Revista Exame

O trainee quer o quê?

Dinheiro é bom, mas o que vale é o desenvolvimento. Além de uma visão ampla do negócio e, claro, uma carreira de sucesso

Será que a nossa visão sobre trainees foi atualizada, ou ficou presa ao passado, quando um bom salário bastava para atrair talentos? (Lumezia/Getty Images)

Será que a nossa visão sobre trainees foi atualizada, ou ficou presa ao passado, quando um bom salário bastava para atrair talentos? (Lumezia/Getty Images)

Sofia Esteves
Sofia Esteves

Fundadora e Presidente do Conselho Cia de Talentos/Bettha.com

Publicado em 28 de julho de 2023 às 06h00.

É um modelo consagrado no meio corporativo. Muitas pessoas querem ser trainees porque sonham com uma rápida ascensão na empresa e um pacote de remuneração bem atraente. A proposta foi inspirada, lá atrás, nos modelos de carreira fast-track, surgidos nos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial por causa da necessidade crescente de atrair talentos para tornar as organizações mais competitivas na disputa dentro do mercado pós-guerra.

Mesmo tantos anos depois, essa receita continua enchendo os olhos de muitos talentos famintos por uma escalada veloz na carreira. Porém, tenho uma notícia para as empresas: salário e cargo não são os únicos ingredientes que tornam a experiência da nossa juventude prazerosa. Na verdade, nos últimos tempos, um tempero especial se destaca: o desenvolvimento. E não estou me referindo apenas às hard skills, mas principalmente àquelas chamadas de soft skills.

Mais do que salário e benefícios diferenciados, a principal expectativa em relação ao programa de trainee é que ele promova desenvolvimento e formação profissional de maneira ampla. Nossos talentos querem ter (dinheiro, prestígio, bens...), mas antes eles querem ser (profissionais experientes, habilidosos…). Entender isso é fundamental para que as organizações repensem a estratégia da iniciativa e continuem atraindo as melhores pessoas para lidar com seus desafios.

Essa foi uma das descobertas do estudo que a Cia de Talentos realizou com foco nos programas de trainees. Entre muitas questões, queríamos entender as percepções de quem já passou pela experiência. Será que as expectativas dessas pessoas foram atendidas? Quais foram os maiores ganhos? Quais iniciativas foram mais relevantes para o desenvolvimento desses talentos?

Para responder a essas e a outras perguntas, falamos com 748 trainees — 376 deles já tinham concluído a formação. Ao questionarmos o grupo de ex-trainees sobre qual tinha sido a principal expectativa sobre o programa, chegamos a este resultado:

• 34% disseram que esperavam passar por um bom programa de desenvolvimento e formação;

• 19% gostariam de ter uma visão ampla do negócio;

• 16% desejavam assumir um cargo de liderança rapidamente;

• 12% queriam participar de projetos estratégicos e de impacto.

E, bem depois de outros itens citados, veio um pequeno grupo (5% dos respondentes) destacando o pacote de remuneração.

A surpresa não foi em relação à opção mais mencionada. Afinal, sabemos que, cada vez mais, as pessoas buscam experiências profissionais que as desenvolvam e as ajudem a alcançar seus potenciais. O que chamou a nossa atenção foi a distância desse primeiro item (“um bom programa de desenvolvimento e formação”) para “pacote de remuneração e benefícios diferenciados”. Um sendo citado por 34% dos pesquisados e o outro por apenas 5%.

Não à toa, quando perguntamos quais foram as três iniciativas de desenvolvimento mais relevantes na vivência como trainee, o segundo item mais citado foi “treinamentos comportamentais” (59%), logo atrás de “job rotation” (79%). Aqui, o que saltou aos olhos foi como as soft skills pesaram bem mais do que as hard: esta segunda foi citada por 43% das pessoas. E vejam que curioso: a formação em escolas de negócio foi considerada relevante para apenas 19% do público.

Interessante notar como, mesmo no começo da vida profissional, a preocupação com o aspecto comportamental já é presente — e isso pode ser fruto justamente da experiência dentro das organizações. É que esses talentos parecem perceber que precisam de outras habilidades, além dos conhecimentos técnicos, para ter um bom desempenho na carreira.

Tal análise se baseia em outros dados da pesquisa. Em uma das questões, perguntamos quais foram as cinco habilidades mais importantes no dia a dia de quem já foi trainee, e adivinhem? De novo, a questão das soft skills apareceu, com especial destaque para aquilo que diz respeito aos relacionamentos dentro do ambiente de trabalho e ao autoconhecimento.

Mais do que gestão de projetos, metodologias ágeis ou mesmo foco no resultado, as cinco habilidades consideradas mais relevantes para os jovens na jornada como trainee foram:

• relacionamento interpessoal (76%);

• comunicação e influência (73%);

• inteligência emocional e autoconhecimento (68%);

• liderança (58%);

• protagonismo (43%).

Só que aqui existe um ponto de atenção: nem sempre as ferramentas de que os trainees precisam correspondem ao que é oferecido pelas organizações. Quando analisamos as iniciativas consideradas mais relevantes por quem foi trainee versus as iniciativas que integravam os programas, o que percebemos foi um descompasso em alguns momentos.

Por exemplo, enquanto a formação em escolas de negócio é valorizada por 19% do grupo respondente, 41% das organizações oferecem tal oportunidade. Ou, enquanto 43% acham os treinamentos técnicos relevantes, 79% das empresas apostam nessa ficha.

A conclusão, claro, não é que as empresas precisam atender a cada um dos desejos da juventude, listar todas as “demandas” e ir “ticando” item por item. Os programas de trainee não surgiram só para realizar todo e qualquer sonho dos talentos recém-formados, mas também para atender às necessidades corporativas de uma organização. E cabe à empresa avaliar quais ferramentas e práticas contribuem para a formação de profissionais capazes de superar os desafios atuais do mercado.

O que esses dados mostram, então, é a necessidade de as lideranças atuais refletirem se o que as organizações oferecem atende não só às próprias necessidades mas parte dos interesses de seu público-alvo. Voltando à questão inicial, não é que cargos e salários não importem ou devam ser desconsiderados na estratégia. A questão é quanto nós, como líderes, damos importância para algumas coisas que não são valorizadas pelas pessoas que queremos atrair.

Será que a nossa visão sobre trainees foi atualizada, ou ficou presa ao passado, lá atrás, quando bastava um cifrão com um par de números para conquistar os melhores talentos?

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