Revista Exame

O Twitter pode nos tornar pessoas mais legais?

Após 15 anos sendo uma rede propícia a brigas e polêmicas, o Twitter tenta mudar o próprio comportamento. Pode ser um passo para reduzir o clima beligerante nas redes (e na sociedade)

Jack Dorsey, fundador do Twitter: a busca por curtidas, admite, não contribui para uma relação saudável na rede  (Joe Raedle/Getty Images)

Jack Dorsey, fundador do Twitter: a busca por curtidas, admite, não contribui para uma relação saudável na rede (Joe Raedle/Getty Images)

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Bloomberg

Publicado em 18 de novembro de 2021 às 05h55.

O Twitter é ótimo para muitas coisas. É um dos melhores lugares da internet para obter notícias. Está cheio de comentários engraçados e interessantes de comediantes, celebridades e jornalistas. Também é um ótimo lugar para ver as pessoas zombarem implacavelmente umas das outras e muito bom para começar uma briga com um estranho. Nenhuma outra tecnologia é chamada de latrina com mais frequência. O aplicativo é uma ótima latrina.

Mas o Twitter está tentando mudar isso. O aplicativo já passou 2020 testando ajustes sutis em produtos idealizados para encorajar um comportamento online mais saudável. Ele agora alerta as pessoas que estão prestes a retuitar informações incorretas sobre tópicos como eleições e covid-19, e recentemente começou a pedir às pessoas que realmente lessem os artigos antes de retuitá-los. Em alguns casos, se os usuários tentam tuitar algo maldoso ou ofensivo, os pop-ups automatizados agora pedem a eles que pensem duas vezes antes de finalizar a ação.

Essas mudanças podem parecer irrelevantes, mas são radicais no que diz respeito às empresas de tecnologia. As grandes redes sociais — Facebook, Twitter e YouTube — historicamente contam com regras para manter os usuários na linha que, mesmo assim, nem sempre são claras ou aplicadas de forma consistente. Mas o Twitter é incomum porque está explorando mudanças que desencorajam os usuários de fazer provocações deliberadas ou beligerantes — comportamentos que o serviço (assim como seus pares) tacitamente encoraja ao transformar o número de seguidores e curtidas em uma espécie de jogo. O CEO e cofundador, Jack Dorsey, disse que a proeminência dessas métricas, pensando bem, foi um erro. “As curtidas não forçam o que acreditamos agora ser a coisa mais importante, que são a contribuição saudável e o diálogo de volta para a rede”, disse ele em uma conferência de 2019. Como diz o chefe de produto do Twitter, Kayvon Beykpour, a empresa quer “incorporar saúde da forma mais natural ao produto”.

Em outras palavras, o Twitter está tentando o que pode parecer impossível: fazer com que seus usuários se tornem pessoas legais — ou, pelo menos, mais legais. O desafio pode parecer cômico para uma rede social mais conhecida pela belicosidade de Donald Trump, que finalmente foi banido no início de 2021. O Twitter é o lar do “coeficiente” e o berço da “enterrada”. Ser avaliado é ter milhares de estranhos gritando com você por dizer algo sobre bitcoin, mudança climática, covid-19 ou qualquer outro assunto controvertido. Ser enterrado é quando alguém pega seu tuíte e adiciona o próprio comentário, geralmente acrescentando um insulto inteligente ou espirituoso — embora nem todas as enterradas sejam espirituosas. Entre as mais populares está o clássico “F--- -se”.

Quando precisar, enterre, mas os esforços do Twitter aqui parecem um pouco promissores, especialmente à luz das novas revelações da denunciante do ­Facebook, Frances Haugen, sobre a relutância da empresa em fazer qualquer coisa sobre seu impacto na saúde mental e na disseminação de desinformação. Se o Twitter pudesse de alguma forma tornar as pessoas mais civilizadas, isso teria implicações para o Facebook e outras empresas. “Não sabemos se esses ajustes apenas produzem, principalmente, boas relações públicas para o Twitter, ou se eles podem estar fundamentalmente mudando as coisas na direção certa”, diz Susan Benesch, docente associada do Centro Berkman Klein para Internet & Sociedade, em Harvard. “Somente o Twitter pode realmente descobrir isso.”

Em seus primeiros anos, curtidas e número de seguidores eram a principal atração do Twitter. Eles davam aos recém-chegados uma noção de afirmação — e a perspectiva de acumular um público gigante atraiu celebridades e líderes mundiais. Em 2009, o ator Ashton ­Kut­cher foi apelidado de Rei do Twitter­ pela Rainha da Televisão Diurna, Oprah Winfrey, quando derrotou a CNN em uma corrida para se tornar dono da primeira conta com 1 milhão de seguidores. Ele comemorou a façanha estourando uma garrafa de champanhe em uma transmissão ao vivo.

