Revista Exame

O melhor do avanço tecnológico já passou

Para Robert J. Gordon, um dos maiores especialistas mundiais em produtividade, o melhor do avanço tecnológico já passou

Família americana nos anos 50: um conforto nunca desfrutado pelas gerações anteriores (Retrofile/Getty Images)

Família americana nos anos 50: um conforto nunca desfrutado pelas gerações anteriores (Retrofile/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 1 de abril de 2016 às 05h56.

São Paulo — Para quem acha que estamos diante de uma era de inovação inigualável, Robert J. Gordon, um dos maiores especialistas mundias em produtividade, tem um recado: o melhor do avanço tecnológico já passou. EXAME publica parte do seu livro "Ascensão e Queda do Crescimento Americano". Leia a seguir:

"A partir da segunda metade do século 19, os Estados Unidos viveram uma revolução econômica que libertou as famílias de uma interminável rotina diária de trabalhos manuais, escuridão, isolamento e morte prematura. Em apenas 100 anos, a vida se tornou irreconhecível. Trabalhos manuais ao ar livre foram substituídos pelo trabalho em ambientes com ar-condicionado.

Os afazeres domésticos passaram a ser realizados cada vez mais por eletrodomésticos. A escuridão foi substituída pela luz. E o isolamento foi substituído não somente por viagens mas também pelas imagens que os televisores em cores começaram a levar para a sala de estar. Mais importante que tudo: um recém-nascido não tinha mais uma expectativa de vida de meros 45 anos, mas de 72.

A revolução econômica ocorrida entre 1870 e 1970 foi única na história humana — e provavelmente não será repetida simplesmente porque muitas de suas conquistas poderiam ocorrer uma única vez. O crescimento do PIB não é um processo estável que gera avanço econômico num ritmo regular, século após século. O progresso ocorre muito mais rapidamente em alguns momentos do que em outros.

Não houve virtualmente nenhum crescimento econômico durante milênios até a segunda metade do século 18. Entre 1770 e 1870 houve um crescimento maior, mas ainda lento. Entre 1870 e 1970 foi registrada uma enorme aceleração. Desde 1970, no entanto, o ritmo de crescimento da economia americana voltou a cair. Por quê?

Minha tese central é que algumas invenções são mais importantes do que outras. O avanço sem paralelo no século, terminado em 1970, foi possível graças ao que chamo de Grandes Invenções. Essa ideia nos leva diretamente à segunda grande questão tratada no livro: a de que o crescimento econômico desde 1970 tem sido decepcionante porque as invenções das últimas décadas têm sido limitadas.

Estão, em sua maioria, relacionadas somente às áreas de entretenimento, comunicações e coleta e processamento de informação. A despeito de todo o barulho provocado pelo mundo digital, o ritmo do progresso nas últimas quatro décadas desacelerou em várias esferas da vida — como alimentação, vestuário, abrigo, transporte, saúde e condições de trabalho tanto dentro como fora do lar.

Essa desaceleração foi qualitativa e quantitativa. O melhor termômetro para medir o ritmo da inovação é a produtividade. E, nesse sentido, os dados são inequívocos. Desde os anos 70, a produtividade nos Estados Unidos cresce a apenas um terço da taxa alcançada entre 1920 e 1970. A terceira grande ideia que defendo decorre diretamente da segunda.

Quando olhamos para o futuro, é preciso analisar os possíveis impactos das invenções atualmente em progresso. Mas, além disso, é necessário examinar os obstáculos que temos pela frente. O principal deles é o crescimento da desigualdade social, que, de 1970 para cá, direcionou uma parcela cada vez maior dos frutos do crescimento para a camada superior da sociedade.

Mas, antes de falar sobre o futuro, vale refletir mais sobre o passado. Nosso ponto de partida é que os 100 anos entre 1870 e 1970, o ‘século especial’, foram mais importantes para o progresso econômico do que todos os outros séculos.

Essa tese contradiz a teo­ria do crescimento econômico segundo a qual uma economia conta com um aporte contínuo de novas ideias e tecnologias que sempre geram oportunidades de investimento. O que os economistas que escrevem artigos sobre a teoria do crescimento raramente mencionam é que esse modelo não se aplica à maior parte da existência humana.

Segundo o grande historiador britânico Angus Maddison, a taxa de crescimento anual no mundo ocidental do ano 1 ao ano 1820 foi de mero 0,06%, ou 6% por século. O foco de minha pesquisa é a economia dos Estados Unidos, mas não nego que outras nações também fizeram progressos extraor­dinários nos últimos 150 anos.

Na segunda metade do século 20, a Europa e o Japão alcançaram, em grande medida, os Estados Unidos. A China e outros emergentes estão no caminho para diminuir a distância que os separa do mundo desenvolvido.

