Revista Exame

PIB em alta — e riscos fiscais também

A economia cresceu nos últimos 50 anos e investimentos trilionários estão no radar do Brasil nos próximos anos. Em 2023 e 2024, a atividade surpreendeu. Mas equilibrar as contas públicas ainda é o principal desafio

Congresso Nacional: controle de gastos públicos e aumento de produtividade dependem da aprovação de propostas no Legislativo (Leandro Fonseca/Exame)

Congresso Nacional: controle de gastos públicos e aumento de produtividade dependem da aprovação de propostas no Legislativo (Leandro Fonseca/Exame)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 17 de setembro de 2024 às 20h55.

Última atualização em 17 de setembro de 2024 às 21h00.

No último meio século, a população brasileira mais que dobrou, e o produto interno bruto (PIB) quadruplicou. Mesmo com sucessivas crises nas cinco décadas passadas e seguidas trocas de moeda até a estabilização econômica com o Plano Real, a partir de 1994, o Brasil se desenvolveu e a expectativa de vida, que na década de 1970 era de 57 anos, saltou para 76 anos. Para os próximos anos, são esperados vultosos investimentos na geração de energias renováveis — que podem tornar o Brasil líder nesse setor — e para universalizar o saneamento básico.

Nas contas do governo, 200 bilhões de reais serão aplicados na transição energética até 2028. Outros 509 bilhões de reais são necessários para levar água tratada para 99% da população e esgotamento sanitário para 90% até 2033, segundo o Instituto Trata Brasil. No campo, a expectativa do Ministério da Agricultura e Pecuária é que até 2033 a produção de grãos cresça 24,1% e chegue a 389,3 milhões de toneladas. Se por um lado as oportunidades de atração de investimento na próxima década são enormes, os desafios são velhos conhecidos, mas parecem propositalmente ignorados.

“Há um grande tema que eu acredito que voltará a partir do próximo mandato presidencial, independentemente de quem seja, que é a agenda da sustentabilidade fiscal de longo prazo”, afirma o economista Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e sócio-fundador da Oriz Partners.

Em 2023, o PIB surpreendeu. Os agentes financeiros esperavam em janeiro um avanço de 0,75% do PIB e, ao final do ano, a atividade foi de 2,9%. O bom resultado pode ser visto pelo copo meio cheio: dinamismo do agronegócio, que cresceu 15%, e do consumo das famílias, que avançou 3,1%. Mas também é possível examinar com um olhar menos alvissareiro. Na prática, o investimento teve queda de 3% e o consumo foi estimulado por uma expansão fiscal, que pressionará — e muito — as contas públicas.

Em 2024, o cenário posto é similar, de crescimento acima das expectativas e manutenção dos riscos fiscais. Os dados de hoje permitem vislumbrar o cenário do amanhã. Para o futuro, as estatísticas são alarmantes e mostram um crescimento explosivo das despesas públicas. Parte desse problema é explicada pela demografia. Segundo as projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), depois de atingir um pico de 220,4 milhões de habitantes em 2041, a população do país vai diminuir e chegar aos 199,2 milhões de habitantes em 2070. Com isso, a proporção de brasileiros com mais de 60 anos, que chegou a 15,6% em 2023, chegará a 37,8% em 2070 — mais aposentados e menos contribuintes.

A despesa com benefícios da Previdência, estimada em 1 trilhão de reais para 2025 pelo governo e que corresponde a 8% do produto interno bruto (PIB), mais que dobrará até 2041, e totalizará 2,3 trilhões de reais, o equivalente a 8,6% da geração de riquezas no país. Em 2070, serão desembolsados impressionantes 10,5 trilhões de reais para bancar benefícios previdenciários no Brasil, o equivalente a 12,44% do PIB. Os dados constam nas projeções atua-riais do Ministério da Previdência Social enviadas ao Congresso no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias. O gasto previdenciário será ainda maior, porque essas projeções não consideram os desembolsos com aposentadorias e pensões de servidores públicos e militares.

