EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h10.
Os controladores de uma empresa familiar contrataram um consultor para solucionar um conflito de relacionamento que parecia comprometer o futuro do negócio. Depois de escutar as razões de todos os parentes, o consultor os reuniu e disse:
-- Eu só vejo duas saídas para o caso. Uma é lógica e racional. A outra é milagrosa. A lógica e racional é uma fada descer do céu e, ao tocar os integrantes desta família com sua varinha de condão, levá-los a resolver suas diferenças.
-- Essa é a saída lógica e racional? Qual é então a saída milagrosa? -- perguntou o patriarca e presidente da empresa.
-- A saída milagrosa é esperar que vocês se comportem como gente grande e se sentem à mesa por 5 minutos para resolver o problema.
Embora essa história seja uma piada, o clima entre os controladores de uma companhia familiar pode chegar a um estágio de deterioração semelhante. E como poderia ser menos tenso um ambiente em que os sócios são primos, o presidente é o marido da diretora e pai dos vice-presidentes, a sucessão se dá entre os herdeiros, e casa e trabalho são no fundo dois ambientes de um só domicílio?
Na mediação de relacionamentos em empresas familiares, muitas vezes os princípios da psicologia prevalecem sobre os manuais de administração. Quem tem empresa sabe. Sócios brigam quando a firma vai mal, mas brigam também quando ela vai bem. Um quer manter o crescimento pela diversificação, o outro pela especialização. Um prefere financiar-se pela abertura de capital, o outro quer endividar-se nos bancos. Quando os sócios são parentes, diferenças empresariais nascidas no escritório vão parar na sala de jantar.
E acontece o contrário. Como famílias brigam o tempo todo, discussões tolas nascidas na sala de jantar também acabam no escritório. Famílias pequenas levam vantagem, pois há menos herdeiros em jogo -- menos briga, portanto. Com o tempo, no entanto, a confusão é inevitável. Se dois irmãos fundadores de uma companhia bem-sucedida tiverem cada um quatro filhos e seus descendentes mantiverem o ritmo de reprodução, a quarta geração contará com 512 integrantes. Conseguirá a empresa aumentar seu lucro na mesma proporção? Dificilmente uma empresa cresce no ritmo da família que a controla. Dono de 15% do mercado nacional de farinha e detentor da marca Dona Benta, o grupo J. Macedo foi fundado em 1939, no Ceará, por José Dias Macedo. Hoje, a família tem oito filhos, 29 netos e 18 bisnetos, sem contar noras e genros. A companhia fatura atualmente 500 milhões de reais. Quanto terá de faturar em dez ou 20 anos para fazer frente à taxa de expansão do clã e manter o padrão de vida de toda a família?
Aprofundar-se no tema é importante para quem decide montar um negócio com a mulher, o irmão, o tio ou o primo, na esperança de deixar alguma herança para os filhos. Refletir sobre o assunto é também útil para aqueles que trabalham numa companhia regida por laços de sangue, seja uma pequena empresa, seja uma multinacional. A análise da questão serve ainda aos empresários que desejam solucionar seus próprios conflitos familiares de forma mais racional. Estima-se que 75% das empresas familiares estejam sob o comando da primeira geração, 20% nas mãos dos filhos dos fundadores, segunda geração, portanto. E apenas 5% sob controle das gerações seguintes. Como se vê, a maio ria das empresas familiares desconhece os problemas que as cercam. A maneira como as relações pessoais da família dos proprietários serão administradas pode até definir se a empresa vai prosperar ou quebrar. De acordo com um estudo internacional, 65% dos casos de mortalidade em companhias familiares são provocados por conflitos entre parentes.
