Fábrica da Mundial: as ações caíram 98% desde 2011 (Kiko Ferrite/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 27 de abril de 2013 às 18h40.
São Paulo - A legislação que norteia o funcionamento do mercado de capitais brasileiro vem passando por mudanças positivas há mais de uma década. Em 2001, entrou em vigor uma lei que prevê punições mais rígidas para quem comete infrações na bolsa.
No limite, investidores e executivos podem passar anos na cadeia, como ocorre nos Estados Unidos e no Reino Unido. Mas um caso recente mostra como a aplicação da lei pode ser mais branda que o imaginado por quem colocou a lei no papel.
EXAME obteve com exclusividade a primeira decisão da Justiça a respeito do escândalo da valorização das ações da fabricante de alicates e produtos de beleza Mundial — mais conhecido como “bolha do alicate”. Em 2011, os papéis subiram quase 3 000% e chegaram a estar entre os mais negociados da Bovespa.
Passada a euforia, descobriu-se que havia muito mais por trás da valorização do que a história de uma empresa que estava passando por uma “reestruturação”, como diziam seus executivos.
As ações caíram 98%, o caso foi investigado pela Polícia Federal e, em dezembro de 2012, o Ministério Público Federal entregou à Justiça uma denúncia em que dizia haver provas para a condenação de dez pessoas, entre assessores de investimento e Michael Ceitlin, presidente da Mundial.
Em abril, a Justiça decidiu que todos são culpados — mas, num desenrolar típico do sistema legal brasileiro, podem não ser presos. Pior: podem sair dessa sem uma multa sequer.
Na sentença obtida por EXAME, relativa à ação penal nº 5067096-18.2012.404.7100/RS, o juiz José Paulo Baltazar Junior, da 1a Vara Criminal de Porto Alegre, afirmou haver provas de que os dez cometeram o crime de manipulação de mercado por inflar artificialmente o preço das ações da Mundial.
De acordo com o processo, a troca de e-mails entre os profissionais e as informações obtidas em seus computadores — que foram apreendidos pela Polícia Federal — mostram que eles atuavam em conjunto para valorizar os papéis e, assim, ganhar dinheiro comprando na baixa e vendendo na alta.
A lei brasileira prevê duas punições para esse crime: de um a oito anos de prisão e o pagamento de multa equivalente a até três vezes o lucro obtido com a fraude. Mas, como os réus são primários e a pena mínima é de um ano, o juiz determinou que eles podem fazer um acordo para evitar a prisão: se comparecerem, por exemplo, ao tribunal todos os meses por até quatro anos, ficarão livres da condenação e o processo será extinto — ou seja, eles voltarão a ter a “ficha limpa”.
Ainda não foi definido se haverá a cobrança de multa. Isso poderá ocorrer nos próximos meses caso o Ministério Público consiga junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) uma estimativa de quanto os executivos ganharam com a fraude.
Os dez condenados também eram acusados de formação de quadrilha — mas, dessa denúncia, foram absolvidos. Ainda falta julgar a parte do processo em que Ceitlin e Rafael Ferri, dono de uma empresa de investimento de Porto Alegre, são acusados de usar informações privilegiadas ao negociar as ações da Mundial.
Se forem considerados culpados novamente, não poderão fazer o acordo para extinguir o processo, porque o benefício, nesse caso, só vale para quem é condenado por um crime apenas. Procurados, alguns advogados dos acusados disseram que vão recorrer da decisão; outros não se manifestaram; a CVM não comentou o caso.
Os acionistas da Mundial estão, é claro, frustrados. Trinta deles planejam entrar com uma ação para tentar ser ressarcidos do prejuízo provocado pela queda de 98% no preço das ações — eles dizem ter perdido, ao todo, cerca de 15 milhões de reais. Segundo pessoas que acompanham o caso, o procurador vai decidir até o fim do mês se recorrerá para pedir uma punição mais rígida.
A brandura das penas no caso Mundial mostra que a lei não pegou? Não, na opinião de advogados consultados por EXAME. Para eles, é preciso levar em conta que a lei do mercado de capitais é relativamente recente — nos Estados Unidos, por exemplo, foi criada em 1934 e há vários casos de investidores, executivos e até celebridades presos por crimes financeiros.
“Há décadas de decisões em que os juízes podem se basear”, diz Marcelo Moscogliato, procurador da República no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. “Isso facilita a determinação das penas mais condizentes com cada caso.” É torcer para que a Justiça brasileira aprenda rapidamente desta vez.