Rabello de Castro: após 790 projetos, o BNDES financiará somente o que “vale a pena” (Germano Luders/Exame)
Flávia Furlan
Publicado em 21 de junho de 2017 às 13h12.
São Paulo — Não tem outro jeito: para o Brasil voltar a crescer será preciso destravar os investimentos. Em meio à crise que já ganhou o título de maior da história, sobraram poucas alternativas. O governo não tem espaço para expandir o orçamento — ao contrário, precisa reduzir o gasto para retomar a confiança em sua solvência. Com o desemprego em alta, as famílias estão consumindo menos. Já as exportações esbarram na indústria fragilizada e no problema histórico de o país ser fechado para o comércio mundial. E, neste momento em que se tornam tão importantes, os investimentos estão emperrados.
Dados da consultoria GO Associados mostram que, em 2017, a formação bruta de capital fixo (uma medida da compra de equipamentos e gastos na construção civil) deve cair 0,6%, a quarta queda consecutiva. “A crise recente é a mais profunda e será a de retomada mais lenta”, diz Gesner Oliveira, sócio da GO Associados. “O Brasil só vai crescer com investimentos.” E qual é o caminho para investir mais?
A questão foi tratada durante o EXAME- Fórum PPPs e Concessões, realizado no dia 8 de junho, em São Paulo, que reuniu quase 300 empresários, executivos e gestores públicos. A conclusão é que não haverá retomada dos investimentos sem forte atuação do setor privado. O modelo adotado nos últimos anos se esgotou. Até 2013, o investimento cresceu com o aumento dos gastos públicos — inclusive das estatais Petrobras e Eletrobras — e com a expansão de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Agora existe a necessidade de trazer as empresas para o jogo, concedendo projetos e fazendo parcerias ou privatizações. Essa tem sido a escolha do governo Michel Temer, que lançou um pacote com 89 projetos direcionados à iniciativa privada no valor de 90 bilhões de reais. Até o momento, metade foi leiloada por um terço do valor do pacote. “Selecionamos os projetos que remuneram o capital e têm boa análise de riscos”, disse, durante o fórum, Tarcísio de Freitas, secretário do Programa de Parcerias de Investimentos, ligado diretamente à Presidência da República. “Os investidores perceberam uma ruptura quanto ao modelo anterior adotado nos leilões.”
Parte essencial dessa mudança é um novo papel para o BNDES, que nos últimos anos liberou fartamente crédito a taxas baixas, com subsídio do Tesouro Nacional, a setores e empresas escolhidos. Hoje, a carteira do BNDES soma quase 790 projetos de infraestrutura, num valor de 284 bilhões de reais, mas com resultado abaixo do esperado. “Houve muito mais oferta de crédito nos últimos anos, mas com nenhum aumento da produtividade”, diz Paulo Rabello de Castro, economista que assumiu recentemente a presidência do banco. “Agora não adianta se fazer de coitadinho. Não vamos financiar nada que não valha a pena.”
Há um risco que ronda a agenda de concessões e parcerias: o de descontinuidade do governo Temer, alvejado por delações de corrupção. Procurando mostrar que trabalha normalmente, o governo diz que o cronograma está mantido, com 18 leilões marcados até dezembro em áreas como energia e óleo e gás. “O governo está em busca de uma agenda positiva em meio à confusão política”, diz Lucas de Aragão, sócio da consultoria política Arko Advice. “As concessões e as parcerias são uma opção, já que fogem da agenda do Congresso.”
Isso não significa, porém, que o imbróglio político não traga impacto. O governo paulista, por exemplo, abriu em maio uma licitação de parceria para a construção de 13 100 moradias na Grande São Paulo. “Até 17 de maio, fomos muito demandados por construtoras e empresas estrangeiras. De lá para cá, a procura cessou”, diz Rodrigo Garcia, secretário da Habitação do estado de São Paulo. “Estamos aguardando o interesse do mercado e esperamos no dia 5 de julho abrir as propostas.”
A despeito da política, há chance para as concessões e parcerias público-privadas. Os governos locais têm restrições de orçamento e, de forma pragmática, estão vendo nessa agenda uma forma de melhorar os serviços à população. “Temos um risco político, mas no médio e longo prazo esse modelo de maior participação privada nos investimentos está sacramentado”, diz José Romeu Ferraz Neto, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo.
Em Campinas, a prefeitura lançou, em março, uma parceria de 350 milhões de reais para construção e operação de um reservatório de água que dará autonomia ao município por até 70 dias, sem depender do Sistema Cantareira, pelo qual a cidade disputa água com a capital paulista. “Precisamos modernizar a gestão pública”, diz Jonas Donizette, prefeito de Campinas.
São Paulo, sob a gestão de João Doria, tem uma lista de 55 projetos até 2020. Entre os prioritários, que devem render 7 bilhões de reais, está a privatização do Centro de Exposições Anhembi e do Autódromo de Interlagos, e a concessão do manejo de 15 milhões de bilhetes do sistema de transporte da cidade. “A ideia é que o governo saia de serviços e negócios não prioritários para focar o que é essencial para a população”, diz Wilson Poit, secretário de Desestatização da cidade de São Paulo.
