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O executivo vai para o antidoping

Nas empresas americanas os testes para detectar usuários de droga são uma rotina. Agora eles estão chegando aqui

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Da Redação

Publicado em 24 de agosto de 2012 às 19h29.

Imagine a situação: você recebe um convite para ocupar um cargo ótimo, com promoção, aumento de salário e benefícios. Tudo vai bem até a hora do exame antidoping. E você anda tomando remédio para emagrecer ou então não resistiu a um cigarro de maconha na festa de sexta-feira passada. Pode esquecer o novo emprego. O teste antidoping, igual ao realizado pelos atletas para detectar o uso de drogas, como cocaína, maconha e remédios estimulantes, chegou às empresas.

Nos Estados Unidos, 67% das companhias já fazem esses exames antes da contratação. Praticamente nenhuma admite pessoas cujos testes deram positivo. Os dados são da American Management Association, citados pela revista Fortune. No Brasil, embora o teste já tenha virado rotina em empresas como Esso, Shell e Fronape, e seja utilizado, esporadicamente, em algumas dezenas de companhias, o assunto ainda é desconhecido pela imensa maioria das corporações. Ao contrário do que ocorre no esporte.

"A experiência no esporte mostra que o antidoping é um exame preventivo ao consumo de drogas", diz o professor Ovandir Alves Silva, responsável pelo laboratório de toxicologia da USP. De fato, nos times paulistas o último caso de jogador de futebol barrado pelo teste ocorreu em 1984. Os testes antidoping estão ocorrendo principalmente no setor petroquímico, por razões de segurança. A Esso, que foi a pioneira, em 1990, iniciou os testes por determinação da matriz americana, a Exxon. Motivo: Joseph Hazelwood, o comandante do navio Exxon Valdez, estava embriagado quando houve aquele enorme vazamento de petróleo no Alasca, em 1989.

Só para limpar a mancha negra de óleo na região afetada a empresa gastou 1 bilhão de dólares. A partir daí, o teste passou a ser obrigatório a todos os funcionários. E não se limita ao momento da contratação. Ocupantes de postos de segurança e executivos do alto escalão o fazem periodicamente, de forma aleatória e sem aviso prévio.

O presidente da Esso no Brasil, Richard Dobson, pode ser testado até três vezes por ano. Um programa de computador seleciona os nomes para o exame. Até dezembro passado a Esso realizou 3 910 testes. Do total, 37 deram positivo, sendo 23 na admissão. Quem pretendia um emprego na Esso e é barrado no antidoping passa seis meses sem chances de se candidatar de novo. O programa da Esso se estendeu aos fornecedores.


Atualmente, todos as empresas que prestam serviços à multinacional também são obrigadas a ter um programa de antidoping. "O teste deve ser um complemento ao programa educacional contra as drogas", diz Carlos Américo de Lucena Costa, gerente da divisão médica da Esso.

A aceitação do antidoping está longe de obter unanimidade. Seus adversários alegam invasão de privacidade e discriminação, argumentos usados contra testes de gravidez e de Aids. As leis brasileiras, no entanto, não fazem nenhuma objeção à sua prática. "Não encontrei nada na legislação que impeça as empresas de realizar o teste de drogas", diz a professora Ivette Senise Ferreira, titular da cadeira de direito penal da USP.

O assunto não parece ser muito bem-vindo. Ao apurar essa reportagem EXAME notou que muitas empresas se mostravam na defensiva quando sabiam do que se tratava.

As empresas americanas estão preferindo evitar a contratação de dependentes de drogas por uma razão simples: custam caro. A produtividade de um funcionário dependente é 30% menor que a de um não dependente. Um dia de internação numa clínica de desintoxicação custa entre 200 e 300 reais. Há ainda as abstenções.

Um estudo feito no U.S. Postal Service, o correio americano, constatou que funcionários com teste positivo faltaram seis dias a mais por ano ao trabalho. Entre os altos executivos, o temor é que tomem decisões de milhões de dólares fora de seu estado normal. E também há os riscos de acidentes, principalmente nos setores petroquímico e de transportes.

