Você entendeu?: como ocorria com filmes de Ingmar Bergman, essa reação é agora despertada pelo que Dilma diz (AFP Photo)
Da Redação
Publicado em 29 de abril de 2014 às 19h16.
São Paulo - A presidente Dilma Rousseff, seu governo e seu partido estão vendo um mundo que ninguém mais vê e, ao mesmo tempo, não veem o mundo que qualquer pessoa razoavelmente serena pode ver, sem nenhuma dificuldade. É uma situação complicada.
Fica difícil dialogar quando você pede que seu interlocutor repare, por exemplo, na floresta que está em frente aos dois e recebe a seguinte pergunta: “Que floresta?”
Parece que estamos, no presente instante, vivendo um desses momentos de falência múltipla na capacidade de o governo se fazer entender pelo auditório — um drama de “incomunicabilidade” que meteria medo até em Ingmar Bergman, o mestre sueco dos filmes “cabeça”.
Bergman em geral deixava todo mundo tonto. A reação mais comum do público, ao fim de cada sessão, era perguntar: “Você entendeu o filme?” No Brasil deste pós-Carnaval de 2014 a pergunta é: “Você entendeu o que a Dilma anda dizendo?”
A dificuldade parece que está do lado dela — pelas leis da estatística, se a maioria não vê as mesmas coisas que você está vendo, ou vice-versa, o mais provável é que o problema seja seu.
Na verdade, essa aflitiva experiência de não entender o que a presidente do país faz, ou diz, não tem muito a ver com alguma desordem clínica; se liga mais na tomada que põe o cérebro para trabalhar. Os exemplos dessa barreira que separa o entendimento do público, de um lado, e os atos do governo, de outro, podem ser encontrados a qualquer instante, em qualquer assunto e em qualquer embalagem.
Uma das áreas mais instigantes para o observador da pane mental em que funciona hoje o governo brasileiro é o cruzamento de suas altas estratégias de política externa com as necessidades econômicas reais do Brasil — uma situação com cara de defeito enjoado no motor, que parece precisar de regulagem de válvula, um trato no pino do pistão, alinhamento das bielas e por aí afora.
O resumo do engripamento de nosso motor é o seguinte: a economia brasileira precisa ganhar músculos por meio de um entendimento muito melhor, e a fixação a sério de interesses mútuos com os Estados Unidos, a Europa e o Japão, mas a diplomacia nacional faz tudo o que pode para se desentender justamente com esses países.
O que querem a presidente e seu conselheiro Marco Aurélio Garcia, o estrategista internacional número 1 do Palácio do Planalto, na execução do plano mestre destinado a organizar o mundo segundo seus gostos pessoais?
A hipótese mais plausível é que continuam a acreditar na existência do imperialismo e, por via de consequência, na necessidade inadiável de combatê-lo, duela a quien duela, até a vitória final das forças populares no mundo. Até que se entende: aí está uma das pouquíssimas coisas em que a presidente manda em seu governo.
Não consegue nem roçar a carapaça de titânio do Ministério dos Transportes, por exemplo, e fazer com que construam 10 metros da ferrovia Norte-Sul nos próximos seis meses. As ordens que dá aos Correios poderiam vir da presidente da Bessarábia. Há ministérios inteiros, entre os 39 que havia na última contagem, que jamais executaram uma ordem de Dilma, uma só que fosse.
Já na arena internacional, nossa chefe de Estado pode mandar escrever todas as notas oficiais que lhe passam pela cabeça. No momento, está fixada na ideia de que a Venezuela é uma democracia exemplar, uma fortaleza cercada pelas forças do imperialismo americano, que está precisando defender-se de terroristas internos disfarçados de manifestantes da oposição.
Fica irritada, depois, quando os países bem-sucedidos não a tratam como uma heroína do século 21 — nenhum deles se inclina a simpatizar com um governo como o seu, que se tornou cúmplice público de um regime capaz de soltar esquadrões da morte nas ruas, prender um líder de oposição que só fez discursos e arruinar sua própria economia com medidas cada vez mais insanas.
O mundo que o Brasil precisa não gosta das más companhias que o Brasil faz questão de cultivar. Pior para nós, como de costume.