Revista Exame

O tamanho da ambição do Brasil

Em um ano que nasce sob o espectro da crise, os emergentes surgem como tábua de salvação. É hora de o Brasil se impor

Dilma Rousseff: o desafio será ir além da agenda do curto prazo (Agência Brasil)

Dilma Rousseff: o desafio será ir além da agenda do curto prazo (Agência Brasil)

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Da Redação

Publicado em 6 de fevereiro de 2012 às 09h10.

São Paulo - Nos últimos meses, com a crise da Grécia tomando proporções épicas, a Europa passou a monopolizar o noticiário econômico global. Com todos os olhos voltados para a operação de salvamento do euro, poucos tiveram tempo para se deter na mais importante resolução saída de Bruxelas, pelo menos no que tange ao Brasil e ao espírito dos tempos atuais.

A partir de 2014, decidiu a Comissão Europeia, será cortada toda ajuda às nações emergentes mais parrudas, em especial China, Índia e Brasil. A decisão, claro, foi premida pelo estado de ânimo dos europeus, cada vez mais às voltas com problemas típicos do Brasil dos anos 80. Mas é também o reconhecimento de que há personagens novos no centro da cena.

No ano que se inicia, o mundo rico dificilmente escapará de uma dose de sofrimento. A novidade é que, pela primeira vez, somos não parte do problema — mas da eventual solução.

Para o Brasil, 2012 será o ano em que afirmaremos o tamanho de nossa ambição. O governo da presidente Dilma Rousseff passou seu primeiro ano administrando uma dura volta à realidade. O mundo cor-de-rosa em que crescíamos quase 8% ficou pelo caminho.

A presidente recebeu uma herança pesada (ou seria maldita?) de seu antecessor — no front econômico, a ameaça inflacionária voltou a preocupar; no político, a sucessão de escândalos que já ceifaram seis ministros quase paralisou a vida em Brasília.

Já sem o constrangimento de ter de agradar ao presidente mais popular da história recente, Dilma terá a oportunidade, agora, de impor sua marca. Será a de quem enfrenta os desafios de fundo de nossa economia — ou a de quem se limita a adotar  medidas de curto prazo para atenuar os efeitos da crise externa, como fizemos em 2008?

Nesse confronto entre tática e estratégia, escolhas terão de ser feitas. Medidas protecionistas, como a adotada na defesa da indústria automobilística em setembro, podem ajudar o caixa de algumas empresas — em detrimento do ambiente competitivo necessário para manter uma economia saudável.

Em meados de dezembro, o governo brasileiro liderou uma contraofensiva para abortar, na reunião da Organização Mundial do Comércio, em Genebra, uma iniciativa de não adoção de medidas protecionistas proposta pela Austrália. Na prática, o Brasil foi para a linha de frente dos que defendem o uso de barreiras ao comércio como forma de enfrentar a crise global.

Se for uma mostra do que virá em 2012, é mau sinal. Temos uma longa — longuíssima — tradição protecionista, que nos legou segmentos inteiros da economia que viviam de drenar recursos do mercado consumidor. Foi só com a abertura dos anos 90 que o Brasil moderno se impôs.


Também está nas mãos do governo a escolha sobre como deverá agir o Banco Central nos próximos meses. O presidente do BC, Alexandre Tombini, passou boa parte de 2011 tentando convencer a plateia de que é, sim, um vigoroso defensor da estabilidade monetária.

Nas últimas semanas do ano, sua posição ganhou força. Diante de um cenário de desaceleração econômica no mundo, a opção da autoridade monetária de cortar agressivamente os juros ao longo do segundo semestre mostrou-se acertada. Ponto para Tombini. Já temos a mais baixa taxa real de juro da história recente.

Ela deve cair mais, para cerca de 3% ao ano. Não se sabe ao certo, porém, o que essa taxa irá representar para a economia. Muitos analistas acreditam em uma nova aceleração inflacionária no segundo semestre de 2012 — e, de novo, o BC será “testado” para mostrar convicção no receituário anti-inflação.

