Revista Exame

Presidente do BNDES se equilibra entre o banco e o governo

O economista Paulo Rabello de Castro diz querer transformar o sexagenário BNDES num verdadeiro banco de investimento

Paulo Rabello de Castro, presidente do BNDES: ele tenta evitar um conflito com Meirelles (Germano Lüders/Exame)

Paulo Rabello de Castro, presidente do BNDES: ele tenta evitar um conflito com Meirelles (Germano Lüders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 20 de outubro de 2017 às 05h55.

Última atualização em 2 de fevereiro de 2018 às 18h01.

O economista Paulo Rabello de Castro, de 68 anos, costumava ser chamado de “Chicago Boy” por representantes da esquerda. A alcunha faz referência à Universidade de Chicago — berço do pensamento monetarista, uma das alas mais à direita do espectro do pensamento liberal —, onde Rabello concluiu o doutorado em 1974. Desde que assumiu a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em 1o de junho, Rabello passou a ser apontado como “traidor do liberalismo”, desta vez por representantes da direita. “Ele encomendou um dossiê para defender as operações indefensáveis do BNDES e os subsídios dados pelo banco”, diz um empresário filiado ao Partido Novo, o mesmo a que Rabello era filiado até três meses atrás.

O dossiê ao qual o empresário se refere é, na verdade, um relatório sobre as atividades do BNDES de 2001 a 2016, feito por técnicos do banco a pedido de Rabello. A publicação surgiu como resposta a uma provocação de Marco Antônio Villa, historiador e comentarista da rádio Jovem Pan, de São Paulo, que entrevistou Rabello em seu primeiro dia à frente do banco estatal. Na ocasião, Villa, crítico feroz dos governos petistas, sugeriu que Rabello escrevesse um “livro negro do BNDES”, contando a suposta bandalheira praticada na instituição durante os governos Lula e Dilma. Rabello aceitou o desafio e disse que voltaria em 45 dias para entregar o livro. Em 15 de julho, um dia antes de acabar o prazo, Rabello concedeu uma nova entrevista e entregou um calhamaço com mais de 200 páginas batizado de Livro Verde, em vez de Negro.

Em 36 minutos de programa, Rabello fez uma defesa veemente do BNDES. Disse que não teve de “colocar ordem em esculhambação alguma”, porque o banco não é esculhambado. Afirmou que não havia descoberto nenhuma irregularidade cometida nos limites da instituição financeira. O que houve, segundo ele, foi um esquema paralelo de acerto de propinas por membros do governo. Argumentou que a relação do banco não se deu com a “tirania cubana”, como se referiu Villa ao tratar do porto de Mariel, em Cuba, construído pela Odebrecht com financiamento do BNDES. O cliente não foi o governo cubano, mas a Odebrecht que, antes da Operação Lava-Jato, era a maior construtora do país e uma empresa admirada. Rabello também justificou a sociedade com a JBS. “O negócio foi bom e amparado em critérios técnicos”, disse. “O problema ético dos sócios não significa que a empresa seja ruim.” Tanto no caso da Odebrecht quanto no da JBS, o BNDES teria trabalhado dentro das regras. “Cumpriu apenas a política determinada por um governo democraticamente eleito, goste-se dele ou não.”

Universidade de Chicago: aqui, Rabello estudou com professores premiados com o Nobel de Economia | Divulgação

O link da entrevista viralizou na sede do BNDES. “As pessoas vibraram”, diz um funcionário com quase 30 anos de casa e que pediu para não ser identificado. As declarações de Rabello mexeram com o moral da tropa “benedense”, abalada por suspeitas de corrupção em operações realizadas pelo banco e, principalmente, após a deflagração da Operação Bullish, em maio, que resultou na condução coercitiva de 37 funcionários para prestar depoimento na Polícia Federal. A investigação apura se houve fraudes nas operações realizadas com o grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, e dono da JBS.

Sobre as críticas de que está traindo os ideais liberais, Rabello responde com a língua afiada: “Há um tal liberalismo tupiniquim no Brasil, mais adepto do patrulhismo do que da literatura. Para essa turma, os ideais liberais têm de ser apartados das preocupações sociais. Isso é um erro de conceito. Sou liberal, sim. Creio que o mercado é o principal instrumento para gerar empregos e oportunidades. Mas também sei que os mercados não são perfeitos e que o Estado pode e deve agir para acelerar o desenvolvimento. Nesse sentido, sou também um desenvolvimentista”. Ele se compara a Roberto Campos, o economista que é um ícone do pensamento liberal no Brasil, e foi o criador do BNDES em 1952, no segundo governo de Getulio Vargas, para dar impulso à indústria e à infraestrutura.

