Revista Exame

O “PIB” e a presidente

Vimos, mais uma vez, cenas de uma fantasia — a presidente pedindo mais ousadia dos empresários, que fingem dar importância ao que ela diz. Não é daí, certamente, que vai sair algo de bom para o país

Em busca da “agenda positiva”: faltou alguém avisar que empresários só investem se isso resultar em mais dinheiro (Wilson Dias/ABr)

Em busca da “agenda positiva”: faltou alguém avisar que empresários só investem se isso resultar em mais dinheiro (Wilson Dias/ABr)

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Da Redação

Publicado em 26 de abril de 2012 às 10h50.

São Paulo - Um dos passatempos preferidos do governo e dos empresários brasileiros, quando imaginam que é preciso fazer “alguma coisa” em relação a algum problema, e não têm a menor ideia a respeito do que deve ou pode ser feito, é montar reuniões descritas como de “alto nível” entre as duas partes.

O roteiro já está aí há uns 50 anos, ou algo assim, e mantém uma consistência realmente admirável: jamais resultou, ao longo de todo esse tempo, em nada de aproveitável. Os dirigentes de empresa, sempre apresentados em conjunto como “uma fatia importante do PIB”, vão a Brasília, apertam-se em torno de uma mesa no Palácio do Planalto e, depois de ouvir uma preleção do (e agora da) presidente da República, embarcam de novo em seus jatinhos e voltam para casa, frequentemente sem ter aberto a boca.

A cena aparece nos noticiários da televisão e nas primeiras páginas dos jornais. Nenhum tipo de decisão é tomada (e todos dizem que a reunião não era mesmo para tomar decisões), e menos de 24 horas depois nem o (a) presidente lembra mais o que falou nem seus ouvintes lembram mais o que ouviram.

A vida segue, ninguém se obriga a nada e o “diálogo governo-empresa” some do mapa até alguém, tempos depois, achar que já está na hora de armar outra reunião do mesmo tipo.

Não foi diferente no último encontro do gênero, dias atrás, quando a presidente Dilma Rousseff convocou a Brasília um grupo de empresários (“pesos pesados” do PIB nacional, é claro) para que invistam mais em seus negócios e, com isso, ajudem a vitaminar os melancólicos índices de crescimento esperados para a economia brasileira em 2012.

Além da ineficácia de nascença que acompanha essas reuniões, houve o reforço, agora, de uma escolha particularmente infeliz do tema a ser apresentado. Mais investimentos por parte do setor privado?

É um pedido realmente curioso, quando a iniciativa particular está investindo mais que o governo neste momento — e o governo, justamente, está cortando investimentos para poder continuar aumentando as despesas que faz em seu próprio proveito. Como pedir que os outros façam o que ele próprio não está fazendo?


Trata-se de uma óbvia e cansada fantasia, além disso, imaginar que as empresas estejam dispostas a aumentar investimentos por razões patrióticas ou para agradar a presidente Dilma — incomodada pelas baixas taxas de crescimento previstas para este ano. Falou-se, enfim, na suposta utilidade da reunião para criar uma “agenda positiva” em favor do governo, nestes momentos de indigência política — como se alguém, fora do Palácio do Planalto, estivesse perdendo o sono por causa disso.

Empresários, na hora de decidir sobre investimentos, pensam em outras coisas ou, mais precisamente, numa coisa acima de todas as demais: qual o retorno que podem esperar do dinheiro que estão investindo. Sempre foi assim. Continuará sendo, não importa quantas reuniões o governo convoque ou quantos apelos recebam da presidente da República, dos seus ministros ou de editoriais na imprensa.

É típico, no mundo particular habitado por gente do governo, que se preste pouca ou nenhuma atenção às condições reais e objetivas que motivam as empresas a investir ou a investir mais; só a eliminação de uma parte dos entraves que o próprio Estado cria para a atividade de produzir traria mais resultados que todas as reuniões de “alto nível” já feitas ou por fazer.

Mas resolver problemas práticos é muito menos interessante do que discorrer sobre “políticas”, sobretudo porque dá trabalho — e, pior ainda, trabalho que se faz em silêncio e não rende cartaz para ninguém. A opção preferencial, nove vezes sobre dez, é pela cenografia.

Os atores são os de sempre. Empreiteiros de obras públicas, dirigentes de empresa em estado de semiaposentadoria, banqueiros, devedores do BNDES, o empresário Eike Batista; é “o PIB”. Do outro lado, a gerente-geral do Brasil no presente momento. Não é daí, certamente, que vai sair solução para problema algum.

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