Banco Central: política fiscal expansionista pressiona a inflação e deve levar a aumento de juros (Leandro Fonseca/Exame)

O aumento da despesa previdenciária tem relação direta com a política de aumento real do salário mínimo e com o reajuste dos benefícios previdenciários. Essa indexação também pressiona as despesas com programas sociais e de amparo aos trabalhadores. Para piorar, as regras vigentes no país tornam 92% das despesas orçamentárias obrigatórias. Na prática, o governo arrecada para bancar pensões, aposentadorias, salários de servidores, além de despesas com saúde e educação. Com isso, faltam recursos para investimentos em outras áreas.

Com o aumento de gastos, a dívida pública tende a crescer consideravelmente. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a dívida do Brasil continuará em expansão até, pelo menos, 2029. Segundo o organismo internacional, o endividamento fechou 2023 em 84,7% do PIB, avançará a 86,7% em 2024 até chegar a um pico de 93,9% em 2029. O FMI considera os títulos do Tesouro na carteira do Banco Central (BC) nessa conta. A autoridade monetária brasileira exclui esses valores, por isso a divergência de percentuais entre as estatísticas. Para o Banco Central, a dívida pública terminou em 74,3% no ano passado. O patamar da dívida pública brasileira calculada pelo FMI é consideravelmente maior do que o de países emergentes e de renda média. A dívida bruta média desse grupo será de 70,3% em 2024 e de 80,1% em 2029.

Kawall reconhece os avanços acumulados com as reformas propostas pelos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro e com a proposta de mudança do sistema tributário brasileiro em discussão no Congresso Nacional durante a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto, afirma, o novo arcabouço fiscal é “fraco” e não garante uma trajetória sustentável da dívida pública. Nas contas do economista, até 2028 a trajetória de crescimento do gasto obrigatório se torna insustentável. “A solução terá de ser constitucional e passa pela desindexação do Orçamento. Atualmente, gastos previdenciários e sociais são indexados ao salário mínimo. Também é necessário conter indexações em saúde e educação, que possuem mínimos de gastos constitucionais”, diz. “Isso, no curto prazo, gera um choque de credibilidade e estanca a sangria que estará mais evidente nos próximos dois anos.”

Depois de estancar a sangria, o economista defende mudanças para melhorar a qualidade do gasto público, com uma ampla reforma dos programas sociais. Segundo ele, tanto o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) quanto o abono salarial — um benefício de um salário mínimo anual para trabalhadores que ganham até dois salários mínimos — são programas anacrônicos e não têm a mesma eficiência que se imaginava quando criados. No caso do FGTS, Kawall afirma que a literatura econômica revela que o programa se tornou um encargo para as empresas e poderia ser transformado em um seguro-desemprego para o trabalhador, no lugar do sistema que existe atualmente. E o abono passou a beneficiar, em parte, famílias de renda média, e não os mais pobres. Em paralelo a essas discussões, uma reforma administrativa e outra reforma da Previdência serão necessárias para tornar sustentáveis as trajetórias de crescimento do gasto público e da dívida pública.

Além do ajuste fiscal, o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, defende reformas para aumentar o nível de produtividade da economia brasileira. Segundo ele, a reforma administrativa deve ser a primeira a ser feita para aumentar a eficiência do setor público, em todos os entes da federação. Segundo Camargo, precisam ser definidas carreiras típicas de estado, mecanismos claros para a promoção de servidores e que os salários estejam mais próximos do setor privado, mesmo que aumentem significativamente no fim da carreira.

Os ganhos econômicos dos últimos 50 anos não se repetirão, afirma a economista Elena Landau, ex-diretora do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Para ela, o foco em produtividade, redução do protecionismo e de concessões de benefícios deveria ser uma obsessão do governo. E esse processo passa pela abertura comercial para estimular a competividade no país.

Manter a economia fechada, afirma o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC, garante renda elevada para poucos grupos ao custo do consumidor brasileiro. Segundo ele, quando a indústria ou qualquer outro setor não é sujeito à concorrência, os investimentos e a inovação não florescem. Há, na prática, uma reserva de mercado. “A economia brasileira é dominada por lobbies. Ninguém disputa por fazer melhor, mas para arrancar dinheiro do governo”, disse.