Em retrospecto, a façanha provavelmente ajudou a normalizar o comportamento doentio, mas de volta aos escritórios do Twitter em São Francisco os executivos estavam felizes por estar crescendo rapidamente. “Se soubéssemos que nosso pequeno projeto se tornaria um grande negócio — o que foi um exagero na época —, então, sim, eu gostaria de ter refletido e dito: ‘O que gostaríamos que as pessoas idealmente fizessem?’”, relembra o cofundador Biz Stone. Como Dorsey, Stone sabia que exibir métricas como a contagem de seguidores de um usuário significava que as pessoas tentariam aumentar esses números. Simplesmente não parecia ser um problema na época. “Nós achávamos que era divertido”, diz Stone.

O que atraiu Kutcher e outras pessoas famosas em 2009 foi a mesma coisa que atrai os usuários hoje: alcance. Não apenas é possível reunir uma plateia como também existe um mecanismo, o retuíte, para levar sua mensagem para além de seus fãs. Retuítes ocorrem quando um usuário do Twitter transmite a mensagem de outra pessoa para seus seguidores, e também são ideais para espalhar informações incorretas e encorajar o assédio. Enterradas são apenas retuítes com um monte de zombarias por cima.

Frances Haugen: ela expôs a relutância do Facebook em atacar a desinformação e melhorar a saúde mental dos usuários (Jabin Botsford-Pool/Getty Images)

O retuíte evoluiu organicamente. Nos primeiros dias do Twitter, as pessoas repostavam manualmente digitando o tuíte original e adicionando “RT” e o nome da pessoa antes de enviar. O Twitter decidiu tornar isso mais fácil e contratou o desenvolvedor de software Chris Wetherell para liderar o projeto. Wetherell, que agora dirige a startup de áudio Myxt, mais tarde teria dúvidas, embora os retuítes não parecessem perigosos na época. “O ­Twitter não era conhecido por ser um lugar em que muitos prejuízos pudessem ocorrer”, diz ele. Seus colegas de trabalho e superiores pareciam mais preocupados em acompanhar o ­Facebook, lembra Wetherell, e os usuá­rios só queriam que suas curtidas e seus seguidores conti­nuassem aumentando.

Foi somente depois que ­Wetherell viu como os retuítes podiam rapidamente espalhar o ódio — durante o GamerGate, uma campanha de trollagem de 2014 ­— que ele de fato começou a se preocupar. Trolls da direita alternativa assediaram desenvolvedoras de jogos e jornalistas, publicando seus endereços residenciais e até ameaçando matá-las ou estuprá-las. Uma proeminente desenvolvedora, Zoë Quinn, teve de abandonar a própria casa por causa dessas ameaças. Enquanto isso, o ­Twitter não parava de crescer. “As empresas de mídia social não têm um interesse óbvio no que nos tornamos quando usamos seus produtos”, diz Wetherell­. “Se as pessoas se tornassem radicais e abandonassem a verdade, as empresas não seriam prejudicadas, porque muitas vezes as pes­soas indignadas usam mais esses produtos.”

Pouco antes da eleição de 2020 nos Estados Unidos, a empresa iniciou um teste em que mostrava um pop-up quando o usuário tentava retuitar uma notícia sem abri-la. “As manchetes não contam a história toda”, dizia o alerta. O Twitter afirma que o objetivo era “promover uma discussão com informação”, uma maneira educada de dizer que o objetivo era reduzir o compartilhamento de informações incorretas e manchetes inflamadas.

Ashton Kutcher: o ator foi o primeiro a ter 1 milhão de seguidores no Twitter, no distante ano de 2009 (Jon Kopaloff/Getty Images)

O alerta foi eficaz. “As pessoas que o viram abriram artigos com frequência 40% maior”, disse a empresa ao anunciar que a mudança se tornaria permanente. Outro teste da mesma época focado no retuíte levou a resultados mais ambíguos. Quando as pessoas clicavam para retuitar, o Twitter abria automaticamente uma caixa de texto incentivando-as a adicionar seus próprios comentários à postagem (conhecido como “tuíte de citação”), em vez de apenas compartilhá-la. “O aviso levou a um aumento de 26% nos tuítes de citação e a uma diminuição de 23% nos retuítes”, segundo o Twitter, mas no total os tuítes e retuí­tes de citação diminuíram 20%. Foi um sinal claro de que o alerta estava ­desencorajando as pessoas de simplesmente repassar a postagem de outro usuário para seus próprios seguidores. O Twitter reconheceu que “desacelerou a disseminação de informações enganosas em virtude de uma redução geral na quantidade de compartilhamentos no serviço”. No entanto, o Twitter acabou abandonando o alerta, alegando que muitas pessoas não adicionavam realmente seus próprios pensamentos a uma postagem antes de compartilhá-la. Na verdade, 45% desses tuítes de citação continham apenas uma palavra. “Os tuítes de citação não parecem aumentar o contexto”, concluiu a empresa.

