Revista Exame

Os empregos sumiram nos Estados Unidos

A recessão terminou há mais de um ano, mas o índice de desemprego permanece muito alto nos Estados Unidos. O que está errado?

Obama: a oposição republicana é ferozmente contra qualquer tipo de ajuda governamental (Chip Somodevilla/Getty Images)

Obama: a oposição republicana é ferozmente contra qualquer tipo de ajuda governamental (Chip Somodevilla/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 25 de agosto de 2011 às 15h19.

A recessão nos Estados Unidos acabou formalmente em junho de 2009, de acordo com o Departamento Nacional de Pesquisas Econômicas. O anúncio oficial foi feito apenas no mês passado pelo conselho de estatísticos que decreta tais datas, mas, se você perguntar a qualquer americano nas ruas, a resposta vai ser bem diferente.

As planilhas podem contar uma história otimista, mas é no trabalho que a economia vira realidade para o cidadão comum. E nunca foi tão difícil encontrar trabalho. Os índices de desemprego continuam nas alturas para os padrões do país. A taxa de setembro acaba de ser divulgada e ficou na mesma: 9,6%. Demitir em tempos de crise é a reação automática das empresas, e ninguém faz isso com mais rapidez e facilidade do que as companhias americanas. Mas elas também recontratam com a mesma velocidade.

Ou recontratavam. O desemprego de longo prazo, que dura mais de seis meses, está nos níveis mais altos desde a Grande Depressão. Alguns economistas preveem que a taxa média de 5% de desemprego do pré-crise só voltará em cinco anos. Outros falam em sete ou oito. O país se recuperou com vigor das últimas recessões na me mória recente.

Desta vez, o quadro é mais sombrio. “A Grande Depressão durou dez anos”, diz o economista Edward Prescott, vencedor do prêmio Nobel em 2004. “A não tão grande depressão atual pode ter a mesma duração.” Os americanos temem estar às portas de uma era de desemprego, com sequelas que podem se estender por gerações no futuro.

Os dados mais recentes apontam que, de cada 100 pessoas em busca de trabalho, apenas 24 conseguiram encontrar recolocação em um mês. Quanto mais tempo uma pessoa fica sem emprego, maior é a dificuldade de se recolocar. Quanto mais tempo sem trabalho, maior é a chance de que ela não consiga deixar essa situação.

Essa pressão social levou o governo Barack Obama a estender o seguro-desemprego de 26 para até 99 semanas, um benefício parecido com o que se encontra na França, país que sempre esteve no extremo oposto no que diz respeito a programas de compensação desse tipo. Robert Barro, professor da Universidade Harvard, escreveu num artigo recente que, se o benefício fosse mantido em 26 semanas, o índice de desocupação seria de 6,8%, não 9,5%.


Barro argumenta que esse tipo de dinheiro desestimula as pessoas a procurar emprego, ou pelo menos as torna seletivas demais em relação às ofertas existentes. Heidi Shierholz, do centro de estudos conomic Policy Institute, defende o contrário. “Esse dinheiro vai justamente para as pessoas que mais precisam, e elas não vão ter alternativa senão gastá-lo. Volta tudo imediatamente para a economia, e isso ajuda a criar empregos”, diz Shierholz. “São dois benefícios pelo preço de um.”

Mas essa promoção vai custar caro: 34 bilhões de dólares para um período que vai apenas até o final de novembro. A um mês de uma crucial eleição legislativa, se existe uma palavra que os políticos americanos evitam pronunciar é “ajuda”. Um dos pilares da campanha do Partido Republicano, de oposição, é atacar o pacote de salvamento dos bancos e o consequente aumento de impostos.

Nem mesmo obras de infraestrutura consideradas importantes estão escapando. Chris Christie, governador de Nova Jersey e uma estrela republicana ascendente, retirou no começo deste mês seu apoio à construção de um túnel para ligar o estado a Manhattan. Disse que não teria condições de arcar com o estouro previsto no orçamento do projeto.

O túnel era a maior obra viária em andamento no país e beneficiaria centenas de milhares de moradores do estado com uma redução de quase 1 hora no trajeto de ida e volta para o trabalho. Cerca de 10 000 empregos seriam criados. O número é pequeno diante de 1,5 milhão de trabalhadores da construção civil que estão parados desde o estouro da bolha, mas ilustra a profunda divisão política dos Estados Unidos. A ajuda do governo, se vier, vai depender de muito contorcionismo da parte de Obama.

Outra questão que preocupa os economistas é o fato de haver vagas em aberto, mas não pessoas aptas a ocupálas. Duas das teorias levantadas pelos economistas têm relação direta com a bolha imobiliária. A primeira é o simples sumiço dos empregos de construção e finanças, como nota um artigo publicado por Michael Elsby, da Universidade de Michigan, e dois coautores, dos bancos centrais de Nova York e São Francisco.

Tanto os trabalhadores braçais como os que atuavam na “linha de produção do conhecimento”, postos administrativos e de salários mais baixos, terão de aprender a desempenhar novas funções. “Criar um sistema que permita educação e treinamento ao longo da vida é um desafi o enorme e fundamental”, diz Raymond Torres, autor do relatório anual da Organização Internacional do Trabalho sobre o estado do emprego no mundo.


“Ainda mais quando se considera que as pessoas têm trabalhado até os 65, 67 anos, uma idade bastante avançada.” A segunda explicação é a mobilidade reduzida das famílias americanas. Entre março de 2007 e março de 2009, o país registrou o menor índice de mudanças desde que o dado começou a ser compilado, em 1947.

