Revista Exame

Pokémon Go é muito mais que uma brincadeira

O jogo Pokémon Go é a ponta mais visível da realidade aumentada, uma nova onda tecnológica que promete revolucionar o setor de serviços e também a indústria.

Caçada a pokémons em Hong Kong: o jogo de smartphone de maior sucesso da história (Germano Luders/Exame)

Caçada a pokémons em Hong Kong: o jogo de smartphone de maior sucesso da história (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 26 de setembro de 2016 às 14h25.

Nova York — Para alguns, a espera foi agonizante. Enquanto o resto do mundo estava caçando Pokémons nas ruas de Tóquio, Nova York, Londres e Sydney, os brasileiros enchiam as redes sociais — e as caixas de e-mail da produtora do jogo, a americana Niantic Labs — com reclamações e indignação. Foram longas semanas de expectativa, mas no dia 3 de agosto o Pokémon Go chegou ao Brasil.

O jogo é provavelmente o aplicativo de celular mais comentado de todos os tempos e certamente o jogo de maior sucesso já criado para smart­phones. No mundo inteiro, mais de 100 milhões de jogadores baixaram o app em um mês, segundo as estimativas da empresa de pesquisa de mercado App Annie.

Os personagens do Pokémon são um sucesso entre crianças e jovens desde que a empresa japonesa Nintendo lançou o primeiro game nos anos 90. Mas nada se compara ao que tem acontecido nas últimas semanas. As ações da Nintendo, que não teve nada a ver com a criação da nova versão do jogo e é somente dona dos personagens, dispararam na Bolsa de Valores de Tóquio.

Mesmo depois de uma correção natural, ainda valem 50% mais do que no dia da estreia mundial do Pokémon Go, em 6 de julho.

A atual febre dos Pokémons nas telas dos smartphones, cujo símbolo é o amarelinho Pikachu, pode ser considerada o marco inicial de uma nova tecnologia que terá implicações profundas para as empresas e para o dia a dia das pessoas (mesmo os não caçadores). Estamos testemunhando o início da era da realidade aumentada.

Pokémons por toda parte

Se você estava escondido numa caverna no último mês ou acabou de voltar de uma viagem interplanetária, segue uma breve explicação do que é o Pokémon Go. O objetivo dos jogadores é capturar Pokémons, criaturas virtuais mágicas que estão espalhadas pelo mundo real.

O aplicativo, disponível para iPhone e smartphones Android, leva os jogadores aos lugares onde os Pokémons estão escondidos e também aos Pokéstops, pontos onde são distribuídos diversos tipos de itens colecionáveis. O que faz do Pokémon Go um jogo único e inovador é o uso do mundo real como cenário — o aplicativo usa o GPS do celular para orientar a caça dos jogadores — e o uso da realidade aumentada.

Caminhando pela avenida Paulista ou pela orla de Salvador, e olhando para a tela do telefone, os Pokémons aparecem na calçada ou na areia da praia. A ilusão é que os bichinhos estão realmente na rua — daí o nome realidade aumentada. Essa é a diferença fundamental entre a realidade aumentada (AR, na sigla em inglês) e a realidade virtual (VR), uma tecnologia similar e bem mais conhecida e badalada.

Com a VR, o usuário fica completamente alheio ao ambiente e é transportado para outro lugar; com a AR, tudo o que está à sua volta é enriquecido pelo mundo digital. Pontos turísticos são acompanhados por descrições, paredes brancas viram monitores de computador, para-brisas de carro pintam nas ruas o caminho que você deve seguir.

Todos os gigantes da tecnologia — Facebook, a maior rede social do mundo, Google, o maior buscador da internet, Microsoft, uma das grandes do setor de software, e Apple, dona do iPhone, o produto eletrônico de maior sucesso de todos os tempos — estão investindo na ideia. Uma única startup de AR, a americana Magic Leap, já levantou 1,4 bilhão de dólares em investimentos de risco.

