Abertura da COP23: a temperatura do planeta em 2017 deverá ser a mais alta da história (Ulrich Baumgarten/Getty Images)
Renata Vieira
Publicado em 16 de novembro de 2017 às 05h45.
Última atualização em 29 de novembro de 2017 às 19h16.
O número de pessoas em situação de extrema pobreza caiu pela metade em todo o mundo neste século — bem como a proporção de subnutridos e a taxa de mortalidade de crianças com menos de 5 anos. Ainda assim, quase 1 bilhão de pessoas hoje vivem com uma renda de menos de 1 dólar por dia.
Na seara dos problemas ambientais, o ano de 2017 pode ser um dos mais quentes já registrados, considerando o histórico existente desde o século 19, de acordo com dados divulgados na abertura da COP23, cúpula do clima realizada entre os dias 6 e 10 de novembro na Alemanha. O mais amplo plano em escala global para mudar essa realidade está contido nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), lançado pela Organização das Nações Unidas em 2015. O documento é composto de 17 tópicos, desdobrados em 169 metas para 2030.
O papel das empresas, mais do que o dos governos, será fundamental. “Isso inclui investimentos pesados e uma profunda reconfiguração de sistemas produtivos e de mercado em escala gigantesca”, afirma Aron Belinky, pesquisador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (GVces), responsável pela metodologia do GUIA EXAME DE SUSTENTABILIDADE, maior levantamento de práticas de responsabilidade corporativa do Brasil.
Os dados desta 18ª edição do Guia EXAME indicam que o princípio de valor compartilhado — junção entre geração de lucro e de impactos positivos para a sociedade — vem se constituindo como ponto de partida para as companhias que almejam contribuir para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Neste ano, foram analisadas informações sobre a conduta das 173 empresas que responderam a todo o questionário preparado pelo GVces, que analisa as três dimensões da sustentabilidade — social, ambiental e econômica.
A escolha das melhores passou, primeiro, pela separação das empresas que obtiveram pontuação acima da média mais um desvio-padrão nas dimensões, independentemente dos setores em que atuam. Em seguida, houve uma apuração jornalística sobre questões críticas de cada empresa e a avaliação de um conselho deliberativo, formado por especialistas (veja quadro abaixo).
Esse processo gerou a lista das 75 melhores, divididas em 19 setores. Cada setor tem um destaque — e as demais empresas aparecem em ordem alfabética. Foram também eleitos destaques em dez temas: Direitos Humanos, Ética e Transparência, Gestão da Água, Gestão da Biodiversidade, Gestão de Fornecedores, Gestão de Resíduos, Governança da Sustentabilidade, Mudanças Climáticas (inclui gestão de energia), Relação com a Comunidade e Relação com Clientes. Para finalizar, entre as empresas mais sustentáveis por setor, a redação de EXAME selecionou a empresa que recebe o prêmio de Empresa Sustentável do Ano.
Pela primeira vez, o questionário incluiu perguntas específicas sobre o nível de adesão das empresas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU. Metade das empresas afirma trabalhar diretamente para assegurar padrões de produção e consumo sustentáveis, um dos objetivos da lista da ONU (veja quadro acima).
Cerca de 40% delas afirmam estar em processo de revisão do negócio tendo em vista seus impactos socioambientais e identificando externalidades ligadas a produtos e processos da maioria dos negócios da empresa. E sete em cada dez empresas registram formalmente compromissos atrelados a metas socioambientais — e as apresentam publicamente. No ano passado, cerca de 56% das empresas tinha esse tipo de documento.
Para uma das maiores multinacionais do setor químico, a alemã Basf, essa foi a premissapara uma revisão de todo o seu portfólio, iniciada em 2013. A companhia analisou as mais de 60 000 aplicações de seus produtos. O objetivo era submetê-las a uma espécie de régua da sustentabilidade — que avalia o ciclo de vida e os impactos dos produtos em termos de possibilidade de reciclá-los, de emissões de gases de efeito estufa e de implicações na saúde humana, por exemplo.
