A economista indiana Gita Gopinath: primeira mulher a ocupar o cargo de economista-chefe do FMI (Jason Alden/Bloomberg/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 30 de junho de 2022 às 06h00.
Última atualização em 30 de junho de 2022 às 15h10.
No início de sua carreira, o economista Joseph E. Stiglitz teve uma prolongada estada no Quênia, onde foi surpreendido por várias coisas estranhas no funcionamento da economia local. A parceria nas colheitas era uma dessas anomalias. Se os agricultores eram obrigados a entregar metade de sua colheita aos proprietários, perguntou-se Stiglitz, isso não seria um grande incentivo fiscal e, portanto, reduziria a eficiência? Por que esse sistema persistiu?
A saga de Stiglitz para resolver esse paradoxo levou-o a desenvolver suas teorias seminais sobre informação assimétrica, pelas quais ele mais tarde receberia o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas. “O tempo que passei no Quênia”, relembrou ele, “foi fundamental para o desenvolvimento de minhas ideias sobre a economia da informação.”
Da mesma forma, o economista Albert O. Hirschman estava na Nigéria quando observou um comportamento que considerou intrigante. A companhia ferroviária, há muito um monopólio público, começou a sofrer a concorrência de caminhoneiros privados. Mas, em vez de responder a essa pressão enfrentando suas muitas e flagrantes ineficiências, a empresa simplesmente se deteriorou ainda mais. A perda de consumidores, raciocinou Hirschman, negou à empresa estatal um feedback valioso. Essa observação sobre o transporte ferroviário na Nigéria foi a semente que se transformou em seu livro extraordinariamente influente, Exit, Voice, and Loyalty (Saída, Voz e Lealdade). (Hirschman também merecia o Prêmio Nobel, mas nunca o recebeu.)
Essas histórias atestam o valor da capacidade de ver o mundo em toda a sua variedade. As ciências sociais são enriquecidas quando a sabedoria recebida é confrontada com comportamentos ou resultados “anômalos” em ambientes desconhecidos e quando a diversidade das circunstâncias locais é completamente levada em consideração.
Essa observação deveria ser incontroversa. No entanto, ninguém saberia disso pela maneira como a disciplina de economia é organizada. As principais revistas de economia são compostas predominantemente de autores de alguns países ricos. Os guardiões da profissão provêm de instituições acadêmicas e de pesquisa nesses mesmos países. A ausência de vozes baseadas no resto do mundo não apenas é uma desigualdade como também empobrece a disciplina.
Quando recentemente assumi a função de presidente da Associação Econômica Internacional, procurei dados sobre a diversidade geográfica dos colaboradores de publicações de economia, mas descobri que as evidências abrangentes e sistemáticas eram surpreendentemente escassas. Felizmente, os dados coletados recentemente por Magda Fontana e Paolo Racca, da Universidade de Torino, e Fabio Montobbio, da Universidade Católica do Sagrado Coração, em Milão, fornecem algumas impressionantes descobertas iniciais.
Como eu suspeitava, seus dados mostram uma extrema concentração geográfica de autoria nos principais periódicos econômicos. Quase 90% dos autores das oito principais revistas estão sediados nos Estados Unidos e na Europa Ocidental. Além disso, a situação parece semelhante em relação à participação no conselho editorial dessas publicações. Dado que esses países ricos representam apenas cerca de um terço do PIB global, a extrema concentração não pode ser explicada totalmente por recursos inadequados ou menos investimento em educação e treinamento no restante do mundo — embora esses fatores certamente devam desempenhar algum papel.
Na verdade, alguns países que fizeram grandes avanços econômicos nos últimos anos, contudo, continuam a ser gravemente sub-representados nas principais revistas. O Leste Asiático é responsável por quase um terço da produção econômica global, mas os economistas da região contribuem com menos de 5% dos artigos nas principais publicações. Da mesma forma, as participações dos periódicos do Sul da Ásia e da África Subsaariana são mínimas e significativamente menores do que o já pequeno peso dessas regiões em toda a economia mundial.
Além dos recursos e do treinamento, o acesso às redes é fundamental para a geração e a difusão do conhecimento. Para ser levada a sério, uma pesquisa depende fundamentalmente de os autores terem frequentado as escolas certas, conhecido as pessoas certas e viajado no circuito certo de conferências. Em economia, as redes relevantes baseiam-se predominantemente na América do Norte e na Europa Ocidental.
Nesse aspecto, a objeção previsível é que muitos dos principais economistas de hoje são dos próprios países em desenvolvimento. É verdade que, de certa forma, a economia se tornou mais internacional. O número de pesquisadores nascidos no exterior nos principais departamentos de economia e redes de pesquisa da América do Norte e da Europa Ocidental tem aumentado. Na condição de estudante da Turquia que chegou aos Estados Unidos aos 18 anos, eu certamente me beneficiei dessas redes.
Pesquisadores em economias avançadas também têm prestado mais atenção aos países em desenvolvimento, refletindo o fato de que a economia do desenvolvimento se tornou um campo muito mais proeminente dentro da disciplina. No programa de mestrado em economia do desenvolvimento que conduzo na Universidade Harvard, por exemplo, apenas uma minoria dos membros do corpo docente é dos Estados Unidos. Os demais são do Peru, da Venezuela, do Paquistão, da Índia, da Turquia, da África do Sul e de Camarões.
Mas nenhum desses desenvolvimentos positivos poderá substituir totalmente o conhecimento e a percepção locais. Economistas nascidos no exterior, no Ocidente, são normalmente absorvidos por um ambiente intelectual dominado por questões e preocupações dos países ricos. A exposição do economista visitante a diversas realidades locais permanece limitada ao acaso e à coincidência, como nas histórias de Stiglitz e Hirschman. Vamos pensar em todas as ideias importantes que permanecem desconhecidas porque os pesquisadores da periferia acadêmica não têm um público receptivo.
A economia está atualmente passando por um período de autoexame no que diz respeito a diversas questões, como desequilíbrios raciais e de gênero. Muitas novas iniciativas estão em andamento na América do Norte e na Europa Ocidental para abordar de frente esses problemas. Mas o fato é que a diversidade geográfica dos profissionais da disciplina permanece amplamente ausente dessa discussão. A economia não será uma disciplina verdadeiramente global até que também tenhamos abordado esse déficit.