A preocupação das empresas não está ligada apenas às drogas ilícitas. Em geral, os testes requisitados detectam também se o futuro funcionário é consumidor de anfetaminas (estimulantes) e de remédios para emagrecer. Não existem dados nacionais, mas os profissionais da área concordam com a estimativa americana de que entre 1% e 2% dos trabalhadores são usuários de alguma droga, seja cocaína ou anfetamina. "A anfetamina só é aceita se o candidato ao emprego apresentar a receita do médico", diz Lucena, da Esso.


No Brasil, em vez de prevenção, a maioria das empresas, como Avon, DuPont e Monsanto, prefere programas de educação e tratamento dos dependentes. Só a Avon mandou oito funcionários para clínicas de recuperação no ano passado. Apesar de já terem estudado o assunto, nenhuma dessas companhias, todas subsidiárias de grupos americanos, adotou o teste de laboratório.

"Ainda não chegamos à conclusão sobre seus benefícios", diz Lírio Cipriani, gerente de RH da Avon. O problema é que a idéia de fazer esses testes dentro das empresas é recente no país. Não houve tempo para que se instalasse uma cultura favorável a eles.

O laboratório da USP, que realiza antidoping em atletas desde 1974, só recentemente se equipou para atender também empresas. No ano passado foram realizados 1 720 testes, um número baixo se considerarmos que qualquer empresa de grande porte tem pelo menos 500 funcionários. Cada exame para detectar vestígios de cocaína, maconha e anfetaminas custa 70 reais.

O laboratório nunca sabe o nome nem o sexo da pessoa. A documentação é identificada por códigos e os frascos de coleta de urina têm lacres de segurança contra violação. Isso garante, por exemplo, que a urina de uma mulher não seja usada para testes de gravidez, proibidos por lei.

Mas será que os testes são 100% seguros de que a pessoa não é consumidora de drogas? Nem sempre. Nos Estados Unidos vendem-se manuais que ensinam a driblar o teste. Um deles pode ser adquirido via Internet por 25 dólares. "Muitas das substâncias usadas para alterar o exame já podem ser detectadas no laboratório", diz o professor Alves Silva, da USP.

BAFÔMETRO - O antidoping é uma violação da privacidade do funcionário? Os advogados dizem que não. "A empresa tem todo o direito de pedir o exame dos atuais e dos futuros funcionários. É o que chamamos de poder diretivo do empregador", diz a advogada trabalhista Gilda Figueiredo Ferraz, de São Paulo.


Há dois raciocínios aí. O do funcionário: a empresa nada tem a ver com o que ele faz fora de seus portões. Mas, se suas atitudes influenciam o trabalho, o problema passa a ser também da empresa. O do candidato ao emprego: "O trabalho no Brasil é regido por um contrato entre as duas partes. Para entrar numa companhia você tem que aceitar as condições do contrato", diz a professora Ivette, da USP.

Na Fronape, a divisão de transporte marítimo da Petrobrás, segue-se a regulamentação internacional contra o uso de drogas. A tripulação faz antidoping periodicamente e ninguém pode beber substância alcoólica até quatro horas antes de se apresentar ao trabalho. Cada navio tem um bafômetro, igual àquele que a polícia rodoviária usa para detectar motoristas embriagados. Um resultado positivo no bafômetro pode significar demissão por justa causa.

Há quem duvide que os testes de droga na admissão do funcionário peguem no Brasil. "Privar uma pessoa do emprego é como uma condenação", diz o headhunter Simon Franco, de São Paulo. "Muitos executivos vão se recusar a fazer o teste por uma questão de princípios." Os casos da Esso, Shell e Fronape mostram um fato novo para o executivo brasileiro.

Ele não precisa ser dependente de drogas para cair na malha fina do antidoping. O consumidor eventual também pode ser pego. É que os vestígios da cocaína permanecem no organismo até três dias depois do consumo. A maconha, num consumidor diário, pode ficar na urina de três a seis semanas. O recado das empresas é o seguinte: se você não quer ter problemas, passe longe do cigarro de maconha na festa do fim de semana.

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