Em fevereiro, o banco americano Goldman Sachs estimou que o mercado de software e hardware das duas tecnologias — AR e VR — deverá movimentar 80 bilhões de dólares em 2025. Na opinião dos analistas do banco, ambas poderão se tornar plataformas tecnológicas tão relevantes quanto os computadores de mesa e os smartphones são hoje.

A explicação é que as duas representam uma maneira nova e mais intuitiva de interação com os computadores. Realidade virtual e realidade aumentada são duas tecnologias primas, mas é a primeira que tem recebido mais atenção.

Os óculos desenvolvidos por empresas como Facebook e Samsung são a grande novidade no mundo dos games, mas a realidade aumentada é a tecnologia que desperta mais interesse nas empresas. Há alguns anos, a montadora alemã BMW produziu um vídeo que ficou famoso. Usando óculos especiais, um mecânico fazia reparos com o auxílio de imagens virtuais sobrepostas ao motor do veículo.

O vídeo era apenas uma ilustração. Os óculos eram esportivos, e a tecnologia na época não era avançada o suficiente para realizar o que estava sendo mostrado. No começo de agosto, a Microsoft anunciou o início das vendas de seus óculos de rea­lidade aumentada, o HoloLens — um produto que existe e funciona. Os primeiros compradores são os desenvolvedores.

Como acontece com PCs e smartphones, o sucesso do hardware depende de programas e ideias de terceiros. A Microsoft também tem um programa piloto com o Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa. Usando óculos especiais, os cientistas estão desenvolvendo a próxima geração do veículo usado na exploração de Marte.

O design feito no computador pode ser visto holograficamente e em tamanho natural e por mais de uma pessoa ao mesmo tempo. A montadora Volvo, outra parceira no design do HoloLens, usa a realidade aumentada no design dos sensores usados nos carros e também vislumbra o dia em que a tecnologia permitirá aos consumidores interagir com um carro holográfico numa concessionária, por exemplo.

É provável que os carros sejam responsáveis pela introdução da realidade aumentada na vida das pessoas — desconsiderando os Pokémons, é claro. “Uma das principais apostas da indústria automobilística é a navegação com a realidade aumentada”, diz Dominique Bonte, diretor executivo e vice-presidente da empresa de pesquisas americana ABI Research.

“Em vez de uma tela e comandos de voz, a rua ou a estrada estarão iluminadas com o caminho que o motorista deve seguir.” No futuro, as aplicações podem ser ainda mais sofisticadas, segundo Bonte. “Imagine buracos ou pedestres sendo ressaltados em cores especiais. Ou então ser capaz de enxergar através de um caminhão que bloqueia sua visão.

A experiência de dirigir será muito mais segura.” Segundo as estimativas da ABI Research, serão vendidos mais de 15 milhões de unidades desse tipo de sistema até 2025, dos quais 11 milhões serão itens de fábrica. Para chegar lá, entretanto, ainda existem alguns obstáculos técnicos para superar.

Para que a ilusão de uma realidade enriquecida seja completa, os sistemas dependem de computadores poderosos e sensores precisos. “Um dos grandes problemas dos óculos de realidade aumentada que existem atual­­­mente é que eles não resistem a uma chacoalhada da cabeça”, diz Mark Skwarek, artista digital e professor de mídia digital integrada na Universidade de Nova York.

“Manter os objetos virtuais firmemente ancorados na rea­lidade é essencial. Imagine um sistema de navegação de um carro incapaz de exibir com precisão as indicações de navegação, por exemplo.” Outra questão é cultural. O exemplo mais conhecido de óculos de realidade virtual é o Google Glass. Mas o protótipo foi abandonado pelo Google depois de apenas dois anos.

As críticas em relação ao Google Glass tinham a ver com a privacidade, pois os óculos também gravavam imagens. Mesmo que eles não sejam usados para registrar vídeos ou tirar fotos, andar por aí com um aparelho enorme no rosto pode ser coisa apenas para os extravagantes — ou nerds convictos. É um dado da tecnologia digital que os componentes vão encolher, bem como os preços vão cair.

A primeira versão do HoloLens, da Microsoft, custa 3 000 dólares e é semelhante aos óculos usados para esquiar na neve. No mundo das empresas, entretanto, essas preocupações são secundárias.