Há ainda uma questão econômica envolvida. O advogado americano William O'Hara, historiador de empresas familiares, resume numa frase lapidar a importância dos negócios conduzidos por famílias para a economia mundial. Diz ele: "Antes da empresa multinacional já havia a empresa familiar. Antes da Revolução Industrial já havia a empresa familiar. Antes do Império Romano já havia a empresa familiar. Existe alguma instituição mais antiga do que a empresa familiar?" Nem mais antiga nem mais atual. Num momento marcado pelo poderio notável das corporações controladas por milhares de acionistas anônimos, em toda parte o peso econômico das companhias controladas por famílias não perdeu o vigor -- e permanece extraordinariamente elevado: 70% na Espanha, 75% na Inglaterra, 80% na Alemanha e 90% no Brasil. (Das 264 empresas de capital nacional listadas em Melhores e Maiores, de EXAME, 142 são familiares.) Nos Estados Unidos, os grupos familiares empregam 62% da força de trabalho, respondem por 64% do produto interno bruto e movimentam dois terços da bolsa de Nova York. Em outras palavras, a empresa familiar é a espinha dorsal da economia mundial.
Existem atualmente 40 institutos de pesquisa ligados a grandes universidades americanas estudando as empresas familiares e suas características, inclusive em Harvard, Yale e Wharton. E há nas livrarias mais de 3 000 títulos tratando do tema, só em inglês. Ao ritmo de dois livros por semana, dá para ler sobre isso até 2035. Boa parte do material teórico tem servido às famílias proprietárias de empresas como suporte para que modernizem suas companhias e aprendam a lidar com naturalidade quando surgirem os conflitos entre parentes.
Há quem se confunda e acredite que é familiar apenas a companhia em que os parentes participam da gestão. Mas não é isso. Empresa familiar é aquela cujos integrantes possuem participação suficiente para conduzir o negócio ou para indicar um profissional que o faça. Ou seja, familiar é a empresa em que os parentes controlam o negócio do ponto de vista acionário. Se o controlador está apenas no conselho de administração, dando as orientações gerais, ou se acumula o cargo de principal executivo, tanto faz. No passado, as famílias controlavam a totalidade da empresa, ocupavam os principais postos da diretoria e financiavam seus investimentos com recursos próprios. A necessidade cada vez maior de capital obrigou as famílias a vender parte da companhia a bancos e fundos de investimento. Em vez de controlar 100% do capital, como ocorria antigamente, muitas famílias mantêm o controle das empresas com bem menos do que isso. A família Ford controla a Ford com menos de 10% do capital. Faz isso graças a um tipo de ação diferenciada que possui. Acontece algo parecido com os DuPont, que controlam a multinacional homônima dominando 30% de uma seguradora que, por sua vez, detém 29% da companhia. A italiana Fiat também permanece nas mãos da família Agnelli em função de arranjos financeiros dessa natureza. Há casos de famílias mantendo o controle de suas empresas com apenas 5% das ações.
Erra quem pensa que empresas não-familiares respiram um ambiente harmônico. As disputas são as mesmas, puxam-se tapetes a todo instante e há desavenças devastadoras. Acontece que, em geral, o mal-estar pode ser resolvido com a demissão do desafeto. Na firma familiar, a rivalidade entre irmãos ou o ciúme entre noras às vezes pode ser insolúvel. E tudo piora quando chega o momento de definir quem será o sucessor da companhia. Os protestos podem ser inevitáveis. O direito de dirigir o negócio caberá ao filho mais velho? (Mas por que ele e não eu?) À filha? (Mas ela é mulher, não terá pulso firme!) Ao genro? (Aquele bon vivant nem é da família!) Ou a nenhum deles? (Pai, você vai ter coragem de entregar a nossa empresa a um sujeito de fora?) Algumas companhias conseguem enfrentar o momento com uma racionalidade invejável. Na Casas Bahia, o fundador Samuel Klein resolveu que o futuro presidente do grupo será seu filho Michael Klein -- decisão tomada no dia em que Michael nasceu. Aos 54 anos, Michael é o filho homem mais velho. Além dele, há Saul e Eva. "Sucessão é um assunto que não se discute na nossa família", diz Michael, diretor administrativo da empresa. "O jeito de escolher quem sucederá o pai está na Bíblia e se baseia na primogenitura." Eva não trabalha no grupo. Saul trabalha e não dá sinais de que questiona a decisão do pai. Tudo indica que a sucessão, quando ocorrer, será pacífica.