Origem liberal: o economista Roberto Campos foi o criador do BNDES, em 1952 | Folhapress

De fato, Rabello teve como professores alguns dos expoentes do pensamento liberal nos dois anos e meio em que fez o doutorado em Chicago, um tempo recorde. Um deles foi Milton Friedman, laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1976. Outro foi Gary Becker, que lhe deu o curso de microeconomia e ganhou o Nobel em 1992. Mas foi Theodore Schultz, professor de economia agrícola, quem mais inspirou Rabello. Schultz foi um estudioso dos países em desenvolvimento, e particularmente das razões da baixa produtividade agrícola nesses lugares. Sua linha de pesquisa passou a ser chamada de “economia da pobreza” e lhe rendeu o Nobel em 1979, quatro anos depois de orientar informalmente a dissertação de Rabello. O ramo de estudos de Schultz se encaixou com a tese do então estudante brasileiro, que pretendia verificar se os programas de assistência técnica geravam ou não aumento de produtividade no campo e, consequentemente, de renda. A conclusão foi que sim: as propriedades com mais acesso a informação, via assistência técnica, eram mais rentáveis.

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Rabello começou a ganhar a simpatia dos funcionários do BNDES à medida que foi se posicionando contra, ou parcialmente contra, as propostas de sua antecessora, Maria Silvia Bastos Marques. A executiva, que dirigiu o banco durante um ano, entrou para o rol dos presidentes mais detestados pelos funcionários. Ela assumiu o -BNDES em maio de 2016, nomeada por Temer para substituir Luciano Coutinho, logo após o afastamento de Dilma Rousseff. Coutinho esteve durante nove anos à frente do banco, em uma fase áurea — o volume de desembolso passou de 130 bilhões de reais,  em 2007, para 267 bilhões, em 2010 —, depois caiu para 88 bilhões em 2016. Nesse período, o quadro de funcionários também cresceu, de menos de 2 000 para quase 3 000. Hoje, 64% deles têm dez anos ou menos de casa.

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Maria Silvia chegou para fazer o oposto de Coutinho, num período de vacas para lá de magras. Na nova fase, em vez de receber aportes do Tesouro para aumentar seu poderio de injetar dinheiro na economia, o BNDES passou a ser chamado a acudir o caixa da União, antecipando a quitação de empréstimos que seriam pagos em décadas. No ano passado, ainda sob o comando de Maria Silvia, o banco antecipou 100 bilhões de reais ao Tesouro para ajudar a reduzir o déficit do governo. A medida desagradou a corporação. “A Maria Silvia era uma espécie de interventora da Fazenda, e o Henrique Meirelles quer resolver os problemas do governo com o caixa do BNDES”, afirma Arthur Koblitz, vice-presidente da associação dos funcionários do banco.

Porto de Mariel, em Cuba: uma das obras da Odebrecht financiadas pelo BNDES | Sarah L. Voisin/The Washington Post /Getty Images

Neste ano, o governo pediu mais 180 bilhões de reais de adiantamento. Diferentemente da antecessora, porém, Rabello mostrou que não concordará com todas as demandas da equipe econômica. “O pedido merece consideração, até porque somos governo, mas a mera devolução não é a solução mais inteligente”, disse. Para ele, usar o dinheiro para reduzir minimamente a dívida pública não é a melhor opção num momento em que a economia tenta sair do atoleiro. O melhor seria aplicar os recursos em investimentos para tentar acelerar a criação de empregos. Até agora, ficou acertado que o BNDES repassará 50 bilhões de reais neste ano (33 bilhões já foram, em setembro). A devolução do próximo ano ainda depende do resultado da queda de braço entre Rabello e o Ministério da Fazenda.

O argumento do presidente do BNDES caberia sob medida na boca de um desenvolvimentista de esquerda, não fosse o restante de suas ideias liberais. Para Rabello, só as despesas com investimento deveriam ser sagradas. Contingenciáveis deveriam ser os gastos com custeio. Na opinião dele, o país continuará enxugando gelo se não partir para uma mudança de modelo do Estado. “Temos uma revolução para fazer nas despesas”, afirma. Na visão de Rabello, só quando passar a gastar apenas o que arrecada, o Estado brasileiro poderá pagar menos juros para se financiar e, consequentemente, derrubar outras taxas formadas com base na Selic. Isso estimularia a acumulação de capital e, portanto, os investimentos produtivos.