A razão? Suas casas estão “submersas”. Elas não estão debaixo d’água literalmente, mas foram atingidas pelo tsunami financeiro. Muitas residências agora valem menos do que as dívidas que seus proprietários têm para pagar. “As pessoas simplesmente não podem procurar emprego em outras cidades porque estão presas pelos fi nanciamentos da época da bolha”, diz Howard Wial, do centro de pesquisas econômicas Brookings Institution.

Pobres moços

A situação de alto desemprego pode deixar sequelas que persistem muito tempo depois de recuperados os índices oficiais. Lisa Kahn, da escola de administração de Yale, comparou os salários dos jovens que se formaram antes, durante e depois da recessão do começo dos anos 80. Para aqueles que deixaram a universidade durante a recessão, 1 único ponto percentual a mais na taxa de desemprego oficial representou um salário entre 7% e 8% menor em comparação com aqueles que tiveram a sorte de acabar os estudos depois da crise.

Os que deixaram a escola no auge da recessão chegaram a ter salários 25% mais baixos. Mas o efeito não para por aí. Nos anos seguintes, a diferença continuou significativa. Lisa notou que a disparidade salarial se manteve até 18 anos depois da formatura, ainda que menor.

O estudo apontou também que os formandos das épocas de pouco emprego muitas vezes são obrigados a aceitar ofertas em empresas ou funções menos prestigiadas, o que pode ser um problema mais adiante. “Nos primeiros dez anos de trabalho, os indivíduos conseguem 70% dos aumentos no salário”, conclui um estudo semelhante realizado por três economistas do Departamento Nacional de Pesquisas Econômicas. A sorte importa — para azar de quem está se formando agora.


Falhas estruturais

Os mesmos homens-planilha que determinaram o fim da crise afirmam que, se houver uma nova contração, ela será uma recessão diferente, uma nova recessão. A recuperação na forma de letra V, rápida e decisiva, parece afastada. Ainda há a possibilidade de os gráficos desenharem um W, com um respiro e então nova queda.

Robert Reich, exsecretário do Trabalho no governo Bill Clinton, escreveu recentemente em seu blog que o mais provável é uma letra X: os danos são estruturais, e não vai haver saída definitiva enquanto não se encontrar um novo modelo de crescimento. Numa palestra recente em Nova York, Reich apontou as semelhanças entre a crise de 1929 e a atual: então, como agora, o 1% dos americanos mais ricos concentra 25% da riqueza gerada.

Reich, que na política americana pode ser encaixado à esquerda dos democratas, defende uma política agressiva de distribuição de renda e de taxação. “Não se trata simplesmente de tirar dos ricos e dar aos pobres”, diz Reich, “mas de permitir que o americano médio possa consumir sem se atolar em dívidas”.

Como é sabido, foi o consumo irresponsável, em boa parte lastreado no valor irreal dos imóveis, que levou ao estouro da bolha. “Entre 2002 e 2007, os americanos tomaram 2,3 trilhões de dólares em empréstimos contra suas casas”, diz Reich. “Transformaram as casas em caixas automáticos.”

O que ele não responde é como reduzir essa desigualdade se quase 10% da população economicamente ativa não tem renda. Leo S. Tilman, da Universidade Columbia, concorda que existe um problema fundamental com a economia  americana, mas seu diagnóstico é um pouco diferente. Em um artigo que escreveu em parceria com Edmund Phelps, Nobel de Economia de 2006, ele argumenta que a economia americana está perdendo seu dinamismo.


“A agricultura e a compra de casas sempre receberam apoio do governo”, afirma Tilman. “É hora de fazer o mesmo com o empreendedorismo.” Tilman defende uma volta ao que se entendia por banco no começo do século passado: uma instituição que emprestava dinheiro e financiava novos negócios. “Infelizmente, a maioria das instituições financeiras não está preparada para investir em empreendimentos na escala que seria necessária, e os profissionais que nelas trabalham estão concentrados em outras atividades.” Somente com um maior fluxo de dinheiro para a economia real, argumenta Tilman, existe a possibilidade de criar empregos em quantidade sufi ciente.

E o número é grande. O volume de americanos empregados, hoje, é o mesmo de 11 anos atrás, mas a população aumentou em 28 milhões de habitantes. O crescimento dos países emergentes certamente vai ajudar na recuperação de empregos em setores da manufatura que ainda são competitivos.

Mas a globalização é vista cada vez com mais reservas pelos americanos. Uma pesquisa recente do The Wall Street Journal indicou que 53% da população do país acredita que os acordos de livre comércio prejudicam os Estados Unidos. Em 1999, apenas 32% da população pensava assim. Essa mudança de atitude, associada ao acirramento das divisões políticas, pode dar força aos defensores do protecionismo.

A pressão sobre o sistema de pensões também deve aumentar, uma vez que os mais velhos que não conseguem encontrar emprego podem decidir pela aposentadoria mais cedo. O déficit da Seguridade Social, a Previdência do governo americano, estava previsto para 2016, mas deve acontecer bem antes disso.

Parece consenso que a situação deve no mínimo manter-se inalterada, ou até mesmo piorar, antes de uma melhora. "Os americanos sempre acreditaram que o desemprego fosse uma situação temporária, de curta duração", diz Wial, do Brookings Institution. Com certeza, essa não é mais uma certeza.

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