Blue Zone: a área mais restrita da conferência registrou número recorde de lobistas do petróleo, com mais de 2.000 participantes (Leandro Fonseca/Exame)
Publicado em 21 de dezembro de 2023 às 06h00.
“Agora, isso não é o fim. Nem mesmo é o começo do fim. Mas é, talvez, o fim do começo.” Winston Churchill, o primeiro-ministro britânico que liderou a Inglaterra para a vitória na Segunda Guerra Mundial, tinha como principal arma política a língua inglesa. Memoráveis, seus discursos mobilizaram os britânicos nos momentos mais agudos do conflito. Em 1942, com dois anos de combates, a máquina nazista dominava boa parte da Europa, o Norte da África, e se lançava a uma velocidade jamais vista pela Rússia. A temida divisão Panzer, comandada por Erwin Rommel, “a raposa do deserto”, general preferido de Hitler, parecia imbatível com sua tática de matilha e movimentações intensas. No final daquele ano, Churchill escalou o pragmático e vaidoso general Bernard Montgomery para enfrentar Rommel, e colheu a primeira grande vitória dos Aliados, em El Alamein, no Egito.
A frase que inicia esta reportagem é parte do discurso de vitória na Batalha do Egito, em 1942. Naquele momento, falar em triunfo dos Aliados na guerra soava mais como uma oração de esperança do que uma previsão embasada em fatos. Mas, ainda que Hitler estivesse à frente, a verdade é que, na retaguarda, os britânicos haviam ultrapassado os alemães em produção de armamentos, incluindo navios, aviões e tanques, e as linhas de montagem americanas despejavam tanques M4 Sherman no ritmo em que a Tesla entrega carros elétricos atualmente. Era uma questão de tempo para a Alemanha ser superada pela supremacia econômica aliada.
Na grande batalha travada pela humanidade atualmente, a das mudanças climáticas, imaginar que o mundo está perto de superar o desafio da descarbonização, o que depende de substituir o principal causador do aquecimento global, os combustíveis fósseis, soa como um desejo de esperança. Na 28a Conferência das Partes, a COP28, realizada no início de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, no entanto, talvez os ambientalistas tenham obtido uma imensa vitória. O documento produzido pelos quase 200 países representados na conferência climática da ONU fala em eliminação gradual- dos combustíveis fósseis, um acordo histórico, que pode marcar o início do fim do petróleo.
“A COP28 entregou avanços importantes”, afirmou Simon Stiell, secretário executivo para Mudanças Climáticas da ONU, na última coletiva de imprensa da conferência, realizada na manhã da quarta-feira 13. “Triplicar as energias renováveis, dobrar a eficiência energética, operacionalizar o fundo de perdas e danos”, elencou Stiell. Mas o fato histórico é a inclusão da expressão “abandonar” o uso de combustíveis fósseis, e eliminar gradualmente “subsídios eficientes” a eles.
Isso não significa, como quase todo o mercado vem enfatizando, que a partir da próxima semana não haverá mais gasolina nas bombas. “A maioria dos investidores presumiu uma transição dos combustíveis fósseis no longo prazo, e isso foi assumido mesmo antes da declaração oficial [de a COP ser divulgada]”, disse à EXAME Russ Koesterich, gerente de portfólio de alocação global da BlackRock, a maior gestora do mundo. “Ao mesmo tempo, a transição levará tempo. Não será instantânea, e haverá um período de ajuste que poderá durar muitos anos e, potencialmente, décadas.”
Em que pese o porém, há um sentimento de vitória no ar. “Vencemos o impossível fim dos combustíveis fósseis, uma vitória retumbante sobre a diplomacia do óleo e do gás”, disse Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, organização ambiental com sede no Rio de Janeiro. É preciso considerar que a batalha foi travada em território hostil ao ambientalismo. Os Emirados Árabes são um dos maiores produtores de petróleo do mundo, e levantamentos realizados por ONGs contaram por volta de 2.400 lobistas da indústria nos corredores da Blue Zone, área mais restrita da conferência — quase quatro vezes mais do que na edição anterior. Ninguém pode dizer que o acordo foi assinado sem a anuência das petroleiras.
A batalha que se avizinha, agora, é a da estruturação das bases para essa transição. “Ainda são insuficientes os meios de implementação, e não temos clareza de como será feita a transição justa, mas temos as bases para avançar”, disse Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, que passou a COP cobrando dos países ricos uma liderança efetiva desse processo. Para o governo brasileiro, a narrativa mais interessante parece ser a do “jovem motivado”, que busca conquistar um espaço no centro do poder, e tem boas ideias para isso. Como o maior país democrático a ter uma matriz energética majoritariamente limpa, o Brasil é candidato a estrela dessa nova economia. Ao mesmo tempo, o presidente Lula iniciou sua viagem ao Oriente Médio pela Arábia Saudita, e aproveitou para confirmar a entrada do país na Opep+, uma espécie de clube de afinidades para produtores de petróleo.
O que Churchill diria, diante de tamanhas contradições? Talvez oferecesse sangue, trabalho, lágrimas e suor ao povo, ou recomendasse não negociar com o tigre, quando estiver com a cabeça em sua boca. A pergunta correta, no entanto, não é essa. O importante é saber de que lado estaria o primeiro-ministro.