela influência de Malu e Pedro, com um trabalho social nas comunidades carentes do Rio de Janeiro. Uma das ações sociais acontece na Fundação Spectaculu, tocada pelo marido de Malu, o artista plástico Vik Muniz, e o também artista plástico Gringo Cardia, que oferece formação na indústria do entretenimento para jovens moradores de áreas de vulnerabilidade econômica.
“Este ano será simbólico. Estamos muito felizes por ter a chance de realizar tudo com mais segurança. O clima do Carnaval é o oposto de tudo que estamos vivendo agora e me arrisco a dizer que será o Carnaval do século para muita gente”, afirma Malu. Para ela, o momento também marca a volta do setor cultural, que esteve paralisado nos últimos anos. “Na retomada dos contatos com as marcas e patrocinadores já sentimos que todos estão ansiosos para participar. Temos apoio da Ambev, Diageo e Enphase, em um evento que deve empregar 450 pessoas.”
Além da festividade, tanto o baile quanto o camarote embarcam na sustentabilidade, na intenção de diminuir a pegada de carbono do evento. A iluminação contará com energia solar de painéis e baterias fornecidos pela empresa americana recém-chegada ao Brasil Enphase Energy, eliminando o uso de diesel, do qual depende quase todo o Carnaval com seus geradores fumacentos. Entre outras medidas ecológicas, copos e pratos biodegradáveis e decoração isenta de elementos de origem animal, como penas ou plumas. “Os abadás serão em algodão, mais duráveis e menos poluentes, com assinatura da Osklen, e prometem funcionar mais uma vez como um item de recordação estiloso”, conta Pedro, que brinca: “A pandemia vai passar, mas o Carnaval não tem fim”.