Recentemente, o levantamento mostrou que uma fatia de mais de 27% deles se encaixa no melhor nível de desempenho, o dos chamados produtos “aceleradores”. Um deles, um aditivo para cimento, diminui o uso de água na mistura do material em quase 40% na comparação com aditivos convencionais, sem reduzir a qualidade final do concreto. O consumo do próprio cimento também cai em 30% — material responsável por 5% das emissões globais de gases de efeito estufa.
Agora a Basf tenta emplacar em supermercados e redes de fast-food no Brasil seu plástico biodegradável. Feito de amido de milho, o produto pode ser digerido por micro-organismos e ser usado até para a compostagem, já que se transforma em água, dióxido de carbono e adubo. “A capacidade de um produto ser inserido num sistema de economia circular sempre é considerada”, afirma Cristiana Brito, diretora de relações corporativas e sustentabilidade da Basf na América do Sul.
Quase 40% das companhias avaliadas por EXAME declaram fazer o acompanhamento de seus indicadores de sustentabilidade com a mesma frequência que monitoram informações financeiras. Há um ano, esse percentual era de cerca de 32%. É o que norteia hoje a contabilidade da fabricante de painéis de madeira e louças Duratex. Em 2016, a companhia decidiu passar a publicar seus indicadores de sustentabilidade trimestralmente — e não apenas anualmente — da mesma maneira como faz com os números de receita, lucro e patrimônio.
“Existe uma demanda cada vez maior por essas informações por parte dos investidores estrangeiros”, afirma Luciana Alvarez, gerente de sustentabilidade da Duratex. “Falar disso com a mesma frequência com que se fala de dinheiro tangibiliza a importância da estratégia de sustentabilidade.”
Neste ano, a companhia investiu 41,3 milhões de reais em programas de ecoeficiência. Em 2016, 72% de toda a energia consumida nas fábricas da empresa foi gerada de fontes limpas. Numa delas, em Taquari, no Rio Grande do Sul, a geração do gás quente necessário para secagem de partículas de madeira vem de moinhos que processam os resíduos da própria confecção de painéis. Foi praticamente zerada a queima de combustíveis fósseis, como o diesel, e com isso 3 milhões de reais foram economizados só nessa unidade.
A migração para matrizes energéticas menos poluentes é apenas uma das formas de combate à mudança do clima hoje colocada em prática pelas empresas. Uma fatia de 53% das companhias ouvidas por EXAME considera que a adoção urgente desse tipo de medida está diretamente relacionada à sua estratégia de negócio e a seus compromissos voluntários na seara da sustentabilidade. É o nível mais alto de adesão aos ODS.
Enquanto o combate às mudanças climáticas é tratado de forma prioritária, uma das diretrizes traçadas pela ONU ainda está longe da agenda corporativa: a conservação de oceanos, mares e recursos marinhos. Apenas 16% das empresas enxergam relação entre o próprio negócio e a biodiversidade dos oceanos.
Na contramão está a Fibria, maior fabricante de celulose do mundo. Se, por um lado, a essência do negócio está em florestas plantadas de eucalipto, é pela via marítima que parte da madeira das árvores é transportada de uma das bases florestais da empresa, no sul da Bahia, até a fábrica de Aracruz, no Espírito Santo. Em 2002, quando a empresa decidiu trocar parte de seu carregamento em rodovias por barcaças, estudos de impacto ambiental mostraram que o litoral sul baiano era uma região crucial para as baleias jubarte em época de reprodução.
Depois de um acompanhamento detalhado da rota das baleias e do tamanho da população desses animais, com a ajuda da ONG Instituto Baleia Jubarte, a Fibria traçou uma rota alternativa para suas barcaças. De 2011 para cá, dados mostram que a população de baleias da região não foi afugentada pela movimentação das barcaças — ela cresceu 40% —, para cerca de 17 000 animais. E nenhuma colisão entre barcaça e um animal foi registrada.
“Podíamos ter mantido a rota mais fácil e mudar a operação se houvesse uma colisão, mas a estratégia foi incorporar o risco ambiental desde o começo”, diz Marcelo Gomes, coordenador de meio ambiente da Fibria. É o que acontece quando a sustentabilidade faz parte de todas as decisões de negócio, como mostra a elite corporativa brasileira.