Abilio Diniz: recordista de capas na EXAME (Leandro Fonseca /Exame)
Publicado em 23 de fevereiro de 2024 às 06h00.
Última atualização em 23 de fevereiro de 2024 às 06h15.
Há quem diga que o otimista é um pessimista mal-informado. Mas Abilio Diniz preferia acreditar que essa máxima não estava correta. Aos 87 anos gostava de se afirmar como um otimista inveterado. Uma visão positiva de futuro moldada por um caminho de altos e baixos de um empreendedor que muitas vezes precisou se reinventar. Fez da doceria da família uma das maiores redes de supermercado do país, o Pão de Açúcar, e viu o negócio flertar com a falência. Mais tarde perdeu a queda de braço numa disputa acionária em escala pouco vista na história empresarial brasileira. No ano seguinte já estava de volta ao jogo como acionista do Carrefour, principal concorrente da empresa criada pelo pai e que ajudou a tornar líder do mercado brasileiro.
“O otimista vive melhor, vive mais feliz”, disse em sua última entrevista à EXAME, em agosto de 2023, quando celebrou sua capacidade de reinvenção e personificou a figura do empresariado brasileiro nos 50 anos do prêmio Melhores e Maiores. Havia uma razão: é de Abilio o posto de recordista de capas da EXAME. Das 1.260 edições impressas desde julho de 1967, ele foi destaque em 14, com a capa desta edição. “Em toda minha vida, todos os negócios que eu fiz, eu sempre busquei ser o melhor. Sendo o melhor, ser o maior pode ser consequência.”
O empresário morreu em 18 de fevereiro, em decorrência de uma insuficiência respiratória por pneumonite. Estava hospitalizado havia algumas semanas, depois de passar mal em Aspen, nos Estados Unidos, e voltar às pressas ao Brasil num avião com uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). O velório aconteceu no dia 19 de fevereiro, no Salão Nobre do MorumBis, estádio do São Paulo Futebol Clube, seu time do coração e um dos símbolos da paixão pelos esportes — uma obsessão que o acompanhou desde a infância como um antídoto ao bullying.
Gordinho na infância, Abilio aprendeu a lutar boxe para intimidar, se preciso fosse, quem lhe incomodava. O empresário trazia consigo o gênio forte e atrevido — além do hábito de praticar exercícios físicos diariamente e exibir, já quase aos 90 anos, um corpo malhado. Era, nas palavras de Luiza Helena Trajano, controladora e presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, um dos “maiores aliados” do varejo e um brasileiro que “assumia suas posições.”
Ao tomar posição, Abilio ganhou relevância. “Abilio era um empresário dedicado, que participou da gestão, do crescimento e da criação de muitas empresas no Brasil. Sempre viveu com uma grande determinação e dedicação ao trabalho, superando dificuldades e perdas pessoais”, definiu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma rede social. “O Brasil perde um empreendedor visionário, que nunca se prostrou diante dos desafios; pelo contrário, cresceu, inovou, com uma capacidade extraordinária de adaptação diante de tantas mudanças pelas quais o país passou ao longo de décadas. Abilio Diniz personifica aspectos que vão muito além do legado que deixa para o varejo brasileiro. Foi uma pessoa que não permitiu que os obstáculos que enfrentou quebrassem a sua convicção de que era possível transformar o ambiente de negócios do país”, escreveu André Esteves, sócio-sênior do banco BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME).
Abilio se tornou uma celebridade ao misturar a própria trajetória de vida com a história do varejo no Brasil. Morreu às vésperas da divulgação do balanço de 2023 do Carrefour, do qual detinha 7,3% do capital por meio de sua family office Península Investimentos e era voz bastante ativa como conselheiro. “Ele era muito presente, uma pessoa de muita energia. Um visionário”, diz o CFO, Eric Alencar, a jornalistas. Abilio compunha o conselho do Carrefour Brasil e da matriz, na França, da qual também era acionista.
