Revista Exame

O mais badalado defensor de acionistas minoritários

Como um desconhecido advogado catarinense tornou-se, em poucos anos, o mais badalado defensor de acionistas minoritários brasileiros

Parisotto (à esq.) e Gasparino: o bilionário e o conselheiro são criador e criatura (Leandro Fonseca/Exame)

Parisotto (à esq.) e Gasparino: o bilionário e o conselheiro são criador e criatura (Leandro Fonseca/Exame)

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Da Redação

Publicado em 9 de junho de 2016 às 05h56.

São Paulo — Recém-chegado aos 45 anos, o advogado catarinense Marcelo Gasparino é um dos poucos brasileiros que não estão sofrendo com a crise. Pelo contrário, até. Os anos em que o país se enfiou no lamaçal de onde não consegue escapar transformaram Gasparino: se antes era um advogado desconhecido no grande esquema das coisas, ele virou um “player” no capitalismo nacional.

Até quatro anos atrás, ele tinha uma carreira sem grandes sobressaltos. Bacharel em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Gasparino tinha sido sócio de um escritório de advocacia e diretor da Celesc, a estatal local de energia.

Foi nessa empresa, em que ingressou em 2007, que, por um desses acasos do destino, seu caminho cruzou com o de um bilionário, o empresário e investidor Lirio Parisotto, um dos principais acionistas da Celesc. Anos depois, quando Gasparino deixou o emprego, o bilionário convidou-o para trabalhar com ele.

Foi o início de uma lucrativa amizade, sobretudo para o advogado, que começou ali uma nova carreira: conselheiro de administração profissional.

Virou um fenômeno. Há pouco mais de um ano, representando um acionista minoritário, assumiu a presidência do conselho de administração de uma empresa com controlador definido, a siderúrgica Usiminas — o que espantou muita gente, sobretudo acionistas da empresa, que reclamavam de sua falta de experiência.

Durou 12 meses no cargo, mas, apesar da controvérsia, Gasparino seguiu em frente — ou melhor, para cima. Continuou acumulando conselhos. Em abril, foi eleito conselheiro das elétricas Eletrobras, Cemig e Eletropaulo, da fabricante de coberturas Eternit e do grupo paranaense Battistella. Além disso, conseguiu uma vaga de suplente no conselho da mineradora Vale, maior empresa privada brasileira. 

A parceria com Parisotto era de que Gasparino precisava para se consagrar como o mais badalado especialista em representar acionistas minoritários em conselhos de administração. Num mercado ainda dominado por empresas que têm controlador definido, o espaço para um profissional como ele é praticamente ilimitado.

Antes de escolher Gasparino para representá-lo nos conselhos das empresas em que investe, Parisotto, que acumula uma fortuna próxima a 4 bilhões de reais, em grande parte porque investiu em ações, tinha apenas dois assentos em conselhos de administração e fiscal. Hoje, são 22.

A proximidade com Parisotto já garantiu, na largada, os votos também de outros megainvestidores normalmente aliados a ele, Luiz Barsi e Victor Adler. Mas, após o empurrão dado pelo amigo bilionário e sua turma, Gasparino foi ganhando velocidade com as próprias pernas.

A fama adquirida nos últimos anos fez com que, em 2016, ele conquistasse o apoio de outro ricaço, Juca Abdalla, dono do Banco Clássico, que tem 1% das ações da Petrobras e foi decisivo para que Gasparino entrasse nos conselhos de Eletrobras e Cemig. Com as ações do Clássico, eles também tentaram conseguir uma vaga no conselho da Petrobras, mas foram ignorados pelos demais minoritários.

“Calma, Marcelo, você quer abraçar o mundo?”, disse um dos integrantes do grupo. Ele também tem ganhado o voto de investidores internacionais nas assembleias de acionistas — as gestoras ajudaram sua eleição para os conselhos das elétricas e apoiaram a indicação para a vaga na Vale.

Suas articulações fizeram com que chegasse à presidência do conselho da Usiminas, siderúrgica que é vítima de uma guerra entre os acionistas controladores, a japonesa Nippon Steel e a ítalo-argentina Ternium. Como eles não se entendiam, Parisotto, acionista de longa data da companhia, comprou mais ações e Gasparino, então um simples conselheiro, aliou-se à Nippon e assumiu a presidência do conselho.

Na época, os representantes da Ternium, que julgavam Gasparino um desconhecido, ficaram possessos. No ano em que ele permaneceu à frente do conselho, a briga societária só se intensificou e o valor de mercado da Usiminas caiu 50%. Parisotto, seu padrinho, perdeu mais de 100 milhões de reais no processo.

“As pessoas me veem como advogado do Lirio, mas nunca recebi nada dele e meu salário hoje vem dos conselhos”, diz Gasparino, que receberá neste ano cerca de 75 000 reais por mês para participar das reuniões mensais de seis empresas. No ano passado recebia esse valor por mês por ser o presidente do conselho da Usiminas. A reviravolta em sua vida trouxe lá seus benefícios.

“Já comprei quase 150 000 reais em vinhos da adega do Lirio”, diz, sugerindo que é o enófilo bilionário que está se dando bem com ele, e não o contrário. É natural que uma ascensão tão vertiginosa acabe gerando atritos. Os desafetos de Gasparino alegam que lhe falta preparo tanto para contribuir estrategicamente para as empresas quanto para discutir grandes temas societários — ele é tributarista de formação.

Em 2014, a própria Comissão de Valores Mobiliários afirmou que ele desconhecia o regimento interno do conselho da Usiminas, do qual fazia parte havia dois anos. Outra crítica comum é que Gasparino por vezes tenta ser mais esperto do que a esperteza e se dá mal. Ainda na Usiminas, achou que tinha o apoio do acionista Benjamin Steinbruch, dono da rival CSN.

Mas, quando ­Steinbruch ganhou direito a voto na assembleia de acionistas, desqualificou seu trabalho e não o indicou para o cargo. Na Eternit, articulou para que o investidor Luiz Barsi assumisse a presidência do conselho, mas esqueceu de combinar com outro acionista, Victor Adler. Acabou perdendo.

Finalmente, ao emplacar seu nome no conselho de nada menos do que três empresas do setor elétrico, causou um alvoroço. A Eletrobras foi até a CVM chamando Gasparino de “espião” potencial da concorrência e pedindo à autarquia que estudasse o caso. Ainda não há decisão sobre o tema.

Na defesa

O “ativismo minoritário” é um fenômeno recente no Brasil e obteve notoriedade após a briga de investidores para ganhar espaço na Petrobras, há quatro anos. Lá, a primeira vaga de conselheiro independente foi de Mauro Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais e uma espécie de precursor de Gasparino (em 2015, Cunha deixou o posto).

Pouca gente se dispõe a brigar nos conselhos em nome dos minoritários, o que explica a ascensão súbita dos poucos que se candidatam. Já houve casos de empresas que manifestaram o desejo de oferecer vagas aos minoritários, desde que os indicados não fossem Cunha e Gasparino.

Os minoritários são uma “classe espoliada” no Brasil, segundo Gasparino, para quem a função de conselheiros como ele não é pensar na empresa, mas defendê-los da sanha dos controladores. Não é o que diz o livro-texto de governança corporativa, claro. Mas Gasparino tem um ponto: os casos de desrespeito aos direitos dos minoritários ainda são recorrentes no país.

Ainda é cedo para dizer se a ascensão de conselheiros como ele vai, de fato, ajudar os pequenos investidores brasileiros. Mas que defendê-los pode ser um bom negócio, isso pode.

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