Ajuda o fato de que há interessados em investir no país. Com as principais empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato, quem está ocupando esse espaço são fundos de investimento e investidores estrangeiros. Dados da consultoria GO mostram que, nos quatro aeroportos, 31 linhas de transmissão e cinco terminais portuários leiloados pelo governo Temer, os estrangeiros ficaram com 37,5% de participação, ante 26,5% das subsidiárias locais de multinacionais e 36% das empresas brasileiras. “A retração das construtoras é natural pelo mundo. Aos poucos os fundos ocupam esse espaço”, diz Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base. “No Brasil, esse processo acelerou com a Lava-Jato.”
Um dos setores em que há mais oportunidades é o de saneamento básico, área em que o Brasil apresenta números vergonhosos: 50% da população não tem coleta de esgoto em casa. De acordo com o plano nacional de saneamento de 2013, a rede de esgoto no Brasil teria de alcançar 612.000 quilômetros de extensão em 2033.
No ritmo atual de investimento, serão 480.000 quilômetros de rede nessa data. “Não vamos alcançar as metas sem a participação privada”, diz Alexandre Ferreira Lopes, vice-presidente da associação das empresas concessionárias de saneamento. “Para entender a diferença que o setor privado faz: ele atende 6% dos municípios, mas representa 20% dos investimentos.” Para destravar o setor, o BNDES contratou neste ano empresas para estruturar os projetos de participação privada em 16 companhias estaduais de saneamento, as quais representam 1.748 municípios e atendem 88 milhões de pessoas.
É claro que há obstáculos a superar. No caso das parcerias, há um despreparo dos municípios. “Apenas 13% das propostas feitas pelo setor privado resultam em contratos assinados, por falta de capacidade técnica e administrativa das prefeituras”, diz o advogado Fernando Vernalha, sócio do escritório VGP Advogados. Há iniciativas em curso para isso. A Caixa Econômica Federal lançou um fundo que bancará projetos das prefeituras e pôs à disposição 3 000 técnicos para orientar os municípios. “Hoje, sobram recursos no banco porque não são apresentados projetos bons para financiar”, diz Mario Augusto Oliveira Júnior, superintendente executivo da Caixa.
No setor de iluminação pública, o governo de São Paulo vai ajudar os municípios na padronização de editais e contratos. “Dessa forma, os custos de participação no processo caem e há maior atração de interessados”, diz Victor Costa, responsável pelo programa. O foco são 75 cidades com mais de 100 000 habitantes, num investimento de 4,5 bilhões de reais em cinco anos.
Outra questão a ser resolvida é a falta de confiança no setor público. “O setor privado teme que, na troca de políticos, eles mexam nas tarifas do serviço e destruam a realidade da concessão ou parceria”, diz Frederico Turolla, sócio da consultoria Pezco. As garantias também preocupam.
O caso de Rio das Ostras, no Rio de Janeiro, é emblemático. Em 2007, a cidade fez uma parceria com a Odebrecht Ambiental (chamada de BRK Ambiental depois da compra de 70%, em abril, pela canadense Brookfield) para a empresa investir 372 milhões de reais e operar o sistema de saneamento local. Durante 15 anos, seriam pagos 5,4 milhões de reais mensais à empresa. Desde o fim de 2014, com as contas apertadas, a prefeitura acionou um fundo garantidor com recursos dos royalties do petróleo para fazer o pagamento.
Mas, no início de 2015, o município editou uma lei limitando os repasses do fundo, devido à crise do setor de óleo e gás, e a concessionária passou a receber só 1 milhão de reais por mês. A empresa entrou com um processo na Justiça. Diz que a prefeitura deve 140 milhões de reais, mas continua prestando os serviços. A prefeitura respondeu que uma liminar tem garantido o pagamento à empresa. “O Brasil precisa reduzir esses riscos que limitam investimentos”, diz José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção.
Para isso, a estatal Agência Brasileira Gestora de Fundos captou 500 milhões de reais destinados a garantir as parcerias público-privadas. O fundo pode ser acionado em caso de inadimplência e será ressarcido pelos gestores quando houver espaço no orçamento. “Essa cobrança do setor público garante a perenidade do fundo”, diz Marcelo Pinheiro Franco, presidente da ABGF.
Como as parcerias são feitas para durar décadas, pode haver a necessidade de ajustes. Num país em que se teme a insegurança jurídica, a chave para isso ser bem-feito é ter a revisão prevista no contrato. Isso ocorreu na Bahia, onde o governo inaugurou, em 2010, o Hospital do Subúrbio de Salvador, primeira parceria na área de saúde no país. Ele foi construído com gasto público de 50 milhões de reais, mas é operado pelo setor privado. Ao longo dos anos, o número de procedimentos cirúrgicos superou os 8 900 previstos ao ano e chegou a 12 500.
Como o contrato contemplava revisões, foi possível acertar uma remuneração adicional para os operadores, considerando a necessidade de atender mais pacientes. “O excesso de demanda, algo que não é controlado, fez com que revíssemos a contraprestação ao serviço”, diz o procurador-geral da Bahia, Paulo Moreno Carvalho.
Nessa nova fase dos investimentos, em que as parcerias público-privadas, as concessões e as privatizações podem — e precisam — crescer, a dúvida que fica é se as práticas de corrupção detectadas pela Operação Lava-Jato foram extirpadas. “Está mais complicado, porque a opinião pública está a favor do combate à corrupção”, diz Sergio Lazzarini, pesquisador da escola de negócios Insper. “O que preocupa é que não há pressão para controle de gastos e, quando existe uma gastança maior, a corrupção pode aparecer.” O Brasil já descobriu o caminho a seguir para o investimento crescer e ajudar a impulsionar a economia. Só não pode deixar que voltem os vícios do passado.