Outras empresas explodem nessa hora. Um processo de sucessão intrincado deflagrou um dos mais dramáticos conflitos entre pais e filhos da história empresarial brasileira -- o da família Kasinski, que possuía a fábrica de autopeças Cofap. O fundador, Abraham Kasinski, e os filhos, Renato e Roberto, foram protagonistas de uma disputa que acabou resolvida nos tribunais. O pai acusou os filhos de roubar obras de arte e de aplicar desfalques na companhia. Os filhos acusaram Abraham de sabotagem, de semear a discórdia en tre eles e de não abrir mão do controle da empresa por um apego quase doentio ao poder. Exaurida após anos de conflito, a empresa foi vendida em 1997 para a alemã Mahle. Pai e filhos ficaram mais de uma década sem se falar e uma tímida reaproximação foi iniciada nos últimos meses. "No começo, é tudo bonito, mas misturar família com dinheiro é um erro brutal", diz Renato Kasinski, caçula de Abraham. Outro caso rumoroso aconteceu na Lacta, no final dos anos 90. Depois da morte de sua mulher, o dono da empresa, Adhemar de Barros Filho, engalfinhou-se com os filhos numa disputa que culminou com a venda do negócio para a Philip Morris. "Com os filhos que tenho, não preciso de inimigos", declarou o empresário na ocasião.
É humano imaginar que, quando um herdeiro é escolhido, isso significa que os demais foram preteridos. É preciso maturidade para que esse momento não provoque fissuras no relacionamento. Fundador do Banco Itaú, Olavo Setubal tem sete filhos. E escolheu Roberto para chefiar a jóia da coroa da família. Emilio Odebrecht, que montou a primeira empresa do conglomerado Odebrecht no início do século 20, teve três filhos. Coube a Norberto continuar sua saga. Norberto teve cinco filhos. E escolheu Emílio para sucedê-lo. Emílio entregou a área de engenharia e construção ao primogênito de seus quatro filhos, Marcelo. E assumiu a presidência do conselho de administração da companhia. Valentim Diniz teve seis filhos. E Abílio o sucedeu no comando do Pão de Açúcar. Abílio tem quatro filhos. Em 2002, em vez de entregar o comando do negócio a um deles, preferiu a contratação de um executivo. "Não acredito em empresas familiares a partir de um certo tamanho", já disse Abílio Diniz mais de uma vez. São decisões que deixam marcas. "É triste como perder um filho, mas passar a bola para mim seria postergar o problema", declarou na ocasião Ana Maria Diniz, filha de Abílio. Atualmente, os Diniz detêm quatro dos 12 assentos do conselho de administração da companhia.
Segundo estudos, 80% dos donos querem entregar o comando do negócio aos filhos. Mas apenas 20% deles julgam que os sucessores estão aptos para a tarefa. "Muitas vezes, os pais desconfiam tanto da capacidade dos filhos quanto da habilidade que eles próprios tiveram para prepará-los a continuar a dinastia", diz a psicóloga americana Leslie Mayer, da Wharton Global Family Alliance. O grande paradoxo nessa história é que os empreendedores costumam garantir aos filhos uma formação de altíssimo nível. Eles estudam em boas escolas, freqüentam as melhores universidades, fazem MBA no exterior. Mas são muitas vezes olhados de soslaio pelos veteranos da empresa -- e pelo próprio pai -- cada vez que tentam aplicar ao negócio técnicas que aprenderam nos estudos. Tome-se o caso do grupo Martins, maior atacadista do Brasil. Na segunda metade dos anos 90, o fundador da empresa, Alair Martins, ungiu seu primogênito, Juscelino, como sucessor. Ao contrário do pai, Juscelino teve acesso à educação da mais alta qualidade. Freqüentou um curso de pós-graduação em Harvard exclusivo para donos de empresas. Com essa bagagem, começou a implementar modernas técnicas de gestão no Martins. Em pouco tempo, passou a enfrentar as resistências de um grupo acostumado ao estilo do pai. O resultado é que funcionários importantes começaram a abandonar a empresa e Alair retomou as rédeas do negócio.
