Revista Exame

O poder das redes

Ana Fontes deixou a vice-presidência de uma montadora para criar uma rede de empreendedoras que já impactou 11 milhões de brasileiras

Ana Fontes: a Rede Mulher Empreendedora trabalha com capacitação, mentoria e crédito (Leandro Fonseca/Exame)

Ana Fontes: a Rede Mulher Empreendedora trabalha com capacitação, mentoria e crédito (Leandro Fonseca/Exame)

Lia Rizzo
Lia Rizzo

Projetos e conteúdos especiais

Publicado em 18 de setembro de 2024 às 06h00.

Em 2020, no ápice da pandemia, a empreendedora social Ana Fontes, fundadora e presidente da Rede Mulher Empreendedora (RME), articulou uma parceria entre os três maiores bancos de varejo privados do país: Itaú, Santander e Bradesco. A crise sanitária, financeira e social atingia de forma desproporcional as mulheres, e programas e tecnologias sociais, como as aplicadas pela RME, fizeram a diferença. Fontes viabilizou um esforço conjunto para a concessão de crédito e garantia de renda a milhares de mulheres. Por meio do programa Heróis Usam Máscaras, iniciativa que envolveu 65 ONGs em 20 estados, 6.300 costureiras produziram 12 milhões de máscaras, compradas por empresas e doadas gratuitamente. Não é exagero dizer que o projeto não apenas salvou os negócios dessas empreendedoras, mas também famílias inteiras.

Essa jornada de empreendedorismo e impacto social começou dez anos antes. Recém-saída de um emprego na indústria automotiva e determinada a empreender, Fontes foi uma das 35 selecionadas em um programa de capacitação para mulheres oferecido gratuitamente pela Fundação Getulio Vargas. Soube, no primeiro dia, que havia concorrido com outras 1.100 empreendedoras. Pensando em todas as mulheres que jamais teriam a chance de estar ali, decidiu criar um blog para compartilhar os conteúdos que absorvia em sala de aula. Com linguagem acessível e muitas dicas, rapidamente explodiu em audiência.

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O blog deu origem à RME, que hoje emprega 55 pessoas e impacta aproximadamente 2 milhões de mulheres por meio de programas e do Instituto RME, braço social fundado em 2017. Desde 2010, mais de 11 milhões de brasileiras, de boleiras a “startupeiras”, recorreram a seus programas de aceleração — um volume impressionante, que se justifica não apenas pela persistência da fundadora mas também por um modelo de gestão com base em dados e metodologia. “O que essas empreendedoras precisam é de dinheiro na mesa”, explica Fontes. “Por isso, trabalhamos com capacitação, mentoria, conexão e crédito.” Nos últimos quatro anos, a RME repassou 4 milhões de reais para as mulheres da rede.

Dados do Sebrae mostram que pequenos negócios são responsáveis por 95% dos empregos formais, o que equivale a cerca de 30% do PIB. E, de acordo com o Monitor Global de Empreendedorismo, as mulheres representam 54,6% dos empreendedores no país. A habilidade de Fontes em negociar e criar conexões que se desdobram em benefícios é fruto de sua sensibilidade com a realidade do perfil majoritário das empreendedoras brasileiras: mulheres de classes C, D e E, pretas e pardas, que empreendem por necessidade. Filha de um pescador e uma lavradora, ela nasceu no sertão de Alagoas, em Igreja Nova, cidade com 24.000 habitantes, e conheceu de perto as vulnerabilidades sociais e econômicas que hoje ajuda a apaziguar. Aos 4 anos, acompanhando os pais, que tentavam uma vida melhor para ela e os irmãos, mudou-se para São Paulo.

Com dinheiro emprestado de uma vizinha, concluiu a faculdade de publicidade e propaganda e entrou no mercado corporativo. Chegou à vice-presidência de marketing de uma grande empresa do setor automotivo. Após 18 anos como executiva, decidiu renunciar à estabilidade e empreender. Hoje, além da RME, Ana Fontes está no board de empresas como Unimed, Faculdade Anhembi Morumbi e Instituto Avon. É professora do programa Empreendedorismo em Ação, do Insper, e cocoordenadora do GVPEC, curso de gestão empreendedora para mulheres da Fundação Getulio Vargas (FGV). Integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável e lidera o W20, um dos principais grupos de engajamento do G20, que, nos últimos anos, teve como principal bandeira a defesa da remuneração do trabalho de cuidado. Ela é ainda a prova de que visão de negócios aliada a um forte compromisso com a transformação social constituem uma receita poderosa e certeira.



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