Revista Exame

CEO da Klabin fala sobre 'o peso das utopias' em sustentabilidade

"Não vamos nunca alcançar a utopia, mas o ato de tentar nos empurra para a direção certa", diz executivo

Uma das principais lideranças da iniciativa privada brasileira na temática do clima, Cristiano Teixeira, CEO do gigante de papel e celulose Klabin, defende o dever das empresas de colocar mais ambição nas metas globais para a redução dos gases por trás do aquecimento global. Tudo isso, afirma, é um compromisso justo das companhias com as gerações futuras (Leandro Fonseca/Exame)

Uma das principais lideranças da iniciativa privada brasileira na temática do clima, Cristiano Teixeira, CEO do gigante de papel e celulose Klabin, defende o dever das empresas de colocar mais ambição nas metas globais para a redução dos gases por trás do aquecimento global. Tudo isso, afirma, é um compromisso justo das companhias com as gerações futuras (Leandro Fonseca/Exame)

RC

Rodrigo Caetano

Publicado em 18 de novembro de 2021 às 05h56.

Última atualização em 13 de dezembro de 2021 às 13h54.

Nos últimos meses, o paulistano Cristiano Teixeira passou um tempão em reuniões com pautas como mecanismos para as empresas reduzirem as emissões de carbono e estratégias para a meta climática do Brasil para as próximas décadas. São temas um tanto distantes do dia a dia dos negócios do gigante de papel e celulose Klabin, onde ocupa a cadeira de CEO há dez anos. 

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Para Teixeira, no entanto, controlar o aquecimento do planeta passa por mudanças no padrão de consumo da humanidade — uma responsabilidade compartilhada por governos e companhias. “As empresas estarão mais no papel de acabar com a produção por extração que acontece desde o início da Revolução Industrial”, disse Teixeira em entrevista à EXAME em Glasgow, na Escócia, onde participou da 26a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP26.

Teixeira foi ao evento na condição de embaixador do COP26 Business Leaders. A seguir, ele destrincha sua visão sobre o desafio climático e explica por que atingir a meta de estabilizar o efeito estufa é uma utopia válida de ser perseguida. 

A COP26, em Glasgow, registrou uma participação recorde de empresas. Há, no meio empresarial, um movimento forte em torno do net zero, ou carbono neutro. Qual é o impacto disso na agenda climática? 

Meu otimismo está nos compromissos formais. Precisamos traduzir o que foi dito até agora em formalidades. Talvez falte ambição. Há muitos Estados que não estão preparados para fazer a transição energética. Gosto do fato de estarmos iniciando esse processo pela preservação das florestas. Acabar imediatamente com o desmatamento é a vitória mais rápida que podemos ter. O grande trabalho a ser feito é a mudança da matriz energética. Esse assunto está mal encaminhado. 

Em se tratando de transição energética, estamos falando de investimentos na casa dos trilhões de dólares. Muitos governos consideram inviável pagar essa conta. Qual é o papel da iniciativa privada no financiamento? 

Deveriam ser trilhões, mas hoje se fala em 100 bilhões por ano, por cinco anos. Mesmo em países com mais condições, como o Brasil, há estados e regiões que precisarão de ajuda. Dou o exemplo de Roraima, que queima óleo todo dia porque não está conectado ao sistema interligado de energia. A mitigação e a adaptação terão de ser feitas por empresas, em seus processos produtivos; por governos, com a substituição dos combustíveis fósseis; e por estados e localidades que não têm condições de financiar a transição. É neste último aspecto que devem entrar os recursos de financiamento climático. O desafio é como transformar esse recurso em uma linha de crédito de baixíssimo custo para, por exemplo, uma pequena empreendedora na periferia. Esse link deve ser feito por uma agência de governo, como um banco de desenvolvimento. Mas falta criatividade. 

Os recursos terão de ser canalizados para ações climáticas, mas como mensurar a efetividade desses investimentos? 

É uma questão de risco de crédito. A Klabin, por exemplo, é uma empresa estruturada que tem várias formas de captar recursos. Esses bilhões não vão chegar para nós ou para outras grandes empresas. Têm de chegar para os pequenos. O governo federal criou o Floresta Mais, por exemplo, para financiar os pagamentos por serviços ambientais, o que é muito bom. Os recursos que vêm de fora entram por esse canal e passam pela governança do programa. Mas será preciso criar outras linhas de crédito para que pequenas e médias companhias façam a transição. Essas empresas possuem um perfil de crédito ruim por estarem em um país emergente. A que custo elas vão captar? Provavelmente, nem sequer conseguirão pagar o CDI.

