Revista Exame

Pepsico leva Ruffles da internet para a linha de produção

Acompanhamos passo a passo o lançamento da maior campanha de marketing da Pepsico no Brasil neste ano — um projeto que contou com a ajuda de 2 milhões de internautas

Strogonuffles, Yakissobaaa! e HoneyMoonstard: sabores de Ruffles criados por internautas (Divulgação)

Strogonuffles, Yakissobaaa! e HoneyMoonstard: sabores de Ruffles criados por internautas (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 15 de junho de 2012 às 15h40.

São Paulo - A publicitária carioca Patrícia Kastrup, de 38 anos, vice-presidente de marketing da divisão de alimentos da Pepsico no Brasil, passou por uma verdadeira prova de resistência na tarde de 25 de abril.

Trancada em um auditório no 7º andar da sede da empresa, no bairro de Chácara Santo Antônio, na zona sul da capital paulista, Patrícia passou cerca de 3 horas ao lado de outros 19 executivos, entre profissionais de inovação da Pepsico e publicitários de agências contratadas pela multinacional, experimentando dez sabores diferentes para a batata Ruffles, o salgadinho mais vendido do país.

Não, não foi uma sessão de tortura. Tampouco uma punição por maus resultados financeiros. A maratona gastronômica foi uma das etapas cruciais da maior campanha de marketing da subsidiária brasileira da Pepsico neste ano — uma ação que dá a dimensão da importância que a internet e as redes sociais estão ganhando na definição de estratégias nas empresas de consumo.

Lançada em 26 de fevereiro, a promoção "Faça-me um sabor" tinha como objetivo criar um novo sabor de Ruffles a partir de sugestões de algo como 1 milhão de internautas — mas acabou atraindo mais de 2 milhões de consumidores, mais do que qualquer outra edição do concurso nos nove países em que já foi realizado de 2008 para cá.

A missão de Patrícia e dos demais executivos da Pepsico naquela reunião de abril — entre eles o presidente da operação brasileira, Roberto Ríos — era apontar, em meio a tantas sugestões, os três sabores finalistas da promoção.

A partir de 1º de julho, a Ruffles nas versões estrogonofe, yakissoba e mostarda e mel disputará espaço nas gôndolas dos principais supermercados do país e estará sujeita à votação popular.

O dono da ideia receberá 1% da receita com as vendas do produto por um período de seis meses. "Entre o lançamento da campanha e a chegada às gôndolas, foram apenas quatro meses", diz Patrícia. "É um terço do prazo a que estamos habituados para lançar novos produtos. Foi um processo alucinante."

Para colocar três novos sabores de salgadinho nas prateleiras dos supermercados em tão pouco tempo, a Pepsico criou, em agosto do ano passado, uma força-tarefa que incluiu executivos de oito áreas, da comercial à jurídica. Eles ficaram incumbidos de analisar detalhadamente eventuais empecilhos do projeto — como a viabilidade de distribuir um percentual das vendas a alguém de fora da empresa.


Era ou não possível? Em seguida, profissionais do departamento de marketing fizeram uma espécie de roadshow com fornecedores, distribuidores, agências de propaganda e estúdios de design para apresentar o projeto. Foi somente após o aval de todas essas equipes que a campanha de lançamento do projeto pôde ser finalmente iniciada.

Já no mês de novembro, a Pepsico estudava 24 protótipos de embalagens para o produto. Em janeiro, a agência de publicidade AlmapBBDO começou a gravar os comerciais da promoção, deixando espaço apenas para a inclusão das novas Ruffles, cujos sabores ainda não haviam sido escolhidos. Tudo parecia absolutamente sob controle — até o lançamento oficial do plano.

Ao longo de 45 dias, o site da Ruffles recebeu 30 sugestões por minuto, o dobro do inicialmente projetado pela Bullet, agência responsável pela triagem das ideias. "Chegamos a registrar 20 000 acessos simultâneos ao site", diz Fernando Figueiredo, presidente da Bullet.

"Tivemos de ampliar a capacidade de nossos servidores para dar conta do volume de contribuições, além de praticamente dobrar para cerca de 15 pessoas a equipe dedicada à promoção. Tudo isso da noite para o dia."

O presidente não sabia

Mesmo se tratando de um processo de inovação relativamente simples para os padrões da Pepsico, o desenvolvimento de três novos sabores de Ruffles mudou a rotina da companhia. O fluxo de trabalho foi totalmente invertido. Até então, a Pepsico definia internamente os aromas a ser lançados, com base em reuniões realizadas a cada quatro meses com o pessoal do departamento de pesquisa e desenvolvimento.