Outros testes tiveram mais sucesso. Se alguém tentar dizer algo que o Twitter considere ofensivo em resposta a um tuíte, a empresa interferirá. Ela usa um software para detectar palavrões, calúnias e epítetos. “Não prefere revisar isso antes de postar?”, pergunta o aviso na tela. A intervenção parece funcionar: em 34% dos casos, as pessoas editam suas postagens ou não as enviam de jeito nenhum, segundo o Twitter. Outro teste iniciado em outubro, de acordo com a empresa, tenta alertar as pessoas sobre a “vibração” de uma conversa antes que elas entrem no papo, usando um algoritmo com base no tópico do tuíte e na relação entre o autor do tuíte e quem respondeu, para detectar se uma conversa pode ficar acalorada ou intensa. Apropriadamente, o Twitter foi esquecido por usuários que apontaram que a plataforma ainda não permite que um tuíte seja editado depois de enviado. “É possível que todos possamos obter um botão de edição?”, tuitou @AngryBlackLady. Resposta do Twitter: “Estamos apresentando o vibe-o-matic 3000”.

Outras correções tentaram resolver o problema do “cara da resposta”. O problema, um subconjunto do coeficiente, envolve homens (rapazes que respondem) que gritam e se queixam de estranhos (geralmente mulheres) em todas as oportunidades. Há dois anos o Twitter começou a permitir aos usuários que ocultem as respostas em suas postagens, e agora está testando um sistema de votação pelo qual as pessoas podem “votar negativamente” nas respostas, que é usado para decidir quão proeminentes elas devem ser. O que, exatamente, o Twitter está tentando eliminar? “Respostas de baixa qualidade”, tuitou Beykpour. “Comportamento idiota ou comentário irrelevante.”

Beykpour tende a enfatizar que as novas intervenções do Twitter são modestas — que ele chama de “lombadas” —, mas representam uma mudança radical na estratégia de uma rede social. As empresas de tecnologia geralmente projetam produtos que levam as pessoas a interagir com mais frequência e rapidez. Saliências de qualquer espécie não são naturais. “É um pouco contraintuitivo para designers, porque geralmente queremos um design para produzir engajamento”, diz Anita Patwardhan Butler, diretora de design para “saúde”, palavra que o Twitter usa em seu esforço para tornar as pessoas mais agradáveis umas com as outras.

Nem todas as mudanças são tão simples quanto ajustar o design. O site tem funcionado historicamente como um lugar em que as pessoas seguem outras pessoas, mas a empresa adicionou “tópicos” para que os usuários possam seguir tuítes sobre uma área de interesse em vez de uma pessoa. Também está construindo “comunidades”, nas quais as pessoas podem compartilhar tuítes com pequenos grupos com um interesse comum. Em ambos os casos, os recursos diminuem a necessidade de seguir outros usuários individualmente.

“Alterar a mentalidade dos seguidores será uma grande e crucial mudança, e levar as pessoas a seguir os tópicos poderá diminuir a importância da contagem de seguidores e, ao mesmo tempo, ajudá-las a encontrar o que é importante com mais rapidez”, disse Dorsey em 2019 . “Mais relevância significa menos tempo na plataforma, e isso é perfeitamente normal.”

Mas será mesmo? Assim como o Facebook, o Twitter ganha dinheiro com publicidade e, quanto mais tempo as pes­soas passam no Twitter, mais anúncios são exibidos. Tem sido um lucrativo modelo de negócios — o Twitter gerou mais de 1 bilhão de dólares em receita de publicidade no segundo trimestre, embora isso represente uma gota no oceano em comparação com os 28,6 bilhões do Facebook no mesmo período. “É um conflito que pode não ser resolvido”, diz Rebekah Tromble, professora na Universidade George Washington que há anos estuda o Twitter. “Até que o modelo de negócios mude de modo que as pessoas não sejam mais incentivadas a repetidamente dizer coisas ultrajantes, o Twitter — e quase todas as outras grandes plataformas de mídia social — provavelmente nunca será um lugar verdadeiramente saudável”, diz ela.  

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