Wesley Batista, sócio da JBS: a empresa conta com o BNDES entre os acionistas | Rafael Arbex/Estadão Conteúdo

Paralelamente à revolução nas despesas do Estado, Rabello prega a urgência de uma reforma tributária. Ela deveria começar com a simplificação do pandemônio de regras existentes. Em seguida, viria a redução gradual da carga de impostos. E isso, segundo ele, tem tudo a ver com o BNDES. “Enquanto não invertermos a lógica de funcionamento do Estado brasileiro, não adianta pensar em acabar com os financiamentos subsidiados para o setor produtivo. O que chamam de subsídio, chamo de compensação, porque o setor produtivo não consegue sobreviver com a maior taxa de juro do mundo, uma distorção provocada pelo próprio Estado.”

Nesse ponto, as ideias de Rabello colidem mais uma vez não só com as de sua antecessora mas também com as de Henrique Meirelles. Um dos pilares da gestão de Maria Silvia era reduzir os subsídios dos financiamentos concedidos pelo banco. Foi um de seus diretores, o economista Vinicius Carrasco, que ajudou o Ministério da Fazenda a elaborar a medida provisória que criou a nova taxa de juro do BNDES: a taxa de longo prazo (TLP), que substituirá a taxa de juro de longo prazo (TJLP) em janeiro de 2018. A TJLP é a taxa que o banco paga ao Tesouro por recursos captados com a União. O problema é que a TJLP, definida pelo Conselho Monetário Nacional, costuma rodar abaixo da Selic (taxa de juro que a União paga para se financiar). Dependendo do descompasso entre as duas taxas e do volume de recurso captado pelo BNDES com a União, o Tesouro sofre uma perda grande. Foi o que ocorreu no governo Dilma. A diferença em 2015 chegou a ser de 7,5% (TJLP), ante 14% (Selic). Ou seja, o BNDES vinha emprestando dinheiro da União a taxas bem mais baixas do que a própria União capta ao vender títulos. Pelas contas de Carrasco, os subsídios da União ao BNDES somaram 565 bilhões de reais, de 2008 a 2016, em razão da diferença Selic-TJLP. Por favorecer empresas escolhidas, essa vantagem deu origem à expressão “bolsa empresário”, numa comparação crítica com o programa social Bolsa Família.

Idoso enxuto

A nova taxa TLP seguirá a que a União paga ao emitir títulos de cinco anos. Consultado, Rabello comentou que a correção da TLP pela inflação, em vez de ter o índice decidido pelo Conselho Monetário, tornará a taxa mais volátil, algo que poderá prejudicar os investimentos de longo prazo. A declaração de Rabello, dada em julho, provocou o pedido de demissão de Vinicius Carrasco. Até então, Rabello trabalhava com toda a diretoria herdada de Maria Silvia. Após a saída de Carrasco, mais dois executivos nomea-dos por ela, Cláudio Coutinho e Ricardo Baldin, pediram demissão.

O fato de ter visão diferente da antecessora não significa que Rabello concorde com o BNDES da era petista. “Não quero depender nem de TJLP nem de TLP”, diz. Segundo ele, o BNDES vai deixar de depender das verbas da União, tanto tributárias quanto de empréstimos. Terá de trabalhar como um banco qualquer e buscar capital nos mercados interno e externo. A ideia não é descartar os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, por exemplo, mas mudar sua remuneração (o FAT é uma das fontes de captação do banco garantidas pela Constituição). O banco passaria a pagar dividendos sobre esse capital, além de um juro fixo (hoje paga só TJLP), como dita a regra atual. “Hoje, os dividendos gerados com as aplicações feitas pelo BNDES com o dinheiro do FAT vão para a mão estéril da viúva, ou seja, a União”, afirma Rabello.

Michel Temer e Henrique Meirelles: Rabello foi escolhido pelo primeiro, mas precisa se afinar com o segundo | André Dusek/Estadão Conteúdo

Se conseguir fazer as transformações que pretende, Rabello tornará o BNDES um banco de investimento. Ou seja, mais voltado para estruturar negócios do que para alocar montes de dinheiro em projetos selecionados. O BNDESPar, braço do banco que mantém participações acionárias em empresas como Vale, JBS e Copel, será o principal instrumento do BNDES renovado, organizando fundos de investimento para estimular empresas inovadoras e pequenos e médios negócios. O novo modelo está sendo discutido num plano estratégico, em fase de preparação com a ajuda da consultoria de gestão alemã Roland Berger. O trabalho deverá terminar em meados de 2018. “O banco completou 65 anos em junho. Estamos justamente na fase de olhar para dentro e perguntar: ‘Sou um velho caquético, que merece, se não a morte, a aposentadoria? Ou sou um idoso enxuto, pronto para me reciclar e fazer da minha vida uma coisa boa e útil aos outros?’”, diz Rabello. Outra mudança planejada é a alocação de um executivo de negócios em cada capital do país. “Não queremos que todos os empresários tenham de nos procurar na Avenida Chile (sede do BNDES, no centro do Rio de Janeiro). Temos de pegar a malinha e ir atrás dos negócios onde estiverem”, afirma Roberto Carvalho, assessor de Rabello. O BNDES só tem escritórios em São Paulo e Brasília, além da matriz.