De maneira geral, esse é um processo que costuma levar até sete meses, graças, em grande parte, a uma miríade de estudos de viabilidade econômica que antecede um lançamento como esse. Passada essa etapa, a Pepsico faz uma série de testes com consumidores, num processo que se arrasta por 40 dias.

"Com a promoção, não fazíamos ideia do tipo de aroma que teríamos de desenvolver", diz Sérgio Julio, diretor da área de P&D da Pepsico. "Tivemos de correr contra o relógio para criar sabores nada triviais em pouco mais de 40 dias. Era uma surpresa por semana."


Tendo como ponto de partida a triagem realizada pela Bullet, a IFF Essências e Fragrâncias, empresa responsável por desenvolver os aromas para a Pepsico, chegou a elaborar 15 amostras diferentes por quinzena — em situações normais, a IFF leva até oito semanas para criar um único sabor.

No total, foram apresentadas mais de 40 variações para os dez sabores de Ruffles que antecederam a escolha dos três finalistas. Sem tempo de realizar testes cegos com consumidores, a Pepsico destacou três funcionários da área de inovação especializados em análise sensorial para provar e ajustar as amostras à medida que elas eram criadas. “Não havia tempo a perder”, diz Sergio Gelernter, diretor regional da IFF Essências e Fragrâncias.

Além de lidar com prazos exíguos, os executivos ligados à promoção tiveram de trabalhar em absoluto sigilo. Para garantir que os três sabores finalistas não vazassem antes da divulgação oficial, em 15 de junho, foram adotados codinomes como Sacha, no caso do estrogonofe, e Daniele Suzuki, para yakissoba, em alusão à atriz global de origem oriental.

Apenas oito profissionais da área de pesquisa e desenvolvimento tomaram conhecimento de todas as etapas do projeto — normalmente, 20 pessoas se envolvem no lançamento de um novo sabor. Nem mesmo o presidente da Pepsico no Brasil, Roberto Ríos, teve acesso prévio aos dez candidatos à final antes da reunião realizada no dia 25 de abril.

"Com tantos participantes envolvidos na campanha, era preciso manter intocada a expectativa em torno da escolha dos três finalistas", afirma Luiz Toloza, gerente da marca Ruffles no Brasil. A expectativa da corporação em torno do projeto era enorme.

Realizada em 2008 no Reino Unido, a promoção "Do us a flavour" elevou em 14% as vendas da batata Walkers, o equivalente britânico da Ruffles. No Brasil, o sabor vencedor poderá entrar para a linha fixa de produtos da Pepsico, caso alcance 15% das vendas da marca até o final do ano. Aconteceu na Austrália, com o sabor salada césar da batata Smith’s, similar à Ruffles no país. 

Incluir os consumidores no processo de criação não é uma novidade para a Pepsico. Sob o comando da indiana Indra Nooyi, a companhia foi uma das primeiras no mundo a se basear no conteúdo criado por seus clientes para desenvolver anúncios — em fevereiro, a Pepsico exibiu, durante a final do campeonato de futebol americano, três comerciais da marca Doritos, inspirados em vídeos enviados por internautas.


Um deles, estrelado por um buldogue, foi eleito pelos espectadores como o melhor anúncio exibido durante a partida, segundo a pesquisa Ad Meter. Foi, também, o comercial com maior índice de lembrança de marca, de acordo com uma pesquisa do instituto Nielsen.(O autor do vídeo, o americano J.R. Burningham, de 31 anos, levou para casa 1 milhão de dólares e um contrato para criar outro vídeo para a Pepsico em 2011.)

"As empresas de consumo foram as primeiras a tirar proveito do engajamento dos consumidores", diz Francis Gouillart, professor da Universidade de Michigan e autor do livro O Poder da Co-Criação. "Mas não são as únicas. Quando o consumidor se sente parte do processo, ele tende a ser mais leal à marca ou ao produto."

Há cerca de um ano, a subsidiária brasileira da Fiat envolveu-se em um projeto semelhante. Para criar um carro-conceito que fosse "a cara dos consumidores", lançou um concurso para desenvolver um modelo de automóvel com base em sugestões dos internautas. Mesmo sem nenhuma pretensão de ser produzido em escala, o Mio (Meu, em italiano) fez tanto sucesso por aqui que a Fiat decidiu estender o projeto a participantes do mundo todo.

Ao longo de oito meses, a montadora recebeu mais de 10 000 ideias vindas de 100 países diferentes. O Mio foi apresentado no salão do automóvel de São Paulo em outubro do ano passado e é até hoje um dos casos de maior sucesso desse tipo de inovação.

Apesar de toda a correria, a parte mais difícil da campanha da Pepsico começa agora — conseguir que o frenesi na internet se traduza em vendas na vida real.

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