Uma atitude positiva para manter o nível de convivência entre pais e filhos é blindar a empresa contra as conseqüências de disputas familiares. Os estudiosos prescrevem medidas básicas, como planejar a sucessão com antecedência e estabelecer padrões de desempenho para o preenchimento de cargos -- de preferência por escrito. "O nepotismo é a maneira óbvia de destruir uma empresa familiar", afirma Heinz-Peter Elstrodt em estudo da consultoria Mckinsey. Segundo o estudo, que analisou o perfil de 11 grandes companhias familiares, a meritocracia ajuda a amenizar o potencial de conflito, especialmente na hora da sucessão. Claro que sempre haverá parentes questionando os critérios adotados. Muitas empresas familiares têm criado regras que restringem o acesso dos parentes do dono à companhia. Outras nem se preocupam com isso. O grupo americano Huntsman, potência do ramo químico, fatura 9,2 bilhões de dólares por ano. Tem 80 fábricas e atua em 22 países. No quartel-general da companhia, em Salt Lake City, trabalham sete integrantes da família, até mesmo Markey, portador de deficiência mental, que é mensageiro e tem seu próprio escritório. Na filosofia da família, de religião Mórmon, a empresa tem a missão de servir aos parentes.
Muitos empresários vêem com desconfiança certos estudos que criticam as empresas familiares, como se a firma que passa de pai para filho tivesse um defeito genético qualquer. "Tenho certeza de que parte das conclusões retratam a opinião de quem está fora do clube dos proprietários e quer arrumar um jeito de entrar", afirma o dono de uma das maiores empresas familiares do Brasil. Deve-se admitir que algumas palavras usadas nas discussões contêm uma forte carga ideológica antifamília. O processo de transferência da gestão das mãos de um parente para as de um executivo é chamado de "profissionalização". Diz-se que a Ford se profissionalizou quando Henry Ford II entregou o comando da empresa a Lee Iacocca, nos anos 70. Então, o que fez William Clay Ford Jr., bisneto do fundador, ao demitir Jacques Nasser em 2001 e assumir a função de CEO da segunda maior montadora do mundo? "Amadorizou" a Ford? "Eu nunca pensei em ter esse emprego", afirmou Ford Jr. para justificar sua decisão. "Mas quando eu vi o que estava acontecendo com nossa companhia, pensei que poderia ajudar." Friamente, o processo de contratação de executivos pode ser bom para a companhia -- e em geral é mesmo. A transferência de poder para alguém sem laços de parentesco tem sido uma medida benéfica para as grandes corporações familiares. Os executivos acabam dizendo certos "nãos" que soariam provocativos se proferidos por um CEO da família. Para a família que entrega a presidência a um executivo de fora, recomenda-se a constituição de um conselho de administração forte, com membros independentes. E as intervenções, como ocorreu na Ford, podem ser necessárias.
Trabalhar na empresa da família tem inúmeras vantagens. Desde muito cedo, os herdeiros têm acesso direto ao presidente da companhia, e costumam ter acesso a informações estratégicas que a maioria dos executivos só vai conhecer se chegar ao topo. Esse, porém, é um lado da moeda, o mais reluzente. Do outro, há uma enorme carga profissional e emocional que a maioria dos filhos de homens de negócios ou profissionais liberais bem-sucedidos tem de carregar ao longo da vida. O executivo Eduardo Musa, presidente da Caloi, líder do mercado brasileiro de bicicletas, tem noção exata disso. Ele é filho de Edson Vaz Musa, ex-presidente da subsidiária brasileira da Rhodia, atual sócio controlador da Caloi. Em janeiro de 2004, após ser treinado durante cinco anos como membro do conselho de administração, Eduardo assumiu a presidência da Caloi. Quando foi promovido, Eduardo recebeu um e-mail do pai. A mensagem continha uma descrição das diretrizes estratégicas da companhia -- algo que Musa enviaria a qualquer executivo profissional --, além de um apanhado de considerações pessoais que só poderiam ser ditas a um filho. "A lista enumera meus defeitos de atitude, pontos a melhorar no trato com funcionários e no temperamento, coisas que só meu pai poderia saber", diz Eduardo.