As lições da história

O dilúvio de invenções a partir da segunda metade do século 19 foi avassalador. A transformação foi de casas sem água encanada e carroças para arranha-céus e aviões. Quando o elevador elétrico permitiu que os edifícios se expandissem verticalmente, o uso da terra mudou e surgiu a densidade urbana. Entre todas as grandes invenções, as da área do transporte são notáveis.

Nos anos 30 do século 19, as carruagens puxadas por cavalos começaram a ser substituídas por ferrovias primitivas. Um pouco mais de 100 anos depois, em 1958, aviões da Boeing já voavam quase à velocidade do som. O que torna o ‘século especial’ tão particular não é apenas a magnitude de suas transições mas também a velocidade com que elas foram realizadas.

Em 1880, não havia uma única casa com fiação elétrica nos Estados Unidos. Em 1940, quase 100% das residências em cidades americanas estavam ligadas à rede elétrica. No mesmo período, a porcentagem de casas urbanas com saneamento básico era de 94%. Designar 1870-1970 como o ‘século especial’ implica que o período desde 1970 tenha sido menos especial.

Primeiro, é preciso levar em conta que os avanços tecnológicos começaram a envelhecer. Com algumas exceções notáveis, o ritmo da inovação a partir de 1970 não foi tão amplo ou tão profundo. Segundo, após 1970, a desigualdade social crescente significou que os frutos da inovação não foram mais divididos equitativamente. Ainda assim, alguns progressos recentes são inegáveis.

Os avanços na área de tecnologia da informação e da comunicação foram muito mais rápidos depois de 1970. A transição mais rápida foi na área da computação. Os anos 60 e 70 foram a época dos computadores de grande porte. Na década de 80 houve a popularização dos computadores pessoais. Nos anos 90, os PCs começaram a interagir na internet.

Mais recentemente, houve a invasão dos smartphones e dos tablets. Mas vale ressaltar que essa transformação é relevante para uma esfera limitada da experiência humana.

Os gastos totais de famílias e empresas americanas com tudo o que é entretenimento eletrônico, comunicações e tecnologia da informação (incluindo compras de equipamentos de televisão e áudio e planos de serviços de telefones celulares) representaram cerca de 7% do PIB em 2014. Fora da esfera de entretenimento, comunicações e tecnologia da informação, o progresso tem sido muito mais lento.

Não houve nenhuma grande mudança no vestuário. Em 1970, as cozinhas já estavam plenamente equipadas com eletrodomésticos. A grande novidade de lá para cá foram os fornos de micro-ondas — e só. Os veículos à venda hoje desempenham o mesmo papel básico de transportar pessoas e cargas como faziam em 1970, apenas com maior conveniência e segurança.

A viagem aérea de hoje é até menos confortável do que era em 1970, com as configurações de assentos nas aeronaves ficando cada vez mais apertadas.

Os progressos na medicina também desaceleraram em comparação com os enormes avanços entre 1940 e 1970, que incluí­ram a invenção dos antibióticos, o desenvolvimento de procedimentos para tratar e prevenir doenças do coração e a descoberta da radioterapia e da quimioterapia — que ainda são usadas contra vários tipos de câncer.

Em 1987, o prêmio Nobel de Economia Robert Solow brincou ao dizer: ‘Podemos enxergar a era dos computadores por toda parte, exceto nas estatísticas de produtividade’. O economista Paul David respondeu: ‘Espere só’. A tese de David era que seria necessário esperar um tempo de maturação das novas tecnologias para notar seus efeitos.

David lembrou que houve um intervalo de quatro décadas entre a abertura, por Thomas Edison, da usina de eletricidade na Pearl ­Street, em Nova York, em 1882, e o crescimento da produtividade no início dos anos 20 com a eletrificação da indústria. A analogia de David se revelou profética. Alguns anos após seu artigo de 1990, a taxa de crescimento da produtividade americana realmente aumentou.

Entre 1996 e 2004, ela foi quase o dobro da taxa entre 1972 e 1996. Após 2004, no entanto, a analogia entre os computadores e a eletricidade perdeu força. As taxas de aumento da produtividade voltaram a desacelerar, apesar da proliferação de laptops e smartphones.

Minhas previsões de que o crescimento econômico nos países ricos será mais lento do que no passado são fortemente contestadas por um grupo de economistas a quem chamo de ‘tecno-otimistas’.

Eles tendem a ignorar o lento crescimento da produtividade na última década. Preveem um futuro de crescimento da produtividade espetacularmente mais acelerado com base num aumento exponencial das capacidades da inteligência artificial.

Sim, estamos enormemente à frente do que estavam nossos antepassados em 1870. Mas não podemos esquecer que enfrentamos barreiras para um crescimento contínuo muito maiores do que as enfrentadas pelos cidadãos dos séculos 19 e 20.”

Este é um trecho de "The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living Since the Civil War", de Robert J. Gordon, renomado professor de economia na Northwestern University, copyright 2016, Princenton University Press, publicação permitida.

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