Rabello nunca havia trabalhado no governo até maio de 2016, quando foi indicado por Michel Temer à presidência do Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística, posto que ocupou durante um ano até ser “convocado”, como ele diz, a presidir o BNDES. Logo que voltou dos Estados Unidos, em 1974, ingressou na academia. Foi professor no doutorado de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, e redator-chefe da revista Conjuntura Econômica, também da FGV. Em 1993, abriu a primeira empresa brasileira de avaliação de risco de crédito, a SR Rating, em operação até hoje. A presidência do BNDES é seu maior desafio, mas também o melhor trampolim para ajudá-lo a alcançar o novo objetivo: entrar na política. No começo de outubro, Rabello se filou ao Partido Social Cristão (PSC), presidido pelo Pastor Everaldo. A escolha, segundo uma pessoa próxima a Rabello, foi recomendada pelo próprio presidente Temer, que teria forte influência na sigla. Temer e Rabello não são exatamente amigos, ou pelo menos não eram até a chegada ao governo. Os dois se conheciam de eventos relacionados a economia e direito. Um amigo em comum, o jurista Gastão Toledo, foi o responsável pela aproximação deles em 2015. Na época, Gastão já era assessor especial do então vice-presidente e passou a sugerir que o chefe ouvisse Rabello, principalmente a respeito do tema reforma tributária, pelo qual o economista é obcecado.

A filiação de Rabello ao PSC causou estranheza entre os amigos. Apesar da afinidade no campo econômico — a sigla se posiciona como liberal —, o partido sustenta um discurso conservador no aspecto comportamental, que não combinaria com o presidente do BNDES (entre os porta-vozes do PSC estão os deputados federais Marco Feliciano e Jair Bolsonaro, que se desfiliou recentemente). “O Paulo é um liberal no aspecto econômico e um libertário no comportamental”, diz um amigo que pediu para não ser identificado. Antes do PSC, Rabello foi filiado ao Partido Verde durante oito anos, de 2002 a 2010. Depois de deixar o PV, só em 2016 se filiou ao Partido Novo, dessa vez com a intenção de ter, de fato, atuação político-eleitoral. Ignorado pela direção do Novo, como ele mesmo diz, decidiu se desligar e partir para o PSC. A relação de Rabello com a política é bem anterior à atuação partidária. Ele elaborou vários planos de governo para o antigo PFL (atual DEM).

Fora do mundo das siglas, o economista encampou inúmeras causas. Em 1993, fundou o Instituto Atlântico, dedicado a elaborar políticas públicas de base liberalizante. Em 2011, no Instituto Atlântico, criou o Movimento Brasil Eficiente com vários empresários, e percorreu o país em palestras e seminários, pregando sua proposta de simplificação tributária. “O Paulo é obcecado pelo Brasil. Ou melhor, por transformar o Brasil”, afirma José Luiz Alquéres, ex-presidente da Light e dono da editora Edições de Janeiro, que publicou O Mito do Governo Grátis, livro de Rabello lançado em 2014. Segundo amigos, a decisão de entrar na política é uma forma de tentar concretizar sua visão. “Ele é entusiasmado, e aparentemente cansou de dar murro em ponta de faca. Quer o poder da caneta para pôr suas ideias em prática, além, é claro, de satisfazer sua vaidade”, diz uma pessoa próxima a Rabello. “Quer ser presidente, mas aceita ser governador.”

Antes de disputar um cargo com poder de caneta, Rabello terá de se esforçar para permanecer na presidência do BNDES. Para isso, mais do que os resultados de sua gestão, contará a vontade do ministro Henrique Meirelles, que parece incomodado com o fato de Rabello ter tantas ideias próprias sobre como conduzir não só o banco mas também a economia. Rabello pode até contar com a simpatia de Temer. Mas o presidente dificilmente entraria em rota de colisão com um ministro que é considerado o principal trunfo de seu governo. Eis uma questão a ser decidida só entre liberais.

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