Novidades na produção

A Itamco, companhia de engenharia americana, usa um sistema baseado no Google Glass para exibir informações diretamente no campo de visão dos operadores de máquinas. Sem a necessidade de consultar manuais, tarefas que exigiam três ou quatro funcionários agora podem ser executadas por apenas dois.

A Augmedix, startup de São Francisco, está trabalhando num sistema que permite ao médico ver em seu campo de visão todo o histórico do paciente assim que ele entra no consultório, o que poderá representar, nos cálculos da empresa, um ganho de 30% na produtividade. Como mostra o sucesso Pokémon Go, não é preciso contar com óculos especiais para ter o primeiro contato com a realidade aumentada.

A Audi lançou há três anos um manual virtual para alguns de seus carros. Basta apontar a câmera do celular para o painel e o aplicativo indica na tela as funções de cada botão. Outro uso que também é muito popular e divertido são os filtros do app de comunicação Snapchat ou do aplicativo MSQRD (adquirido pelo Facebook em março), que aplicam máscaras e adereços em tempo real às selfies.

Uma tecnologia semelhante já é usada por alguns varejistas. O Gilt Groupe, empresa americana que vende online roupas de grife com desconto, permite provar óculos virtualmente usando a câmera do smartphone ou do computador. A marca japonesa Uniqlo tem um “espelho mágico” em algumas de suas lojas.

O consumidor prova uma peça de uma única cor, e o espelho — que na realidade é um monitor de alta definição — exibe as outras opções disponíveis no corpo do cliente. No Brasil, EXAME oferece a seus leitores a ferramenta Mobile View desde o começo de julho.

Depois de baixar gratuitamente o aplicativo Blippar na App Store ou no Google Play, é possível ver materiais que ampliam a experiência digital, como vídeos e áudios. Para ter acesso, o leitor precisa apenas apontar a câmera fotográfica do smartphone para as páginas da revista marcadas com o ícone do Mobile View — MV.

Uma janela para o futuro

A realidade aumentada exige pelo menos uma tela ou um par de óculos especiais, mas Mark Skwarek, da Universidade de Nova York, prevê um cenário futurista em que lentes de contato serão capazes de sobrepor essa camada de informações à realidade.

O cenário descrito por Skwarek parece mais ficção científica do que realidade, mas a expectativa em relação à Magic Leap — empresa da Flórida cujo nome significa “salto mágico” — é que ela revolucione o que se entende por realidade aumentada. A empresa opera em segredo, e até agora não se sabe que tipo de dispositivo vai usar para mostrar imagens holográficas no mundo real.

Numa recente reportagem da revista americana Wired, o jornalista e futurólogo Kevin Kelly disse que as imagens virtuais são “projetadas por uma fonte de luz na beirada dos óculos e, então, são refletidas nos olhos dos usuários”.

Com o apoio de investidores como o Google e a gigante chinesa do e-commerce Alibaba, a Magic Leap não revela os detalhes do funcionamento da tecnologia nem tem data prevista para o lançamento do produto. Enquanto o futuro não chega, os milhões de jogadores do Pokémon Go continuam buscando criaturas mágicas nas ruas de seu bairro.

John Hanke, fundador e presidente da Niantic Labs, diz que criou o jogo com o objetivo de levar as pessoas a ter uma vida mais ativa — tirá-las de casa, essencialmente.

“O objetivo é dar um empurrãozinho para coisas legais e interessantes em seu bairro”, disse Hanke numa entrevista recente. “Ao incentivar a exploração, o Pokémon Go pode melhorar sua vida um pouquinho.” Hanke já tinha melhorado bastante a vida das pessoas antes disso.

Ele fundou a empresa Keyhole, comprada pelo ­Google em 2004 e mais conhecida por criar o que viria a ser o ­Google ­Earth — as imagens de satélite digitais. Depois da aquisição, Hanke foi responsável pela área que desenvolveu os mapas do Google e também pela inclusão do Google Maps no primeiro iPhone. A realidade aumentada não poderia contar com um embaixador de mais peso.

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