O fundador de uma empresa jamais será comparado com seu pai, que nada tinha. Ele pode arriscar, errar, começar novamente. A avaliação de sua trajetória só será concluída ao final da vida. Prosperando, será admirado por sua criação. Herdeiros não têm essa alternativa, já que recebem um negócio montado. Cabe a eles ampliá-lo. Para os sucessores, o fundador costuma funcionar como uma espécie de sombra com a qual são comparados por todos, dia e noite. "Há um conflito básico nas funções de pai e patrão", diz o consultor brasileiro René Werner, autor de livros sobre empresas familiares. "O pai dá apoio emocional. O chefe faz valer a hierarquia. Em momentos de crise, essa ambivalência causa uma confusão na cabeça de todo mundo", afirma Werner.
Há maneiras especialmente nocivas de administrar a carreira dos filhos na empresa. A primeira delas é a infantilização. Alguns herdeiros são vistos como crianças, incapazes de assumir grandes responsabilidades na companhia. Acontece também de os herdeiros -- só pela condição de herdeiros -- passarem a ser mais cobrados que os demais executivos. Quando o pai é o fundador da companhia, essa desconfiança é potencializada. "Filhos raramente recebem orientação dos pais. Quando ela vem, é de forma exageradamente crítica", diz o americano John Ward, professor da Kellogg University e um dos maiores especialistas do mundo em empresas familiares. E como o pai tem grande dificuldade de sair do negócio, mesmo com idade avançada, a crítica acompanha o filho ao longo da vida, até mesmo quando ele tem 40, 50 anos. Trata-se de um dos aspectos mais cruéis da vida de um herdeiro -- sua estrela só terá espaço para brilhar plenamente quando a do pai se apagar. Um herdeiro ouvido pelo consultor gaúcho Renato Bernhoeft, especializado em empresas familiares, respondeu assim à prosaica pergunta "como vai seu pai?" A resposta: "Numa saúde intrigante". O aumento da longevidade tende a arrastar ainda mais o processo de sucessão familiar.
Os conflitos experimentados por filhos de empresários também perturbam filhos de profissionais liberais que seguem a profissão do pai. A diferença é que é mais fácil escapar deles. Foi o que fez Ieda Jatene, filha do cardiologista Adib Jatene, um dos mais consagrados médicos brasileiros. Assim como dois de seus três irmãos, Ieda decidiu seguir os passos do pai e estudar medicina. "No início da carreira, tive a sensação de que a sombra do meu pai não pararia de crescer", diz ela. A maneira encontrada para conseguir seu próprio espaço e reconhecimento como profissional foi se especializar em cardiologia pediátrica -- e não em cirurgia, como Jatene. "Assim, estou ao mesmo tempo perto, trabalhando com ele, e consigo manter uma distância segura da sua reputação", afirma.
Segundo o consultor Bernhoeft, empreendedores têm algumas características peculiares -- são dogmáticos, centralizadores e têm dificuldade de delegar funções, dar autonomia e abrir espaço para o crescimento dos filhos. Eles teriam uma relação de criador e criatura com a empresa, que não raro assume o papel de filha predileta. Vê-la nos braços de outro torna-se uma sensação profundamente desconfortável -- ainda que os braços alheios sejam de seu filho. É o medo de ser superado, o que muitas vezes acontece. Um dos exemplos clássicos de superação é o de Thomas Watson Jr., presidente da IBM entre 1952 e 1971. Seu pai, Thomas Watson Sr., foi um dos maiores empreendedores da história americana. Atormentado pela sombra do pai, o jovem Watson Jr. chegava a explodir em lágrimas à simples menção de um dia trabalhar na empresa. Watson Sr. havia criado uma equipe de funcionários fanática, controlada a mão de ferro por ele, do jeito de vestir (só camisas brancas) ao comportamento (nada de cigarros ou bebidas). Com o tempo, Watson Jr. mostrou que não ficaria atrás. Ambos tinham em comum o temperamento mercurial, o que desencadeou brigas famosas. Uma delas foi motivada por suas opiniões sobre os computadores. O pai achava que entrar nesse novo negócio levaria a IBM a uma crise. O filho via ali a grande oportunidade. Estava certo. Quando deixou a empresa, a IBM detinha 70% do mercado mundial -- sob sua gestão, o conglomerado teve uma das maiores valorizações de mercado da história. Segundo os especialistas, embora as brigas sejam a forma mais visível de se acabar com uma empresa familiar, há também as que desaparecem justamente pelo motivo oposto -- a ausência total de conflito. "Algumas famílias prezam tanto a harmonia que evitam entrar em discussões que podem ser cruciais para a sobrevivência do negócio", diz o professor e consultor John Davis, da Harvard Business School. Segundo ele, esse é o caminho mais curto para que a empresa não se adapte às mudanças do ambiente de negócios.