O cenário atual no Brasil, olhando para os próximos anos, mostra um ambiente de juros altos que impedem a expansão dos investimentos, afirma a economista-chefe do banco Inter, Rafaela Vitória. Segundo ela, reduzir a Selic passa por um ajuste fiscal já diagnosticado pelo governo, que aumentará a credibilidade e abrirá espaço para um círculo virtuoso de investimentos. “Não é para o BC reduzir a Selic na canetada. É necessário um ambiente de confiança. Hoje, o juro alto embute o risco fiscal, e o investidor cobra do Tesouro um preço alto. A gente tem certa desconfiança de que a meta de inflação não será cumprida. E essa desconfiança é decorrente do gasto fiscal, que pressiona a inflação”, diz. As oportunidades e adversidades para a economia brasileira nos próximos anos já são conhecidas. O PIB em alta precisa ser comemorado, é claro. Mas os riscos também estão em alta — e em meio a um cenário futuro muito mais desafiador do que os últimos 50 anos.


A força e os desafios da economia brasileira em 2023 e 2024

Por Reginaldo Nogueira(1) e Samuel Barros(2)

Consumo: diversos fatores impulsionaram a economia brasileira em 2023, incluindo o aumento no gasto das famílias, estimulado por um mercado de trabalho aquecido (Leandro Fonseca/Exame)

Em 2023, a economia brasileira registrou um crescimento de 2,9%, totalizando 10,9 trilhões de reais. O avanço foi impulsionado por diversos fatores, como o aumento de 3,1% no consumo das famílias, puxado por um mercado de trabalho aquecido, que registrou níveis recordes de ocupação. Programas governamentais reforçando a renda disponível de famílias de baixa renda também contribuíram para o resultado.

Mesmo com o crescimento, o Brasil enfrentou desafios, especialmente relacionados à inflação, que encerrou o ano em 4,6%. Embora tenha superado o centro da meta, de 3,25%, o índice se manteve dentro do intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual. O aumento nos preços foi causado por fatores como a elevação dos custos de energia e combustíveis, além de pressões sobre os preços dos alimentos. Em resposta, o Banco Central adotou uma política monetária restritiva, mantendo a taxa Selic elevada para conter a inflação. Isso teve impactos sobre o consumo e os investimentos, mas foi considerado necessário para preservar a estabilidade de preços.

O cenário político de 2023 continuou marcado pela polarização. O governo enfrentou dificuldades para aprovar medidas, bem como para lidar com as pressões de gastos. O legado do resultado apertado das eleições de 2022 se mostra de difícil superação.

Socialmente, o Brasil continuou a lidar com desafios históricos, como a desigualdade e a pobreza. Programas de transferência de renda foram fundamentais para mitigar os impactos da inflação sobre as populações mais vulneráveis, mas a recuperação econômica desigual prejudicou o poder de compra das famílias de baixa renda.

Para 2024, as expectativas apontam para um crescimento próximo ao do ano passado. O Boletim Focus, do Banco Central, indica uma previsão de 2,5%, com o bom desempenho da economia no segundo trimestre sugerindo até um resultado próximo de 3%. A inflação permanece como um ponto de atenção, devendo encerrar o ano muito próxima do teto da meta. Com isso, o Banco Central tem tido dificuldade de reduzir a taxa de juro, pressionando o setor privado. O grande desafio, entretanto, continua sendo a questão fiscal, com déficits primários que se mantêm elevados e dificuldades do governo em reduzir gastos ou encontrar novas fontes de receita.

No cenário internacional, o Brasil poderá enfrentar dificuldades relacionadas à desaceleração global, que deve cair de 2,7% em 2023 para 2,4% em 2024. Essa queda pode afetar a demanda externa, enquanto tensões geopolíticas e condições financeiras mais rígidas devem dificultar o crescimento econômico mundial. Para a América Latina, espera-se um crescimento ainda mais tímido, de 1,6%, o que reforça a necessidade de reformas estruturais e de uma modernização do sistema tributário para garantir um ambiente de negócios mais favorável e a atração de investimentos.

O ano de 2023 foi um ano de crescimento razoável, mas também de desafios, principalmente no campo político e social. Para 2024, o cenário é de cautela, com a economia brasileira mostrando resiliência, mas ainda dependente de investimentos e reformas para garantir um crescimento sustentável diante das incertezas globais e domésticas.

(1) Diretor Nacional do Ibmec. (2) Reitor do Centro Universitário Ibmec RJ.




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