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O Capitalismo do futuro: menos desigual e mais sustentável

A pandemia reforçou a necessidade de construção de uma economia diferente da tradicional lógica capitalista. Um exemplo está na Califórnia

Protesto contra as mudanças climáticas: os Estados Unidos voltaram a aderir aos esforços contra o aquecimento global (Alejo Manuel Avila/Reuters)

Protesto contra as mudanças climáticas: os Estados Unidos voltaram a aderir aos esforços contra o aquecimento global (Alejo Manuel Avila/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 29 de abril de 2021 às 05h11.

Última atualização em 29 de abril de 2021 às 08h41.

Mesmo antes de a pandemia devastar os Estados Unidos e a economia global, a confiança no capitalismo já vinha implodindo no mundo todo, especialmente entre os mais jovens. Em 2019, quando o desemprego ainda era baixo e os salários subiam, 56% dos entrevistados da pesquisa global Barômetro de Confiança Edelman acreditavam que “o capitalismo como é hoje faz mais mal do que bem”. Nos Estados Unidos, especificamente, só 51% dos jovens adultos em uma pesquisa da consultoria Gallup daquele ano davam ao capitalismo uma avaliação “positiva”, enquanto 49% aprovavam o socialismo.

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A crescente desconfiança em relação ao capitalismo vem de seu fracasso em lidar com os principais desafios socioeconômicos, entre eles o aquecimento global e as desigualdades de oportunidade, renda e riqueza. Embora os incentivos privados sob o capitalismo sejam bons para estimular a eficiência, o crescimento e a inovação, eles também geram uma distribuição de renda e de riqueza desigual (mesmo em um contexto de intensa competição), muitas vezes em desacordo com os parâmetros de justiça social. Além disso, os sistemas capitalistas tendem a subinvestir em bens públicos como educação, saúde e segurança social — todos fatores críticos na resposta à pandemia —, ao mesmo tempo que desconsideram os fatores externos negativos, como as emissões de gases de efeito estufa.

Essas deficiências do capitalismo são previsíveis, mas são também remediáveis por meio de políticas e instituições públicas. Políticas tributárias e de transferência, além de salários mínimos, podem reduzir as disparidades de renda e de riqueza, assim como o investimento público em educação, a capacitação profissional e a saúde podem aumentar as oportunidades, ao permitir o acesso a bons empregos e estimular a criação de novas empresas e iniciativas. Do mesmo modo, definir um preço para o dióxido de carbono e estabelecer regras que limitem ou proíbam as emissões de carbono podem ajudar o planeta a lidar com a ameaça existencial que as mudanças climáticas representam.

Críticos do capitalismo geralmente deixam de perceber (ou preferem ignorar) que não existe um modelo único universalmente reconhecido. Os vários modelos de “mercado social” da Europa se distinguem de modo significativo da variante neoliberal americana. E, mesmo nos Estados Unidos, há diferenças importantes entre estados e municípios.

Algumas dessas distinções têm se destacado nas respostas à pandemia e à recessão causada pela covid-19. Todas as economias avançadas implantaram níveis inéditos de incentivos fiscais e monetários diante das recessões “em forma de K” ou “duplas”, nas quais trabalhadores com salários menores sofrem de modo muito mais desproporcional do que outros grupos.

Ao contrário dos Estados Unidos, a Alemanha e vários outros países europeus implementaram medidas projetadas especificamente para manter tantos trabalhadores empregados quanto possível. Como esses países têm generosos seguros e benefícios sociais, entre eles licença médica e licença familiar, os trabalhadores e suas famílias conseguiram lidar tanto com a covid-19 quanto com as quedas súbitas em seus rendimentos.

As diferenças nos modelos nacionais de serviços de saúde também vêm se tornando mais aparentes. Ao contrário dos sistemas capitalistas europeus, que fornecem cobertura universal, 14,5% da população americana não idosa (entre 18 e 64 anos) permanece sem cobertura médica. Não só isso. Devido à enorme dependência dos planos de saúde oferecidos pelas empresas nos Estados Unidos, a pandemia empurrou pelo menos 15 milhões a mais de trabalhadores temporariamente para o grupo dos sem-convênio.

Com seus sistemas de saúde pública robustos, muitos países europeus também estavam mais capacitados para realizar testes em grande escala. Os Estados Unidos, enquanto isso, fracassaram completamente na contenção do vírus antes da vacinação e agora estão delegando a campanha a autoridades locais e estaduais­ com poucos recursos.