O que fazer para evitar que o caminho dos herdeiros seja tempestuoso? Os especialistas em sucessão são unânimes em apontar alguns passos comprovadamente eficientes. O primeiro é orientar o filho a começar a carreira em outra empresa. A confiança e a auto-estima são reforçadas quando suas qualidades profissionais são testadas num ambiente não-familiar. Essa é a recomendação em grupos como Sadia e Votorantim. Outro passo: ao entrar na empresa da família -- sempre por baixo --, o salário do parente deve ser condizente com seu nível funcional e faixa etária. Por fim, o pai jamais deve obrigar o filho a seguir seus passos. Sonhos não devem ser impostos. "As famílias que fracassam rápido são aquelas em que a primeira geração diz para a segunda: 'Você vai fazer isso por nós, e então nós faremos alguma coisa por você'", diz o americano Jay Hughes, autor do livro Family Wealth: Keeping it in the Family (em português, algo como "Riqueza familiar: mantendo-a em família"). "É melhor dizer: qual o seu sonho e como podemos ajudá-lo?" Melhor para o parente, melhor para a companhia.
Clã Klein | ||
Empresa: Casas Bahia, maior rede de varejo de eletroeletrônicos e |
Clã Jatene | ||
Patriarca: Adib Jatene, 75 anos, cardiologista do Hospital do Coração, |
Clã Alencar | ||
Empresa: Coteminas, uma das maiores companhias têxteis brasileiras |
Clã Aguiar | ||
Empresa: Brasilsul, uma das maiores fabricantes de roupas esportivas |
Clã Musa | ||
Empresa: Caloi, maior fabricante de bicicletas do país |
Clã Veirano | ||
Empresa: Veirano Advogados, quinta maior banca de advogados do país |
A relação em três momentos |
Cada empresa tem sua realidade particular. Mas, a partir da análise da relação entre pais e filhos, especialistas em negócios familiares tentaram chegar a um padrão médio de comportamento. Eis os resultados: |
1º - OS PRIMEIROS CONFLITOS Idades: Pai entre 41 e 50 anos e filho entre 17 e 22 anos Características: Nessa idade, o pai começa a encarar a perspectiva da morte e a questionar suas próprias realizações. O filho vive um período de construção da identidade e carrega resquícios de conflitos com o pai durante a infância e a adolescência RESULTADO: O momento de entrada do herdeiro no negócio costuma ser marcado por tensão nas relações |
2º - HARMONIA Idades: Pai entre 51 e 60 anos e filho entre 23 e 33 anos CARACTERÍSTICAS: O pai, mais tranqüilo e racional, está menos competitivo e age como mentor do herdeiro. O filho se concentra na vida familiar e começa a definir os rumos da carreira. Toma decisões mais arriscadas e se sente pronto para crescer na empresa Resultado: Esse é um período em que pais e filhos tendem a trabalhar em conjunto com mais facilidade |
3º - HORA DA SUCESSÃO Idades: Pai entre 61 e 70 anos e filho entre 34 e 40 anos Características: O pai passa a ter medo de perder o poder com a aposentadoria e resiste em abrir mão do comando da empresa. O filho pede cada vez mais autonomia e reconhecimento e passa a se rebelar contra a autoridade do pai Resultado: Essa é a fase crítica. O filho se sente preparado para assumir os negócios, mas o pai encontra dificuldades para passar o bastão |
Fontes: John Davis, Renato Tagiuri e FDC |
Negócios e família | |||
Em todo o mundo, a sucessão é um dos maiores desafios enfrentados pelas empresas familiares. Estudos recentes mostram que: | |||
De cada 100 negócios desse tipo | 34 chegam à segunda geração | 12 chegam à terceira geração | 3 atingem a quarta geração |
Fontes: Joseph Astrachan e John Ward |