Benchimol e os sócios da XP Investimentos: postura de caçadores na consolidação do mercado (André Valentim/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.
As empresas que nascem no mercado financeiro brasileiro normalmente são obrigadas a fazer uma escolha no transcorrer de sua trajetória: associar-se aos grandes bancos para fazer parte de uma estrutura com poder de lutar pela liderança ou contentar-se em atuar, de forma independente, no segundo escalão do mercado. A corretora XP Investimentos, criada em julho de 2007 pelo gaúcho Marcelo Maisonnave e pelo carioca Guilherme Benchimol, é um dos raros casos de empresa financeira que conseguiu trilhar uma terceira via.
Com um agressivo modelo de captação de clientes por meio de cursos e palestras de introdução ao mercado de capitais, a XP começou do zero e conseguiu crescer de forma assombrosa até se tornar, atualmente, a única corretora independente na lista das cinco maiores do país por volume negociado. No mês passado, a XP anunciou a entrada do fundo de private equity britânico Actis no negócio — e, se a transação for aprovada pelo Banco Central, a XP receberá um aporte de 100 milhões de reais e estará com o fôlego renovado para avançar sobre o território dos bancões.
A compra de uma fatia minoritária da XP Investimentos pelo fundo Actis é mais um sinal do crescente interesse que o mercado de corretoras brasileiro vem despertando nos investidores nacionais e, principalmente, estrangeiros. Em abril de 2010, os suíços do UBS pagaram 112 milhões de dólares pela Link Investimentos, a sexta maior do ranking. Nos últimos anos, outras grandes transações movimentaram o mercado: o Bradesco pagou 830 milhões de reais pela Ágora, e o Citibank arrebatou a corretora Intra por cerca de 200 milhões de reais. Se os sócios da XP tivessem aproveitado a cobiça pelo setor e seguido o mesmo caminho, poderiam ter embolsado cerca de 450 milhões de reais com a venda da companhia.
Em vez disso, eles preferiram aumentar o capital da corretora para que a Actis pudesse injetar dinheiro no caixa da empresa e, assim, multiplicar seu valor nos próximos anos. “Além de o setor de serviços financeiros no Brasil ter um histórico de ótimos retornos, o investimento da XP é atrativo porque ela tem alta capacidade de crescer tanto em sua atividade atual, a corretagem, como na oferta de novos produtos e serviços”, diz Chu Kong, sócio da Actis América Latina e um dos responsáveis pela operação.
Somado a esse movimento, há as corretoras internacionais que decidiram entrar no mercado brasileiro com as próprias pernas — caso, por exemplo, da inglesa Icap. O resultado dessa euforia é um elevado número de corretoras para um mercado de investidores ainda pequeno para os padrões internacionais. São cerca de 90 corretoras em atuação no Brasil para atender um total de 615 000 pessoas que aplicam de forma direta na BM&F Bovespa, o equivalente a menos de 7 000 clientes por instituição. No mercado indiano, o número de corretoras é praticamente o mesmo — mas o total de investidores está na casa dos 20 milhões.
Além de demonstrar o alto potencial de crescimento do mercado acionário brasileiro, os números da Índia evidenciam a baixa concentração de mercado existente no segmento de corretagem brasileiro: o líder Credit Suisse é responsável por uma fatia de 7% e o vice-líder Itaú encontra-se apenas 0,7 ponto percentual atrás. “Com tantos competidores, a ordem natural é que o setor passe por uma consolidação em breve”, diz Mônica Saccarelli, diretora do Link Trade, home broker da corretora Link Investimentos. A expectativa dos sócios da XP é que o número de corretoras em atuação no mercado brasileiro caia pela metade nos próximos cinco anos com o movimento de fusões e aquisições.
