Batista e Meirelles, da J&F: os executivos do grupo terão de prestar contas ao ex-presidente do Banco Central (Daniela Toviansky/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 19 de março de 2012 às 09h45.
Última atualização em 20 de maio de 2017 às 14h46.
São Paulo - "Nossa conversa está indo muito bem. Estou animado. Agora pensa aí num jeito de a gente trabalhar junto.” Foi assim, durante a saída de um almoço no início de dezembro, que o empresário goiano Joesley Batista, presidente do conselho de administração da JBS, maior empresa de carnes do mundo, convidou o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles para juntar-se a ele.
A ideia vinha amadurecendo há pelo menos quatro meses. Os dois haviam se encontrado mais de uma vez por mês ao longo do segundo semestre de 2011, no período de quarentena autoimposta por Meirelles. Pensando se tratar de uma brincadeira, ele respondeu que pensaria no assunto.
Batista telefonou na semana seguinte para reforçar o convite. Outras dez reuniões se seguiram até que, no dia 3 de março, veio o anúncio oficial. O mais longevo presidente do BC comandaria o conselho consultivo da J&F, holding que, além da JBS, controla outras seis empresas do grupo, com uma receita total estimada em 65 bilhões de reais.
Sua função: profissionalizar a companhia, criando mecanismos de tomada de decisão mais independentes, a exemplo do que já fizeram outras grandes empresas familiares brasileiras, como Natura e Gerdau. “O Meirelles não vai ser apenas um consultor. Vai cobrar resultados dos executivos e traçar estratégias para a expansão do negócio”, diz Batista. “Agora é com ele.”
É relativamente fácil entender por que Batista delegou a Meirelles uma tarefa espinhosa como essa. A JBS vem sendo alvo de críticas por ter recebido mais de 5 bilhões de reais em empréstimos do BNDES, a ponto de o braço de participações do banco ter se tornado seu principal acionista individual, com 30,4% das ações.
Um inquérito para investigar um possível favorecimento por parte do BNDES em uma operação de emissão de títulos chegou a ser aberto pelo Ministério Público Federal do Rio de Janeiro em fevereiro do ano passado (a JBS nega).
Ao mesmo tempo, a dívida da empresa, na casa dos 10 bilhões de reais, e a falta de mecanismos de governança têm feito com que as ações do frigorífico penem na bolsa, muito embora a companhia tenha quadruplicado de tamanho desde o IPO, em março de 2007. De lá para cá, os papéis da JBS valorizaram apenas 3%, ante 54% do Ibovespa.
“Meirelles empresta credibilidade ao grupo”, diz um executivo próximo à JBS. “Além de ter excelentes conexões empresariais, ele transita muito bem no governo.” (Meirelles interrompeu a entrevista no dia 9 de março para receber o ministro Fernando Bezerra Coelho, da Integração Nacional, na sede da J&F, no Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo.) O anúncio da chegada de Henrique Meirelles fez com que as ações da JBS subissem até 4,4% na segunda-feira seguinte.
A pergunta que fica, portanto, é: por que Meirelles aceitou a empreitada? Tido como responsável por reduzir a inflação à metade nos oito anos em que esteve à frente do BC e baixar a taxa de juro ao menor patamar da história em 2009, Henrique Meirelles tornou-se uma das figuras mais respeitadas do ambiente empresarial brasileiro — e seu passe vinha sendo disputado por grandes bancos e fundos de investimento.
Em janeiro, estavam em sua mesa outras 12 ofertas de emprego no setor privado, entre elas a presidência no Brasil dos bancos Barclays e Goldman Sachs (este último oferecia ainda um assento no conselho da matriz, em Nova York) e dos fundos Vinci e KKR, que prepara sua estreia no país. Meirelles não comenta as ofertas.
“Em todos esses casos, Meirelles ficaria confinado em um pequeno escritório com um punhado de gente”, diz uma pessoa que acompanhou o processo decisório. “Ele queria projeção internacional, algo que acrescentasse peso à sua imagem.” A julgar pelos planos de Batista, desafio é o que não falta na J&F.
A ideia é que, até 2014, tanto a Flora, de higiene e limpeza, quanto a Vigor, de lácteos, quintupliquem de tamanho. A Eldorado, que eles pretendem transformar na maior fábrica de celulose do mundo, vai começar a operar no fim do ano. O banco Original, com ativos de 2 bilhões de reais, ainda não mostrou a que veio.
E a própria JBS não terminou a faxina após a temporada de aquisições — as margens da companhia, na casa dos 6%, nunca foram tão baixas como nos últimos anos. “Quando assumi o Banco Central, o maior desafio do Brasil era a estabilidade econômica”, diz Meirelles.
“Hoje, é a competitividade das empresas. É aí que eu posso dar minha maior contribuição.” Além da J&F, Meirelles manterá o posto no conselho de administração da Azul Linhas Aéreas e deve ir para o conselho de outras três companhias nas próximas semanas.
Evidentemente, não foi apenas para melhorar a competitividade de uma grande empresa brasileira com projeção global que o ex-presidente mundial do BankBoston aceitou o convite de Batista. Há muito, mas muito dinheiro envolvido na sua contratação. Segundo executivos que acompanharam o processo, o contrato prevê uma remuneração anual de até 40 milhões de reais.
Além disso, existe a possibilidade de Meirelles tornar-se sócio do conglomerado, decisão que ele só deve tomar ao longo do ano. Para amigos do ex-banqueiro, o pacote foi fundamental em sua decisão: seus oito anos à frente do BC foram justamente aqueles em que o mercado financeiro brasileiro mudou de patamar.
O Ibovespa valorizou 497% durante o governo Lula, e os ex-colegas de Meirelles no mercado ganharam como nunca. Entre 2002 e 2010, seu patrimônio, estimado em 100 milhões de reais, foi administrado por um fundo americano e rendeu pouco acima dos conservadores títulos do Tesouro dos Estados Unidos.
Como o real valorizou 108% no período, os investimentos em dólar foram um mau negócio. Para os donos da J&F, no entanto, a dinheirama já foi mais do que compensada. Só na primeira semana de trabalho de Meirelles, as ações da JBS subiram 1,6% — e o patrimônio dos Batista aumentou cerca de 90 milhões de reais.
Antes de dar o “sim” a Batista, Meirelles assegurou-se de que não correria nenhum risco. Ao longo de pouco mais de um mês, reuniu-se com advogados e consultores para esmiuçar os balanços da JBS. Recorreu a alguns conhecidos para checar o histórico empresarial dos Batista (apesar de serem todos de Goiás, Meirelles e Joesley só se conheceram em 2008, durante as conversas para a abertura do banco JBS).
Foi dele, aliás, a ideia de começar pela criação de um conselho consultivo. “Meirelles é extremamente zeloso de sua imagem”, diz um amigo do ex-presidente do BC. Além de Meirelles, Batista já havia trazido outros executivos de mercado para comandar as empresas da holding.
E nada indica que as mudanças vão parar por aí. Segundo EXAME apurou, o empresário continua sondando executivos para comandar o banco Original e a própria JBS. “Como crescemos muito depressa, o mercado tem a sensação de que nossa expansão é desordenada”, diz Batista.
“Mas sabemos bem aonde queremos chegar.” Por enquanto está indo tudo às mil maravilhas. Mas como os Batista, habituados a mandar em suas empresas e a centralizar as decisões, lidarão com a estrela que acabaram de contratar? Só o tempo — e os resultados — dirá.