É ótimo que o país consiga retirar uma das principais anomalias de nossa economia, detentora de uma das maiores taxas de juro do mundo. Mas essa é uma trilha a ser seguida com prudência. “Uma das coisas que os economistas podem afirmar com segurança: o Banco Central não cria crescimento no longo prazo”, diz o economista José Márcio Camargo, professor da PUC do Rio de Janeiro. “Por isso, o melhor a fazer é assegurar o ambiente de estabilidade — e deixar o crescimento por conta da iniciativa privada.”

É claro que os governos têm a obrigação de cuidar do dia a dia da economia — aqui ou em qualquer lugar. De forma rasteira, pode-se dizer que essa é a principal mensagem de John Maynard Keynes, o lorde inglês que renasceu no pensamento econômico desde a eclosão da crise financeira de 2008.

Em momentos de retração, dizia Keynes, é imperioso que o governo atue para estimular a demanda — como, aliás, têm feito inúmeros países, até os com longa tradição liberal. Nesse sentido, o governo brasileiro também tem atuado. O recente pacote tributário de estímulo ao consumo, com redução da tributação de eletrodomésticos e alimentos, vai nessa direção.

Também deve impulsionar a atividade a entrada de quase 70 bilhões de reais na economia, provenientes do aumento do salário mínimo e de outros gastos sociais. Para os empresários com altos estoques acumulados — e eles são muitos atualmente —, são notícias alentadoras. O dinheiro chega num momento de desaquecimento, em que a economia brasileira apresenta crescimento zero.

Mas a questão de fundo para o país não é o estado da demanda, mas o da oferta. Nos últimos cinco anos, a taxa de investimento do Brasil tem variado de 17% a 20% do PIB — patamar muito baixo se comparado ao de países de renda semelhante. Na China, os investimentos equivalem a 45% do PIB.


Na Índia, a 30%. Em 2011, apenas 11% das obras do PAC 2 foram concluídas — deixando os quase 90% restantes para ser terminados nos próximos três anos. “O Brasil tem de dar espaço ao investimento privado. Só assim ganhará competitividade global”, diz o economista inglês Jim O’Neill, chefe do departamento de pesquisas do banco Goldman Sachs.

Tornar viável o investimento privado, porém, é uma tarefa complexa. Um trabalho do economista Carlos Rocca, do Centro de Estudos de Mercado de Capitais, indica que, para elevar a taxa de investimento a 25% do PIB, seria necessário dobrar a participação do mercado de capitais. Isso traria um crescimento de 5% do PIB.

“Nosso mercado é tão pequeno que quase metade dos recursos investidos é de capital próprio de empresas que não conseguem se financiar”, diz Rocca.

Já virou clichê afirmar que toda crise traz consigo oportunidades. Mas não há como fugir dele. A nosso favor conta o fato de que poucos momentos parecem tão propícios ao investimento no Brasil como agora. Pelos números do próprio governo brasileiro, a imensa agenda de obras previstas para a Copa de 2014 e para a Olimpíada de 2016 vai demandar 83 bilhões de reais em investimento.

Por outro lado, o baixo crescimento nos países ricos derrubou a demanda por equipamentos no mercado internacional, diminuindo os preços em pelo menos 10%. “No nosso caso, foi ainda melhor. As turbinas eólicas ficaram 20% mais baratas”, diz Sergio Marques, presidente da Bioenergy, que está construindo seis parques eólicos no Nordeste.

As condições para investir também melhoraram. Na Alemanha, os juros para o financiamento de máquinas passaram de 5% para 3% ao ano. No Japão, de 4% para 2%. 

Nos últimos anos, a ciência econômica moderna vem reforçando a importância das reformas para o desenvolvimento. Segundo esse entendimento, períodos de aceleração do crescimento são precedidos de avanços de fundo na economia. Foi assim com o Brasil: sem estabilizar a economia e adotar várias reformas modernizantes, jamais colheríamos o bom momento que vivemos.

O lado negativo da mensagem da teoria, porém, é a constatação de que as reformas precisam ser renovadas  — do contrário, o bom momento se perde. Agora é a hora de escolher o que pretendemos como país. Estímulos de curto prazo, por mais bem-vindos que sejam, são passageiros. O que vai fazer a diferença será o empenho para um novo salto de qualidade.

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