Revista Exame

Os Estados Unidos de volta à vida

Com a melhora do PIB americano, o banco central promete acabar com os estímulos — mas restam dúvidas se o país voltará ao ritmo pré-crise

Fábrica da GM nos Estados Unidos: embalada pela queda do preço da energia, a  indústria está em alta (Bill Pugliano/Getty Images)

Fábrica da GM nos Estados Unidos: embalada pela queda do preço da energia, a indústria está em alta (Bill Pugliano/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 6 de outubro de 2014 às 06h00.

São Paulo - Janet Yellen, de 68 anos, presidente do Federal Reserve, o banco central americano, decidiu estudar economia na década de 60 motivada pelo plano de ser servidora pública e, ainda na graduação, começou a nutrir o desejo de trabalhar no Fed.

Após uma sólida carreira na academia, assumiu a instituição de seus sonhos em fevereiro deste ano e, nos últimos meses, vem sendo muito elogiada. Mas nessa trajetória de pura obstinação a grande emoção está guardada para os próximos capítulos.

Cabe a Janet pilotar o banco central num momento de muitas perguntas e poucas certezas: a recuperação da crise de 2008 é robusta? Qual será o momento adequado para elevar os juros? A economia voltará a crescer no ritmo pré-crise? 

A primeira grande medida anunciada por Janet foi bem-aceita. Em julho, o Fed declarou que o quantitative easing, o maior programa de estímulos econômicos da história, acabará em outubro.

Em 2008, com a taxa de juro já perto de zero, o Fed decidiu adotar medidas extraordinárias para reativar a economia e reduzir o desemprego. Iniciava-se ali a massiva compra de títulos do governo e de títulos lastreados em hipotecas em poder dos bancos. O objetivo era aumentar o dinheiro em circulação e, assim, estimular a concessão de crédito e o consumo.

Depois de seis anos e de 3,5 trilhões de dólares investidos nessa operação, o Fed concluiu que a missão foi cumprida e que é chegada a hora de parar de injetar dinheiro. Tomando a atual cautela dos investidores como termômetro, parece haver consenso de que a decisão veio em boa hora.  

A economia americana, de fato, dá sinais de que engatou uma primeira. No ano passado, o PIB expandiu 1,9%, e a previsão para este ano é que o consumo e o investimento elevem o crescimento para cerca de 3%. A atividade industrial está, depois de altos e baixos, numa trajetória ascendente.

As famílias conseguiram renegociar suas hipotecas e o endividamento voltou ao nível médio dos últimos 20 anos. No começo deste mês, o censo americano divulgou que, em 2013, a renda dos domicílios cresceu 0,3%. Estatisticamente, é um número irrisório. Simbolicamente, tem uma força considerável — é a primeira vez, desde 2007, que as famílias ganham mais.

Em meio a esse clima mais otimista, a taxa de desemprego tem caído. Em agosto, fechou em  6,1%. Para um país que acabou de enfrentar a recuperação mais lenta do pós-guerra, a vida parece bem melhor.

Com a economia aparentemente entrando numa nova fase, a pergunta do mercado é quando o banco central voltará a aumentar a taxa de juro. Mas, quando a conversa chega a esse ponto, sobram incertezas. Dentro do Fed, os economistas se dividem entre hawks (falcões) e doves (pombos).

Para os falcões, as duas metas do Fed — 2% de inflação com taxa de desemprego entre 5% e 6% — estão perto de ser atendidas e é hora de pensar seriamente em começar a elevar os juros. Dinheiro barato por muito tempo, argumentam, costuma ser terreno fértil para futuras bolhas porque os investidores passam a arriscar mais para conseguir retornos maiores.

Os pombos reconhecem os perigos do excesso de liquidez, mas dizem que a taxa de desemprego não é um indicador confiável para medir a quantidade de pessoas sem trabalho. A recessão foi forte, muitas pessoas estão há muito tempo desempregadas, sentem-se despreparadas e não aparecem nas estatísticas simplesmente porque pararam de procurar uma vaga.

Para os pombos (acredita-se que a presidente Janet seja um deles), uma elevação da taxa de juro fora de hora pode piorar a situação. Como essa é a visão majoritária no Fed, Janet tem sido impassível diante da pressão para sinalizar a subida dos juros.

“Por ora, o Fed tem sido muito cuidadoso para não dizer nada que aumente a volatilidade dos mercados”, afirma Ricardo Caballero, professor de economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). 

Vencedores e perdedores

Embora os números agregados da macroeconomia tenham mesmo um viés positivo, uma análise mais detalhada do que acontece no país ainda suscita preocupação. Um estudo recém-divulgado pelos professores Michael Porter e Jan Rivkin, da Universidade Harvard, revela quem são os vencedores e os perdedores da atual recuperação.

Presidente do Federal Reserve, Janet Yellen: até aqui, ela só ganhou elogios (AFP/Arquivos)

Porter e Rivkin defendem que o país se encontra dividido — de um lado estão os trabalhadores qualificados, os grandes conglomerados e o setor de tecnologia, que seguem a todo vapor; de outro, os empregados com baixa escolaridade e as pequenas empresas, em dificuldades.

“É a primeira vez na história recente americana que as grandes empresas vão bem e os trabalhadores vão mal. Tradicionalmente, eles sofrem juntos, como ocorreu na Grande Depressão, ou prosperam lado a lado, a exemplo do que aconteceu no pós-guerra”, afirma Rivkin.

No último censo, o número de empresas com mais de 500 funcionários cresceu 2,5%, enquanto o grupo das companhias com menos de 20 contratados encolheu 1%. Isso, dizem os autores, tem a ver com uma mudança estrutural. A globalização permitiu que as grandes corporações se movessem pelo mundo em busca de sistemas tributários mais benéficos e estruturas produtivas mais baratas.

Já nas operações que foram mantidas nos Estados Unidos, elas passaram a exigir um trabalhador mais escolarizado. “Olhando para a frente, há várias razões para ficar reticente com o desempenho do PIB americano”, diz Barry Eichengreen, professor de economia da Universidade da Califórnia.  

No fim de 2013, Larry Summers, ex-assessor econômico do presidente Barack Obama, levantou a hipótese de que os Estados Unidos possam repetir nos próximos anos o pífio desempenho visto no Japão desde os anos 90.

Para ressaltar seu ponto, resgatou o conceito de “estagnação secular”, criado nos anos 30. Summers suspeita que o pleno emprego só poderá ser atingido com a manutenção de taxas de juro reais negativas.

Essa sua provocação deu início a um debate econômico que está entre os mais quentes do momento. No livro Secular Stagnation: Facts, Causes and Cures (“Estagnação secular: fatos, causas e curas”, numa tradução livre), publicado em setembro, autoridades no assunto, como o Nobel Paul Krugman e Edward Glaeser, de Harvard, dão seus vereditos.

Krugman acha que o perigo de estagnação é grande e pede mais relaxamento na política monetária; Glaeser, confiante no papel da inovação, diz que não é para tanto.

Todo esse barulho torna evidente quão difícil é a posição de Janet: ela precisa manter a recuperação viva e, ao mesmo tempo, trabalhar para dissipar as dúvidas sobre o crescimento dos Estados Unidos no longo prazo. E Janet nem pode reclamar. Não foi ela que, ainda jovem, começou a sonhar com esse emprego?

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