Ousadia de pensar grande
Da primeira loja do Pão de Açúcar à Península Investimentos, o empresário construiu uma das maiores fortunas do país com um patrimônio de mais de 2 bilhões de dólares, de acordo com levantamento da revista americana Forbes. Nascido em 28 de dezembro de 1936, foi o primeiro dos seis filhos de Floripes Pires e de Valentim Diniz. Se formou em 1956 pela Escola de Administração de Empresas da FGV, com o sonho de fazer uma pós-graduação em Michigan e ser professor. Tocar a doceria Pão de Açúcar que seu pai havia criado no bairro paulistano do Paraíso era pouco perto de suas ambições. A visão mudou depois de o pai apresentar-lhe as redes Peg-Pag e Sirva-se, primeiros supermercados do país, onde as pessoas pegavam nas prateleiras o que queriam. Até então, era preciso pedir ao balconista o que interessava das mercearias. O novo formato conquistou Abilio de cara, e ele decidiu levar o conceito para a empresa da família. “Aquilo virou minha cabeça. Percebi que daquele jeito seria possível fazer uma empresa grande.”
O espírito ambicioso do jovem Abilio motivou, então, a expansão da Doceria Pão de Açúcar, fundada em 1948 por “Seu Santos”, como era conhecido seu pai. Em 1959, nascia a primeira loja do mercado, na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, em São Paulo, onde até hoje está a sede do grupo varejista. O apetite para o pioneirismo já havia ficado claro. Nos anos 1960 e 1970, o Pão de Açúcar acumulou uma série de “primeiras vezes”. Foi a primeira rede do setor a ter uma loja em shopping center, a primeira a ter uma farmácia dentro do estabelecimento e também a primeira a funcionar 24 horas.
Em 1971, Abilio trouxe para o Brasil o conceito de hipermercados por meio da bandeira Jumbo, um empreendimento que copiava o modelo do Carrefour, cuja ideia veio depois de uma viagem do empresário à Europa de olho em tendências do setor. Depois disso, adquiriu ainda Peg-Pag e Sirva-se, suas primeiras inspirações como empreendedor. Ao fim dos anos 1970, o grupo Pão de Açúcar tinha 150 lojas e 15.000 funcionários.
O pioneirismo, no entanto, foi interrompido por conflitos familiares, que afastaram Abilio do Pão de Açúcar. “Sofri muito com a empresa familiar. Há sempre uma tendência de misturar os assuntos corporativos com os de casa, o que atrapalha o andamento da companhia”, afirmou à EXAME em 2011. De 1979 a 1989, foi membro do Conselho Monetário Nacional. Foi também em 1989 que viveu um dos episódios mais marcantes e que desafiou a convicção do empresário em sua “imortalidade”. Foi sequestrado e passou seis dias em um cativeiro na zona sul da capital paulista. O executivo já tinha certa visibilidade na mídia, mas por lutar artes marciais e por saber atirar, julgava que estava protegido. “Ele se sentia humilhado, amedrontado e furioso por não ter sido capaz de se defender”, conta a autora Cristiane Correa no livro Abilio: Determinado, Ambicioso, Polêmico. Depois de 36 horas de negociação, o empresário foi libertado. Tomou banho e dormiu com a ajuda de remédios, mas foi trabalhar no dia seguinte.
Nessa época, se reaproximou do negócio da família, recebendo do pai a maior parte das ações, e iniciou o que seria a nova fase do GPA. Firmou o mantra “corte, concentre e simplifique”, de olho em recuperar os negócios, que beiravam a falência com o aumento de despesas. Na época, Abilio cortou dezenas de diretores. O número de funcionários caiu de 45.000 em 1990 para 17.000 em 1991. A frota de carros, benefício dos executivos, foi vendida. O número de lojas foi de 626 para 262. Trabalho feito, e com Abilio cada vez mais no comando, o GPA chegou à bolsa em 1995 e foi, também, a primeira empresa brasileira a listar suas ações em Nova York, dois anos depois, fazendo de Abilio um rosto novo no varejo global.
Disputa francesa
A projeção de Abilio ao cenário corporativo global trouxe mais jogadores para o campo. Em 1998, num jantar em Paris na casa do banqueiro David René de Rothschild, conheceu Jean-Charles Naouri, acionista do Casino, que seria um de seus principais sócios e rivais. No ano seguinte, o grupo de varejo francês comprou 24,5% do capital do GPA, dando musculatura para a varejista brasileira crescer. Em 2003, depois da tentativa frustrada de compra do Atacadão — hoje principal motor de crescimento do Carrefour Brasil —, o GPA adquiriu a rede de atacado Sendas (atual Assaí). Anos mais tarde, comprou dos Klein a Casas Bahia e juntou às lojas Ponto Frio, criando o que viria a ser a Via Varejo. Atualmente, as duas empresas não têm mais vínculo com o GPA.
