Produção de carros da Toyota: as companhias japonesas precisam ter planos de lucratividade (.)
Da Redação
Publicado em 2 de outubro de 2015 às 05h56.
São Paulo — Na sociedade japonesa, o parâmetro para medir o grau de vergonha é o tempo e a inclinação de uma pessoa ao se curvar perante os outros. No dia 21 de julho, Hisao Tanaka, presidente do conglomerado de tecnologia Toshiba, permaneceu 15 segundos com o corpo curvado num ângulo de 90 graus diante de uma plateia de jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas.
O gesto equivale ao segundo mais alto grau de arrependimento no Japão — o primeiro é quando a pessoa se ajoelha e encosta a cabeça no chão. Naquele momento, Tanaka acabava de renunciar a seu cargo após a revelação de que os balanços da empresa estavam sendo inflados sistematicamente desde 2008, no valor total de 1,2 bilhão de dólares.
A companhia admitiu que várias divisões enfrentavam problemas financeiros, incluindo a de computadores pessoais. Para a Toshiba, a fraude contábil é o mais grave escândalo nos 140 anos de sua história. Do ponto de vista do governo, o episódio aconteceu em péssima hora.
O escândalo veio à tona justamente quando grandes mudanças estão em curso no setor privado. Em junho, o governo colocou em vigor o primeiro código de governança corporativa do país e, para azar do primeiro-ministro Shinzo Abe, a Toshiba vinha sendo retratada como um dos melhores exemplos a ser seguidos.
Mesmo com esse revés, Abe tem se mantido confiante na necessidade de transformar a cultura empresarial — e ele tem bons argumentos em seu favor. Para os padrões do mundo rico, o ambiente corporativo japonês desafia a lógica de mercado. O lucro não é uma obsessão para os executivos.
Entre as companhias abertas, a margem de lucro média em 2014 foi de 5% — pouco mais da metade do registrado pelas empresas americanas. A meritocracia é um conceito etéreo. O avanço na carreira é determinado pela senioridade do funcionário. A remuneração de quem chega ao médio e ao alto escalão das empresas tem pouco a ver com o desempenho.
Logo, não há incentivos para quem corre riscos. Esse ambiente acabou criando empresas que vivem em bolhas de conservadorismo gerencial. As companhias japonesas são as que mais acumulam dinheiro em caixa. Estima-se que cerca de 2 trilhões de dólares estejam presos no setor privado — o que equivale a quase metade do PIB japonês.
É essa fortuna que Abe quer movimentar para reativar a economia, que há mais de duas décadas sofre com anos de recessão alternados com pequenas marolas de baixo crescimento. Com o novo código de governança corporativa recém-implantado, as empresas passaram a ser incentivadas a criar planos e metas de lucratividade e de eficiência de capital.
Com isso, a expectativa é que o dinheiro guardado em caixa seja direcionado para investimentos e aquisições — dentro e fora do país. Espera-se também que muitos conglomerados deem fim às chamadas empresas zumbis, divisões que não geram lucro, mas são mantidas vivas alimentadas por segmentos mais dinâmicos do grupo.
Com maior ênfase nas margens de lucro, acredita-se que a engessada estrutura hierárquica das corporações comece a ser quebrada, ajudando, assim, a aumentar a produtividade do trabalhador japonês — estagnada desde o começo dos anos 90.
O novo código de governança corporativa dá mais força aos acionistas minoritários, cujos interesses costumavam ser solenemente ignorados pelos conselhos de administração — tradicionalmente compostos de diretores e representantes de funcionários das empresas. A partir de agora, as companhias precisam contratar pelo menos dois executivos independentes para o conselho de administração.
Nas 225 empresas que compõem o principal índice da Bolsa de Valores de Tóquio, 23% dos assentos são ocupados por conselheiros externos — na bolsa de Nova York, o percentual é de 84%.
“Com mais conselheiros externos, é possível acelerar a adoção de melhores práticas de governança e quebrar maus hábitos, criando, desse modo, um ciclo positivo”, diz o americano Nicholas Benes, presidente do Instituto de Formação dos Conselhos de Administração do Japão.
A intenção do governo japonês é também tornar o Japão mais atrativo para os investidores estrangeiros. Tradicionalmente, a rentabilidade do patrimônio dos acionistas é menor do que nos Estados Unidos e na Europa. Enquanto a taxa de retorno do investimento de companhias abertas no Japão foi de 9% no ano passado, esse índice foi de 13% nas empresas americanas.
“A melhoria da gestão empresarial é parte de um extenso e ambicioso programa de reformas. Se o governo tiver sucesso, a economia deverá voltar a acelerar”, afirma o economista Homin Lee, do banco de investimento Lombard Odier, que administra 8 bilhões de dólares na Ásia.
A necessidade de mudanças na área corporativa é antiga, mas apenas recentemente o governo sentiu-se apto a torná-las realidade.
No fim do ano passado, Abe antecipou as eleições, foi eleito e se fortaleceu politicamente. Apesar da grande resistência a mudanças no Japão, algumas companhias já tinham saído na frente. No ano passado, a fabricante de eletrônicos Hitachi anunciou o fim dos aumentos salariais e das promoções em função do tempo de casa do funcionário.
Outras grandes corporações, como o grupo financeiro Sumitomo Mitsui, o de eletrônicos Fujitsu e a fabricante de câmeras Canon, indicaram recentemente nomes externos para seus conselhos. Para que Abe tenha mais chance de vencer sua cruzada reformadora na área de governança corporativa, esse tipo de apoio é crucial.
Principalmente se os presidentes dessas empresas conseguirem evitar problemas com a Justiça — e se não forem vistos com o corpo curvado num ângulo de 90 graus durante vários segundos na frente das câmeras de televisão.