Com essa grande quantidade de empresas que se comprometeram em ser carbono zero, como será o mundo dos negócios no futuro? 

Esse novo mundo, se é que ele vai existir, será a nossa utopia. Não sei se vamos alcançá-lo, mas ele deveria estar ligado não só às empresas mas também a padrões de consumo. Esses dias eu vi uma palestra do Johan Rocks­tröm [diretor do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático] muito interessante, em que ele dizia que, se os países do G7 reduzissem suas emissões em 30%, o resto do mundo poderia até aumentá-las. Isso diz muita coisa. A FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura] também divulgou que 30% dos alimentos no mundo são desperdiçados. Certamente, esse desperdício não está na África. A efi­ciência no consumo é um tema não tratado, e o fato é que há um consumo exagerado numa parte da população, enquanto outra parte não consegue 500 calorias por dia.

Como as empresas podem incentivar a mudança no padrão de consumo? 

As empresas estarão mais no papel de acabar com a produção por extração que acontece desde o início da Revolução Industrial. São mais de 200 anos de extrativismo. As empresas vão precisar se preocupar com um modo de devolver o recurso natural que utilizam, com a poluição atmosférica etc. A legislação tem melhorado muito. É um comportamento completamente diferente. No Brasil, talvez a questão das emissões esteja bem encaminhada, mas temos um nível de saneamento medieval. Fui a Belém, recentemente, em um evento de bioeconomia. É uma capital que tem algo em torno de 20% de saneamento básico. Não estou criticando o governo local, estou constatando um fato. Existem várias capitais com esse problema. O que me deixa otimista é que o engajamento é maior do que no passado. 

O que é justiça climática e como essa questão se relaciona com os negócios da Klabin? 

A Klabin é uma empresa que evoluiu com o tempo. Hoje, nós reconhecemos nosso papel na sociedade, não apenas perante os acionistas mas também perante nossos funcionários, a família deles e as comunidades em nosso entorno. Há outro aspecto, talvez mais etéreo, que é o compromisso com o planeta. Não é um debate que está ligado à nossa rotina, porém, se pensarmos que a atmosfera é uma só e o mundo é um só, compreenderemos a responsabilidade de cuidar do clima. 

Lixão: as empresas têm a chance de mudar padrões de consumo e aproveitar melhor os recursos naturais (Kyryl Gorlov/Getty Images)

A demanda por justiça climática, aqui na COP26, vem muito da juventude. O senhor vem da periferia, de uma família de classe média baixa. Como enxerga esse posicionamento dos jovens? 

O jovem não pode dar certo por sorte ou acidente, como no Brasil. Eu nasci no início dos anos 1970, na Brasilândia [bairro pobre de São Paulo]. Sou filho de analfabetos. Meu pai aprendeu a ler no Exército, em 1964. Meu primeiro trabalho foi como feirante. Passei a juventude nos anos 1980, num período de transição de regime, fase de nossa história muito marcada pela ausência de Estado — para meu pai, em contraste, foi o Estado que deu alguma coisa para ele melhorar de vida. Essa transição democrática foi muito danosa, e ela ainda não acabou. Considero o Brasil um país democrático, a questão é que o Estado ainda não encontrou uma forma de atender aos anseios da população. Minha geração se expressava pelo grafite, pelo rap. Hoje, eu vejo uma juventude muito mais eloquente. O que não podemos fazer é deixar de ouvir a juventude ou, pior, não garantir oportunidades. Para isso, é preciso ter uma presença maior do Estado. 

Hoje as questões de raça e gênero estão mais em evidência. O senhor veio de um contexto sem privilégios e teve de trilhar seu caminho sozinho, mas é homem e branco. Para pessoas pretas e mulheres não é mais difícil? 

Sim, sempre foi. Éramos menos polidos ao tratar desse tema. Também sofri preconceito por ser filho de nordestinos, algo que ainda existe em São Paulo. Qualquer ação para diferenciar um grupo de outro é uma incoerência. Antigamente, os jovens não se comunicavam direito também. A mulher, e isso em todo lugar do mundo, tem uma fragilidade adicional que é a força. O homem sempre usou dela para se apropriar de coisas às quais não tem direito. A fragilidade é geral, mas o tratamento às mulheres tem de ser diferente. E voltamos à questão da presença do Estado. Isso está muito ligado à pobreza e à falta de educação. 

Utopias são importantes ou um desvio de foco de pautas mais urgentes?

Eu gosto dessa provocação. Não vamos nunca alcançar a utopia, mas o ato de tentar nos empurra para a direção certa. O que não podemos é ficar parados.  


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