Foi nesse período de crescimento com o sócio francês que a relação Abilio-Naouri foi ganhando outros tons e os dois empresários passaram a se posicionar em lados adversários. Em 2005, o grupo francês aumentou sua participação na empresa brasileira e firmou um contrato que previa que Abilio deveria deixar o controle total em 2012. O empresário brasileiro se arrependeu, na data, mesmo já com mais de 70 anos, e tentou costurar uma fusão de três: Carrefour, Casino e Pão de Açúcar. A tentativa falhou — e foi interpretada como uma forma de Abilio tentar descumprir o acordo.
Do lado do Casino, o principal argumento era o contrato assinado e, do lado de Abilio, o ponto principal era a necessidade de crescimento do GPA que contrastava com o endividamento do grupo francês. Em 2021, em entrevista ao podcast Flow, Abilio reconheceu que não tomou todos os cuidados necessários. “Ficaram muitas coisas ao acaso e daí deu-se a briga. Quando se vai fazer um contrato, vai na loucura do detalhe”, disse. Sem ir à loucura do detalhe, o empresário brasileiro protagonizou o que foi uma das maiores disputas societárias do país. Em 2013, Abilio acabou totalmente afastado da empresa que um dia foi de sua família. Naquele ano se aventurou na indústria, investindo na BRF e, àquela época, assumindo a presidência do conselho da dona da Sadia e da Perdigão.
Já em 2014, Abilio por meio da Península investiu no concorrente Carrefour e entrou para o conselho. Estava ali, o novo “lugar de gente feliz”, brincou o empresário com o jargão do GPA. O passar do tempo traria a trégua para a relação com Naouri, que é quem hoje vê o controle do Casino escorrer pelos dedos. “Abilio foi um empreendedor incansável e que acima de tudo jamais abandonou seu otimismo com o Brasil. Seu legado será sempre lembrado como um dos maiores nomes do varejo alimentar no mundo”, disse o francês em nota.
Desde quando o Casino assumiu o GPA, Abilio fez uma série de previsões que se mostraram verdadeiras. Há mais de dez anos, já chamava a atenção do empresário o nível de endividamento da holding francesa, bem como o apetite do Casino por desmantelar o GPA. Ao longo do tempo, diferentes negócios foram realmente vendidos, com o exemplo mais recente sendo a venda da rede colombiana de supermercados Éxito. Os franceses também anunciaram o interesse de sair de todos os seus negócios na América Latina, o que inclui o dono do Pão de Açúcar, em que ainda detêm 41% das ações.
As últimas décadas trouxeram ao empresário também o ímpeto de ensinar o que aprendeu como empresário. Há mais de dez anos ministrava na FGV o curso “Liderança 360”, que contou com mais de mil alunos de diferentes estados, de forma presencial e, mais recentemente, online. Aprender, aprender e aprender era a lição do professor Abilio Diniz aos alunos da FGV. “Abilio tinha uma grande vontade e prazer em transmitir tudo aquilo que ele aprendeu no mundo dos negócios”, afirma Maria José Tonelli, professora há mais de 30 anos da FGV-Eaesp, parte da faculdade que coordena os cursos de graduação e pós-graduação de administração de empresas em São Paulo.
Extremamente ativo, Abilio argumentava mais recentemente que tinha um propósito muito claro na vida: ser feliz, aprender e compartilhar. Poderia já não correr mais em uma esteira de costas no escuro como fez aos 77 anos em uma entrevista à EXAME, mas seguia na tentativa de “acreditar que era eterno”. A finitude da vida se mostrou presente, no entanto, no desafio pessoal que mais doeu em Abilio, a morte do filho João Paulo Diniz, em 2022, em decorrência de um infarto aos 58 anos. No último ano, continuou se reinventando. Além de manter um blog sobre esportes no portal UOL, foi contratado em 2022 para comandar o programa de entrevistas Olhares Brasileiros, na CNN Brasil. Abilio deixou cinco filhos: Ana Maria, Adriana e Pedro Paulo, do primeiro casamento com Maria Auriluce Falleiros, e Rafaela e Miguel, do segundo casamento com a economista Geyze Marchesi.