Em outro contraste com os Estados Unidos, a Europa dedicou cerca de um terço de seu enorme programa de incentivos a investimentos com sua meta de obter neutralidade­ de carbono até a metade deste século. As medidas de estímulos federais americanas silenciaram na questão climática, com poucas condições de qualquer tipo.

Wall Street: as deficiências do capitalismo são remediáveis (Erik McGregor/Getty Images)

Dentro dos Estados Unidos, as respostas individuais dos estados à crise da covid-19 refletem formas diferentes do capitalismo. Na Califórnia, a recente proposta de orçamento para o período 2021-2022 do governador ­Gavin Newsom revela alguns traços distintos. Em termos de cobertura de saúde, a Califórnia continua a ser uma liderança nacional, com um programa que atende mais de 13 milhões de pessoas.

Apesar da recessão induzida pela pandemia, o estado aumentou seu salário mínimo para 14 dólares por hora em 2021 e está a caminho de cumprir a meta de 15 dólares por hora em 2022 para todas as empresas que empregam 26 ou mais trabalhadores. Muitas cidades, como Los Angeles e São Francisco, já alcançaram ou ultrapassaram a meta de 15 dólares. (Em 1o de janeiro de 2021, 20 outros estados também aumentaram os salários mínimos, enquanto o salário mínimo federal dos Estados Unidos permanece inalterado em 7,25 dólares por hora desde 2009.)

A Califórnia também ampliou a cobertura de seus créditos de imposto sobre rendimentos de trabalho (EITC, na sigla original em inglês) e créditos por filhos pequenos para incluir trabalhadores sem documentação que, de outro modo, não teriam direito aos benefícios dos pacotes de estímulo federais.

Juntos, esses créditos fiscais beneficiaram 3,6 milhões de lares da Califórnia em 2020, somando 1 bilhão de dólares à renda total. O estado também aprovou uma nova lei que ampliou significativamente o direito à licença-família não remunerada. Agora empregadores com pelo menos cinco funcionários devem oferecer essa modalidade, além de mais tempo de licença médica remunerada para trabalhadores forçados a se isolar ou colocados em quarentena como resultado de exposição ou diagnóstico de covid-19.

Pensando mais à frente, o governador ­Newsom propôs um pagamento único adicional de 600 dólares a todos os contribuintes elegíveis para o EITC estadual em 2021. Sua proposta de orçamento 2021-2022 também destina 372 milhões de dólares para acelerar a distribuição de vacinas de covid-19 e inclui 4,5 bilhões de dólares para programas que impulsionem o crescimento econômico e a criação de empregos. Esses programas incluem 575 milhões de dólares em concessões para pequenas empresas e organizações sem fins lucrativos, além dos 500 milhões de dólares fornecidos no final de 2020, em meio aos fechamentos forçados de empresas.

A proposta também aloca 50 milhões de dólares a mais para o Fundo de Reconstrução da Califórnia, parceria público-privada para viabilizar empréstimos a juros baixos para pequenas empresas carentes em todo o estado em um valor total de até 125 milhões de dólares.

A abordagem distinta da Califórnia ao capitalismo de mercado também enfatiza a sustentabilidade climática, usando preços de carbono e parâmetros de eficiência para cumprir metas ambiciosas de descarbonização. Segundo uma lei estadual de 2018, até 2030 60% da energia deverá vir de recursos renováveis, e 100% até 2045. A Califórnia administra o quarto maior sistema de limitação e comércio de carbono do mundo (cap-and-trade system, no original em inglês), e estabelecerá limites ainda mais baixos.

Em setembro de 2020, Gavin Newsom anunciou uma ordem executiva exigindo que os automóveis com emissão zero respondam por 100% das vendas de carros novos até 2035. Sua proposta orçamentária pede 1,5 bilhão de dólares para acelerar o investimento em infraestrutura necessário para atingir essa meta.

O presidente eleito Joe Biden anunciou recentemente um plano de resgate de emergência de 1,9 trilhão de dólares para conter os prejuízos da pandemia e proporcionar um alívio significativo aos trabalhadores, às famílias, às pequenas empresas e aos governos estaduais e municipais. A aprovação rápida desse plano pelo Congresso em março foi um primeiro passo crucial na renovação da versão neoliberal e antiquada do capitalismo.

À medida que a economia se recupera da recessão profunda e desigual provocada pela covid-19, os Estados Unidos devem “se reconstruir melhor”, fortalecendo a rede de assistência social, ampliando o investimento público em educação, saúde e outros bens públicos e voltando a aderir aos esforços globais contra as mudanças climáticas. 

(Arte/Exame)

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