Revista Exame

Paralisada, Odebrecht perde o bonde da Lava-Jato

Um ano de paralisia fez a Odebrecht, maior empreiteira do Brasil, ser a última em tudo: não fez delação, não assinou leniência, não resolveu sua dívida...


	Marcelo Odebrecht: prestes a completar um ano
 (Rodolfo Burher/Reuters)

Marcelo Odebrecht: prestes a completar um ano (Rodolfo Burher/Reuters)

DR

Da Redação

Publicado em 28 de maio de 2016 às 05h56.

São Paulo — Falta pouco menos de um mês para que se atinja um marco na história brasileira. No dia 19 de junho, o empresário Marcelo Ode­brecht completará um ano preso na carceragem federal de Curitiba. É verdade que o Brasil anda fértil em se tratando de situações fora do normal — ejetar, numa só semana, o presidente da Câmara e a da República é prova de que os tempos são mesmo diferentes.

Mas nada disso deve diminuir o assombro diante do que acontece em Curitiba — o presidente e herdeiro do até outro dia mais poderoso grupo empresarial do país simplesmente não consegue sair da prisão. Marcelo Ode­brecht é o único executivo de alto escalão das grandes empreiteiras do Brasil investigadas na Operação Lava-Jato que continua preso.

Desde o início da operação, quase 50 pessoas assinaram acordos de delação premiada. Concorrentes da Odebrecht já acertaram o pagamento de 3 bilhões de reais em indenizações aos cofres públicos, criaram departamentos de controle de riscos, renegociaram dívidas e venderam empresas bilionárias para aliviar sua situação financeira.

A Andrade Gutierrez chegou ao extremo de, obrigada pelo juiz Sergio Moro, publicar um anúncio nos jornais em que, ajoelhada no milho, pedia desculpas por tanta corrupção. Todo mundo, em suma, se mexeu de algum jeito. Mas a Odebrecht destoa. Passado esse tempão, a empresa parece paralisada.

Seu presidente foi condenado a 19 anos de prisão e segue preso — mas essa é apenas a parte mais visível do que parece ser uma crônica incapacidade de lidar com a crise criada pela Lava-Jato. A paralisia parece ser fruto de uma arrogância que hoje cobra seu preço. A Odebrecht entrou na espiral da Lava-Jato com uma dívida de quase 100 bilhões de reais e receita estagnada.

Já não seria uma combinação animadora em condições normais, mas era impossível disfarçar o potencial daninho para um grupo assolado por acusações gravíssimas de corrupção.

Os credores se arrepiaram, pedindo uma atitude rápida, mas a empresa afirmou que estava tudo sob controle — ia alongar a dívida das empresas em pior situação, preservar um gordo colchão de 25 bilhões de reais em caixa, provar inocência e sair dessa numa boa. Sua reação pública à Lava-Jato era anunciar, em comuni­ca­dos, o repúdio à condução da operação.

Foram pelo menos sete anúncios e notas divulgados em jornais desancando os res­ponsáveis pelas investigações e os veículos de comunicação que as divulgaram.

A Odebrecht chamou as apreen­sões de “desnecessárias e ilegais”, definiu as provas como “equívocos de interpretação de fatos”, declarou-se “profundamente perplexa e indignada” com “documentos vazados a conta-gotas, sem nenhum pudor”, pediu “bom senso das autoridades responsáveis pela investigação” diante de “flagrante ilegalidade e abusividade na rea­lização de investigações” e “afronta aos princípios mais básicos do estado de direito”.

Enquanto isso, as provas iam se avolumando. Falar grosso não serviu para muita coisa. Do ponto de vista prático, quase um ano depois da prisão de Marcelo, os problemas financeiros da Odebrecht se agravaram.

O grupo não conseguiu renegociar as dívidas das empresas mais encrencadas e pode ser obrigado a tirar 5 bilhões de reais de seu caixa para tentar resolver o problema da Odebrecht Agroindustrial, sua endividada unidade de açúcar e álcool. O grupo ainda não conseguiu sequer apresentar seu balanço consolidado, num lance que lembra a fase mais esdrúxula da crise da Petrobras.

A auditoria PwC, responsável pela checagem do balanço da Odebrecht Engenharia e Construção, empresa que fazia contratos com o governo, vem se recusando a carimbá-lo. A previsão era que o balanço fosse publicado até o final de abril — mas já se sabe que não sairá nem em maio.

A PwC quer que a companhia inclua uma provisão ou informações sobre a possibilidade de ter de arcar com custos de uma indenização bilionária referente à Lava-Jato. Atrasar o balanço tem preço.

A Ode­brecht possui obrigações contratuais com credores — que, nas contas da agência de classificação de risco Fitch, podem antecipar a cobrança de 2,7 bilhões de dólares em dívidas caso o balanço não seja publicado até junho. Credores e concorrentes costumam dizer que a Odebrecht demorou demais para entender a gravidade do problema.

Executivos da Odebrecht dizem que as dívidas são de longo prazo e que os 25 bilhões de reais em caixa continuam intactos. Oficialmente, a empresa já disse que está vendendo ativos avaliados em 12 bilhões de reais para aliviar a situação financeira. Mas os meses passam, e nada.

Com uma dívida grande, que corresponde a mais de quatro vezes a geração de caixa, o grupo levantou apenas 500 milhões de reais com a venda de participações em uma empresa de pedágios, a ConectCar, e em quatro concessões de saneamento.

No mesmo prazo, o grupo Camargo Corrêa, cujo endividamento não chega a três vezes a geração de caixa, já tinha conseguido quase 3 bilhões de reais com a venda da empresa de calçados Alpargatas — uma espécie de joia da coroa, caríssima a ­suas acionistas controladoras — e conseguiu um financiamento para estender cinco anos o prazo de 2 bilhões de reais de dívidas que venceriam logo.