Os ensinamentos de Abilio Diniz na visão de alguns dos maiores empresários e executivos do Brasil
“Abilio Diniz não foi apenas um dos maiores empresários do nosso país. Foi um agente transformador, atuando no desenvolvimento social do Brasil. Apoiou os Amigos do Bem e outros programas e projetos que visam a erradicação e desigualdade social. Ele fará muita falta no nosso país, mas deixou um grande legado.”
Alcione Albanesi, presidente da ONG Amigos do Bem
“Estive com ele em vários momentos, e o mais recente foi em seu último programa. Lembro-me muito bem das palavras sobre a importância da resiliência e da capacidade de inovar com agilidade, além da necessidade de estar sempre rodeado de pessoas incríveis, ouvindo quem está ao nosso lado.”
Alexandre Birman, CEO e CCO da Arezzo&Co
“Triste, pois o Brasil perde um grande líder, o varejo perde um de seus maiores aliados. Um brasileiro que assumia posições.”
“Sua contribuição para a nossa economia e para o ambiente de negócios deixa um legado importante e servirá como uma inspiração para muitas gerações. Abilio será sempre admirado e lembrado por sua visão empreendedora única e pelas suas enormes conquistas, profissionais e pessoais.”
Mario Leão, presidente do Santander Brasil
“A liderança do Abilio transcendeu sua vida pessoal e, através do exemplo e de sua pregação, inspirou o brasileiro a empreender, cuidar da vida e exercer a cidadania plena.”
Eugênio Mattar, chairman da Localiza
“Além de um dos maiores líderes e ícones empresariais do Brasil, admirável empreendedor, pai, esposo e amigo exemplar, Abilio era sinônimo de dedicação e solidariedade, uma inspiração para muitos, em especial para nós do Pacto Contra a Fome, do qual era apoiador financeiro. Em nome de todo o nosso time e conselheiros, transmitimos nossos melhores sentimentos à sua esposa, filhos e demais familiares.”
Rosana Blasio, CEO do Instituto Pacto Contra a Fome
“Abilio Diniz foi um visionário que dedicou a vida ao desenvolvimento do nosso país, sem esmorecer mesmo diante de enormes baques, como o sequestro que sofreu e a perda de um filho. Gerou milhões de empregos e influenciou gerações de empreendedores.”
Rubens Ometto Silveira Mello, presidente do Conselho de Administração da Cosan
“Abilio Diniz, obrigado por tanto, nestes anos todos. Sempre firme, decidido, corajoso. Você será para sempre um de nossos heróis brasileiros.”
“Perdi um amigo leal e querido, e o Brasil, um ícone que contribuiu ativamente para o desenvolvimento econômico do nosso país. Humano, generoso e companheiro, nunca mediu esforços para fazer o certo e estar perto dos seus.”
Carlos Francisco Jereissati, fundador do Grupo Iguatemi
“O Brasil perde um empreendedor visionário, que nunca se prostrou diante dos desafios, pelo contrário, cresceu, inovou, com uma capacidade extraordinária de adaptação diante de tantas mudanças pelas quais o país passou ao longo de décadas. Abilio Diniz personifica aspectos que vão muito além do legado que deixa para o varejo brasileiro. Foi uma pessoa que não permitiu que os obstáculos que enfrentou quebrassem a sua convicção de que era possível transformar o ambiente de negócios do país.”
“Abilio era um apaixonado por viver a vida com equilíbrio, sabedoria, entrega e dedicação ao próximo. Amou sua família, seus amigos e seu país, a cujo desenvolvimento se dedicou incansavelmente das mais variadas formas.”
Stéphane Maquaire, CEO do Carrefour Brasil
“Abilio Diniz, indiscutivelmente, não apenas foi um dos principais líderes empresariais da nossa história, dentro de um conceito de eficiência empresarial, mas também teve participação social extremamente importante.”