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O etanol mais uma vez em crise

Temos uma situação única em termos de energia: graças ao etanol, somos caso raro de país potencialmente livre da dependência do petróleo. Por que, então, toda a cadeia do etanol parece à beira do colapso?

Usina de etanol: uma única empresa de São Paulo tem 40 delas para vender, sinal de um setor sem rumo (Lia Lubambo/EXAME.com)

Usina de etanol: uma única empresa de São Paulo tem 40 delas para vender, sinal de um setor sem rumo (Lia Lubambo/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 12 de abril de 2012 às 11h19.

São Paulo - Neste momento em que encontra tanta dificuldade para funcionar direito, em tanta coisa e em tantas áreas, o Brasil bem que poderia felicitar a si mesmo numa questão crítica para a economia de qualquer país do planeta — a produção da energia destinada a movimentar sua frota de quase 40 milhões de automóveis.

Temos, aí, uma situação excepcional. Graças ao álcool, e em cima de uma tecnologia produzida internamente, o Brasil faz parte do restrito e privilegiado círculo de países 100% independentes, para todos os efeitos práticos, na geração dos combustíveis que fazem rodar os seus carros.

Salvo no caso dos veículos importados, o país não precisa, a rigor, de um único barril de petróleo para abastecer o tanque dos automóveis que circulam em seu território. Não depende, aí, de importações vindas de produtores problemáticos e subordinadas a um mercado instável.

Ao contrário, pode exportar os excedentes do petróleo que produz aqui dentro — seja em estado bruto, seja na forma de combustíveis processados em suas refinarias. A frota nacional de carros praticamente dobrou nos últimos dez anos. Onde estaríamos hoje sem o etanol que a mantém em movimento?

Trata-se, além do mais, de uma situação altamente segura quando se fala em capacidade de produção. As culturas de cana, de onde vem o álcool, ainda têm um imenso espaço físico para crescer — levando-se em conta, entre outros fatores, que o conjunto da agricultura brasileira ocupa no momento cerca de 20%, apenas, do total de terras que podem ser exploradas para a produção.

Ao mesmo tempo, as usinas onde a cana é transformada em etanol e açúcar podem se expandir até onde a vista alcança; já poderiam, por sinal, estar processando o dobro de toneladas que processam hoje. Os dividendos que o Brasil extrai desse processo todo, na verdade, vão muito além da questão energética e da independência na produção de combustíveis.

As tecnologias desenvolvidas para a expansão dos canaviais, um setor historicamente classificado como um dos mais primitivos da economia brasileira, são hoje uma ferramenta ultramoderna no conjunto da agricultura. Os postos de trabalho criados na área, do plantio às usinas, são um dos esteios do mercado de trabalho do interior.


Onde antes havia subsídios, ho-je há arrecadação de impostos. A abertura de capital, a internacionalização das sociedades e o gerenciamento profissional dos negócios reduziram dramaticamente a maciça ilegalidade que sempre marcou o setor. Na esteira disso tudo, o Brasil tornou-se o maior produtor mundial de açúcar.

É difícil calcular, enfim, quantas centenas de bilhões de dólares o país economizou ao longo dos anos com a emergência do álcool — entre o que deixou de importar em petróleo e o que passou a ganhar com a exportação de excedentes.

Por que raios, então, o sistema todo está em crise? O certo, aliás, seria dizer: “Mais uma vez em crise”, pois desde os tempos do Pró-Álcool, na pré-história do etanol no Brasil, raramente o setor chegou a viver um período mais longo sem ter algum tipo de problema.

No momento, lamenta-se uma redução continuada nas vendas de álcool — em dois anos, 6 bilhões de litros a menos, ou mais de um terço do total. Os preços não estão competitivos em comparação com a gasolina. A usina Santelisa, segunda maior do país, passa por dificuldades sérias.

Não se fala, já há tempo, em novos investimentos. O capital externo, desconfiado das restrições legais em relação à propriedade e ao arrendamento de terras, considera que o setor atingiu níveis inconfortáveis de insegurança. Uma única empresa de São Paulo, dedicada à intermediação de negócios na área, está no momento com 40 usinas para vender — e por aí vai.

Os produtores, de uma ponta a outra do processo, querem coisas diferentes entre si. O governo, que é fator crucial na equação, não sabe o que quer. É nisso, basicamente, que as coisas emperram. Não há um rumo claro a seguir — e sem rumo fica difícil seguir viagem.

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