Por enquanto, a capacidade de ataque da XP nessa possível onda de consolidação é limitada — o aporte de 100 milhões de reais do fundo Actis não será suficiente para que a empresa realize grandes aquisições em série. Os recursos, no entanto, ajudarão a acelerar o passo do crescimento atual para que a empresa realize a abertura de capital nos próximos anos e, aí, sim, adote uma postura ofensiva. “Com a alta pulverização do mercado, ou você vira caça ou você vira caçador”, diz Guilherme Benchimol, sócio da XP. “Nós queremos ser compradores.” As ambições da corretora não se limitam ao Brasil. Seus controladores também estudam adquirir uma corretora americana para lançar-se no exterior e permitir que os investidores institucionais brasileiros, como os fundos de pensão, possam aplicar no exterior.
Mais do que ganhar mercado no setor de corretagem, a XP pretende se tornar referência em diversos tipos de produtos financeiros para crescer de maneira mais rápida e alcançar um porte suficiente para abrir o capital. A ideia é desenvolver o conceito de one stop shop: oferecer tudo aquilo que o cliente precisa por meio da abertura de uma única conta. A XP já oferece apólices de 11 seguradoras, e vende planos de previdência privada de quatro instituições. Dentro de alguns meses, pretende colocar entre as opções de aplicação de seus clientes todos os fundos de investimento do mercado oferecidos por outros gestores. A novidade, nesse caso, não está nos produtos em si — qualquer investidor pode comprar seguros ou investir em fundos de previdência por meio de seu próprio banco —, mas no poder de compará-los às outras opções disponíveis no mercado.
A XP, no entanto, não pretende abrir mão das estratégias que a fizeram passar de um pequeno escritório de 25 metros quadrados em Porto Alegre, onde a ideia começou há quase dez anos, à quinta maior corretora de valores do mercado brasileiro. Um dos pilares é a criação de uma extensa rede de representantes autônomos espalhados pelo Brasil. Atualmente, são 215 escritórios independentes em 102 cidades e a meta é cobrir 350 cidades nos próximos três anos.
O uso dessa estratégia, no entanto, não é bem visto por todos os concorrentes. A crítica é que alguns agentes autônomos acabam exagerando na hora de oferecer oportunidades de compra e venda de ações para aumentar o número de negócios realizados, já que eles recebem conforme o volume gerado por cada um. A outra estratégia responsável pelo crescimento da XP é a oferta de cursos e palestras sobre investimentos para angariar clientes. Só pelo curso de noções básicas de aplicação em bolsa de valores já passaram 200 000 pessoas. A ideia, agora, é lançar turmas com temas ainda mais populares, como o investimento em imóveis, e recrutar alunos em locais de grande circulação de potenciais investidores, como shoppings e aeroportos, por meio da instalação de 50 quiosques da XP.
Ainda inédito no Brasil, o modelo perseguido pela XP é semelhante ao implementado pelo americano Chuck Schwab, fundador da corretora Charles Schwab. Criada em São Francisco na década de 70, a empresa ficou famosa por inaugurar uma nova etapa no mercado acionário americano com uma drástica redução de taxas cobradas dos investidores e o desenvolvimento do mercado de negociações online. Além de ameaçar bancos tradicionais, como o Merrill Lynch, e se transformar numa das maiores corretoras do mundo, a Charles Schwab ampliou sua capacidade de crescimento ao começar a oferecer diversas opções de investimento para complementar as aplicações dos clientes, como títulos do Tesouro americano e fundos de dívidas de empresas.
Se quiser ter sucesso com essa estratégia, porém, a XP tem mais a ganhar estudando os erros que os acertos da Schwab. Com o estouro da bolha da internet, no início dos anos 2000, a Schwab tentou se reerguer oferecendo outras atividades financeiras — adquiriu, por exemplo, o private bank U.S. Trust e o banco de investimento Soundview. Mais tarde, percebeu que o exagero na diversificação havia elevado seus custos e afastado demais a empresa de seu negócio central — a corretagem. Em sua briga com os bancões, essa é uma armadilha que a XP terá de evitar.