Nos quatro meses após a prisão de seu então presidente, André Esteves, o banco BTG Pactual levantou mais de 8 bilhões de reais com a venda de participações em empresas e de carteiras de crédito, aumentando para mais de 30 bilhões seu caixa.

Com o dinheiro, o banco recomprou dívidas de curto prazo e não precisa de novas captações até 2018. Não é à toa que a Odebrecht está sendo chamada em grandes bancos de “anti-BTG” em sua gestão de crise.

Ajustes

Para acalmar credores, funcionários e clientes e demonstrar para a Justiça que estão se mexendo, as companhias envolvidas na Lava-Jato mudaram processos internos, criaram novos cargos, incrementaram auditorias.

A Queiroz Galvão, que teve dois executivos investigados, contratou um diretor de controle de riscos e normas para revisar os processos de aprovação de obras e a contratação de empresas terceirizadas. Em janeiro, formou um conselho de ética e, em fevereiro, incluiu conselheiros independentes em seu comando.

A Camargo Corrêa foi buscar na empresa aeronáutica Embraer um novo presidente para sua construtora e um diretor de governança, e abriu um canal interno para denúncias de funcionários. O BTG, menos de um mês depois da prisão de Esteves, contratou um escritório internacional especializado em fraude e corrupção para fazer auditoria independente nas contas e nos processos do banco.

Até agora, nada disso se viu na Odebrecht. Mas talvez tenha sido no trato com os investigadores da Lava-Jato e os órgãos públicos que a atitude da Odebrecht tenha cobrado seu preço mais alto. A empresa demorou demais para entender como as delações premiadas mudaram o jogo em investigações dessa natureza.

As sondagens da Ode­brecht em busca de um acordo com a Lava-Jato nunca foram levadas a sério pelos procuradores. Os rápidos acordos fechados com a Toyo Setal e a Camargo Corrêa aumentaram a pressão sobre a Odebrecht — as empresas assumiram ter pago propina em projetos dos quais a companhia baiana também era sócia.

Citada na delação de um executivo da Camargo Corrêa, a Odebrecht chegou a acusá-la de fazer “vingança concorrencial”. No começo deste ano, quando percebeu que seria a última da fila a negociar uma delação, a estratégia mudou.

Entre reuniões em Brasília e em Curitiba, os advogados da Odebrecht estão tentando acelerar a negociação de delação de cerca de dez executivos, incluindo Marcelo, com a Procuradoria e um acordo de leniência da empresa com a Controladoria-Geral da União.

O Ministério Público, no entanto, afirma que não assinou sequer um termo de confidencialidade com a Odebrecht e que a negociação da empresa está no mesmo estágio das demais cinco empreiteiras menores que tentam acordo. A estimativa de advogados envolvidos na Lava-Jato é que a companhia tenha de arcar com multa de 1,5 bilhão a 3 bilhões de reais.

Quanto mais tarde o acordo, mais caro e, no caso das delações, mais difícil chegar a ele. A Camargo Corrêa negociou 800 milhões de reais em indenizações, em agosto, e a Andrade Gutierrez acertou, em abril, um pagamento de 1 bilhão de reais.

O Ministério Público exige que uma empresa acrescente fatos inéditos à investigação para o acordo de leniência e que a delação de executivos traga provas de situações já conhecidas pelos investigadores.

Internamente, o conselho da Odebrecht discute que medidas pode apresentar para um acordo de leniência — além de criar uma diretoria de compliance na construtora, a família pretende convidar conselheiros independentes para todas as empresas do grupo e discute a possibilidade de se apresentar ao Departamento de Justiça americano com uma proposta de investigação independente.

“O problema não é só o custo da indenização, mas o tempo que isso se arrasta na empresa, trava estratégias e o retorno à normalidade dos negócios”, diz o executivo de uma das empreiteiras condenadas. O passo lento com que a Odebrecht se move ao longo dos meses se deve, em grande medida, à sua estrutura de comando.

Marcelo era o presidente do grupo e também é o dono — na Mendes Júnior e na Camargo Corrêa, os presos eram executivos contratados, e não acionistas das empresas. A Odebrecht tem como regra alojar apenas um executivo da família no comando — os irmãos e os primos de Marcelo não são executivos do grupo. Não havia, portanto, quem assumisse a presidência.

A Odebrecht levou seis meses para trocar de presidente (o BTG levou uma manhã). A presença de Emílio Odebrecht voltou a ser constante na sede da empresa, em São Paulo, assim como a de Pedro Novis, que já ocupou a presidência do grupo e hoje é conselheiro. Outro conselheiro, Newton de Souza, assumiu a presidência executiva.

“Demorou porque ninguém acreditava que ele continuaria preso”, diz um executivo do grupo. Para piorar um pouco, a crise segue.

A Procuradoria-Geral da República pediu abertura de inquérito para investigar uma possível interferência da presidente Dilma Rousseff no Superior Tribunal de Justiça em defesa da Odebrecht — nomeando Marcelo Dantas como ministro do STJ em troca de voto pela liberdade de Marcelo Odebrecht. Vai saber se isso é verdade ou não.

Mas, como tudo que envolve a Odebrecht e a Lava-Jato, uma coisa pode ser dita: se houve mesmo tentativa de acordo, também não deu certo.

Acompanhe tudo sobre:ConstrutorasDilma RousseffEdição 1114EmpresasEmpresas brasileirasNovonor (ex-Odebrecht)Operação Lava JatoPersonalidadesPolítica no BrasilPolíticosPolíticos brasileirosPT – Partido dos Trabalhadores

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon