Revista Exame

Pânico em Ipatinga, com as dificuldades da Usiminas

Por 50 anos, a cidade mineira se beneficiou da generosidade da siderúrgica Usiminas, dona de aeroporto, escolas, hospitais. Mas a empresa vive seu pior momento. E Ipatinga sofre junto

Ipatinga, em Minas: até os bairros foram desenhados de acordo com a hierarquia da Usiminas — há, por exemplo, o bairro da presidência e o bairro dos operários (Wölmer Ezequiel/EXAME.com)

Ipatinga, em Minas: até os bairros foram desenhados de acordo com a hierarquia da Usiminas — há, por exemplo, o bairro da presidência e o bairro dos operários (Wölmer Ezequiel/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 17 de junho de 2013 às 11h16.

Ipatinga - Aleirton Soares Dias, dono da agência de viagens Fox Turismo, localizada no centro de Ipatinga, em Minas Gerais, virou símbolo de um momento difícil para a cidade do Vale do Aço. Do início de 2012 para cá, seu faturamento com a venda de pacotes turísticos caiu cerca de 50%.

Enquanto os brasileiros viajam e gastam lá fora como nunca, os ipatinguenses adiam as férias a seus destinos favoritos, como Miami e Nova York. Os moradores também cortaram os gastos com táxi, o que derrubou o faturamento mensal de alguns motoristas de 5 000 para 2 000 reais no último ano.

Nas lojas das operadoras de telefonia e nas redes de fast-food, as filas desapareceram das portas. No comércio, as vendas vinham crescendo 9% até 2011 e estagnaram em 2012. “A cidade está em crise”, diz a prefeita de Ipatinga, Cecília Ferramenta. A explicação não está no pibinho nem na inflação crescente.

Os ipatinguenses sofrem os efeitos do pior momento da história da Usiminas, siderúrgica que responde por mais da metade da arrecadação do IPTU da cidade. Em 2012, a arrecadação do imposto sobre serviços, principal tributo municipal, caiu 28%.  

Sem a Usiminas, Ipatinga provavelmente não existiria. A companhia nasceu em 1956, quando o governo brasileiro decidiu que a região, na época um distrito de Coronel Fabriciano, reunia condições ideais para receber uma siderúrgica. Com investimento pesado da Usiminas, primeira grande estatal a ser privatizada no país, em 1991, Ipatinga virou uma das cidades mais importantes do estado.

Foi a siderúrgica que construiu o aeroporto, os clubes recreativos, o zoológico, uma operadora de saúde, os colégios e os hospitais. Até os bairros foram desenhados de acordo com a hierarquia da empresa — há o da presidência, com seus casarões, e o bairro onde mora a turma do chão de fábrica.

Enquanto ia tudo bem com a Usiminas, a simbiose foi um baita negócio para a cidade. Mas, nos últimos anos, a coisa se inverteu. Com a demanda por aço em queda e os custos de produção em alta, em 2012 a empresa teve prejuízo recorde. Demitiu 5 000 dos 30 000 funcionários em todo o país. E a marretada nos custos não vai acabar tão cedo.

Nessas horas, é natural que os atingidos busquem culpados. No caso da Usiminas, não foi difícil encontrar: a empresa é presidida há quase um ano e meio pelo argentino Julián Eguren, presidente da Usiminas desde janeiro de 2012 e responsável pelos cortes. Ele virou uma espécie de inimigo público em Ipatinga, assunto de exasperadas conversas de botequim.


Seu apelido na cidade dá a medida exata de sua populari­dade — “Ruimlian”. Ele assumiu o cargo quando a siderúrgica Ternium, do grupo ítalo-argentino Techint, onde trabalha há 26 anos, comprou 16,7% das ações ordinárias da Usiminas — e entrou para seu bloco de controle. O cená­rio era complicado: a empresa vinha de quatro anos sem crescer.

E, em 2012, a Usiminas teve um prejuízo histórico. Para piorar a situação, a dívida da companhia atingiu cinco vezes sua geração de caixa, o que acendeu o sinal amarelo nas agências de classificação de risco. Pressionado pelos maus resultados, Julián tornou-se “Ruimlian”. 

Em sua tentativa de reerguer a Usimi­nas, o argentino não está poupando nada. De largada, demitiu cerca de 5 000 funcionários em todo o país. Segundo EXAME apurou, há um plano para demitir mais 4 000 empregados neste ano, o que a empresa nega. Os investimentos caíram 34% em 2012.

As demissões e a queda nos investimentos ajudam a explicar o mau momento da economia da cidade. A empresa tem planos para se livrar de tudo que a Usiminas construiu em Ipatinga ao longo das décadas mas que, aos olhos de quem passa por uma crise financeira, não faz sentido manter. Clubes, terrenos, colégio, aeroporto, zoológico e um imóvel ocupado por um supermercado — está tudo à venda.

O hospital Márcio Cunha, fundado pela Usiminas em 1965, deve ser mantido, já que não dá prejuízo. “Tem de cortar tudo. Esses ralos acabam com o lucro”, diz um executivo da Usiminas. 

O clima ruim se repete da porta da empresa para dentro. Os argentinos contrataram os bancos de investimento BTG Pactual e J.P. Morgan para assessorá-los na venda das divisões mecânica, que produz de pontes de aço a vagões ferroviários, e automotiva, que fabrica autopeças.

Os dois negócios, juntos, valem 1,2 bilhão de reais e não são considerados prioritários. O objetivo é reduzir a dívida. Finalmente, a vida dos executivos ficou mais difícil. Os celulares de dezenas deles receberam um aplicativo para acompanhar em tempo real os resultados de sua área — como os resultados têm sido péssimos, o tal aplicativo está tirando o sono dos executivos.

As áreas comercial e industrial passaram a fazer reuniões semanais com Eguren para checar o cumprimento das metas — o que nunca havia acontecido na empresa. Um executivo apelida esses encontros de “reuniões do arranca-rabo”. 

Para Ipatinga, o choque se torna ainda mais brutal quando a situação atual é comparada à generosidade de anos anteriores. Rinaldo Soares, que comandou a Usiminas entre 1990 e 2008, era mais popular do que o prefeito, mais seguido que o padre. Em 2005, a empresa chegou a lucrar 4 bilhões de reais.


Conhecido como “professor”, Rinaldo emprestava imóveis da empresa a amigos e comandava um amistoso entre seu time e o do governador do estado. Na divulgação de resultados, organizava shows e coquetéis para funcionários. Tamanha caridade servia a um objetivo político.

Até a chegada dos argentinos, os funcionários participavam diretamente da escolha do presidente da Usiminas. O populismo, portanto, era tática de sobrevivência. Como a fase era boa, Ipatinga se habituou a uma fartura que não faz sentido em tempos de aperto, como o atual. 

Ano decisivo

A vida não está fácil para as siderúrgicas em qualquer canto. No Brasil, as empresas locais vêm sofrendo com a concorrência do aço chinês, que chega ao país mais barato do que o produzido por aqui. Nos últimos cinco anos, a produção de aço fora da China caiu, em média, 30% e o preço de matérias-primas, como minério de ferro e carvão, subiu até 125%.

O que torna as coisas ainda mais difíceis para a Usiminas é que, ao contrário de concorrentes como a CSN, a empresa não tem produção autossuficiente de minério de ferro e fica exposta às variações de preços. Em tempos de minério barato e aço caro, isso não era um problema. Quando o que acontece é o contrário, vira um drama. 

O ano de 2013 é decisivo para o Techint, que já prometeu aos principais acionistas da Usiminas que a empresa voltará a dar lucro até dezembro. O grande desafio imediato, porém, é diminuir o peso da dívida — quase 2 bilhões de reais vencem até 2014.

“Nos­sa estratégia é simples: gerar caixa, reduzir a dívida e vender ativos não operacionais”, afirma Ronald Seckelmann, vice-presidente de finanças e relações com investidores. O mercado ainda está cético: dos 15 analistas que acompanham a empresa, apenas dois recomendam a compra das ações. As coisas, portanto, podem piorar para os 241 538 habitantes de Ipatinga.

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