O impulso do agronegócio: André Lahóz, diretor de redação de EXAME, com os governadores Marconi Perillo (GO) e Agnelo Queiroz (DF), e o secretário da Fazenda, Jader Julianelli (MS) (Alexandre Battibugli/EXAME)
Da Redação
Publicado em 8 de julho de 2014 às 17h16.
Goiânia - Há pouco mais de três décadas, o Centro-Oeste era, para muitos brasileiros, um rincão de natureza exuberante e distante dos grandes centros — Brasília, a capital federal, era um raro ponto a destoar do cenário. Na época, produtores rurais do sul do país começaram uma marcha em busca de terras na região.
Foi quando a família Logemann, dona da empresa gaúcha SLC Agrícola, comprou uma fazenda de 17 000 hectares em Cristalina, no interior goiano. “Foi um passo ousado. A área adquirida em Goiás era quatro vezes maior do que a SLC tinha no Rio Grande do Sul”, diz Aurélio Pavinato, atual presidente da empresa. “Mas a decisão ampliou os horizontes do negócio.”
De lá para cá, a SLC vendeu as propriedades no Sul, concentrou investimentos no Centro-Oeste e tornou-se uma das grandes produtoras de grãos do Brasil, com ações negociadas na bolsa de valores. Os Logemann ainda detêm 51% do capital da empresa que fundaram.
A trajetória da SLC ajuda a compreender parte da história recente do Centro-Oeste. Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal hoje formam o principal celeiro do país. A região concentra 40% da produção agrícola brasileira. Durante um bom tempo, a ocupação das terras do Brasil central pela agricultura e pela pecuária foi quase sinônimo de devastação ambiental.
De uns tempos para cá, porém, os produtores rurais têm buscado estabelecer um equilíbrio entre a expansão das lavouras e a preservação dos ecossistemas do cerrado e do Pantanal.
Segundo a Embrapa, estatal de estudos e pesquisas agrícolas, no cerrado, bioma predominante no Centro-Oeste, a área desmatada por ano caiu 54% de 2002 a 2010, para menos de 6 500 quilômetros quadrados. Ainda é muito, sem dúvida. Mas há empenho em reduzir a perda.
A questão de como continuar o desenvolvimento sem prejudicar a natureza esteve no centro dos debates da primeira edição do EXAME Fórum Centro-Oeste, realizado em Goiânia no dia 3 de junho. O evento reuniu políticos, empresários e especialistas para discutir as oportunidades e os desafios da região.
Entre os presentes estavam os governadores de Goiás, Marconi Perillo, e do Distrito Federal, Agnelo Queiroz. Do lado da iniciativa privada, participaram presidentes de empresas como a varejista Lojas Avenida, com sede em Cuiabá, a fabricante de equipamentos Kepler Weber, a concessionária de rodovia CCR MSVia, a SLC Agrícola e o vice-presidente industrial da montadora Hyundai Caoa.
“A região vive um ciclo de prosperidade”, diz o governador Perillo. “Para sustentar o desenvolvimento, será preciso melhorar a infraestrutura e qualificar a mão de obra.”
Nos últimos cinco anos, impulsionado pelo agronegócio, o Centro-Oeste cresceu em média 3,7% anualmente, liderando a expansão no Brasil, segundo um estudo do banco Itaú Unibanco. A região deve se manter crescendo acima da média nacional.
“Em 2050, o mundo terá ao menos 9 bilhões de bocas para alimentar”, diz o biólogo Fernando Reinach, um dos mais respeitados especialistas do país em tecnologia para o agronegócio. “O Centro-Oeste poderá ser um dos maiores produtores de alimentos do planeta, mas isso vai exigir investimentos em tecnologia para ganhar produtividade.”
Não que a região hoje faça feio. O Centro-Oeste produz, em média, 7% mais soja por hectare do que os agricultores americanos. Uma das principais alternativas apontadas pelos especialistas para incrementar as colheitas é criar um rodízio em áreas ocupadas pela pecuária, que podem ser usadas em parte do ano para o cultivo de grãos.
De acordo com a Embrapa, existem 25 milhões de hectares que poderiam ser utilizados dessa maneira. Hoje, só há 1 milhão de hectares explorando esse modelo. O aproveitamento integral da área subutilizada permitiria triplicar a produção atual — só de grãos a região gera 78 milhões de toneladas por ano.
Os avanços da produtividade serão de pouca serventia se o Centro-Oeste não superar as carências em logística, um de seus pontos fracos. Há necessidade de obras para encurtar a distância até portos como o de Santos, em São Paulo, ou o de Itaqui, no Maranhão.
Dados do USDA, Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, mostram que o custo para transportar 1 tonelada de grãos das principais regiões agrícolas americanas para o mercado asiático é de 71 dólares — menos da metade dos 185 dólares necessários para levar a mesma quantidade do Centro-Oeste brasileiro à China.
A consultoria Macrologística estima que a região precise investir 72 bilhões de reais para melhorar o transporte. Isso diminuiria os custos anuais dos produtores em cerca de 15 bilhões de reais. “Nenhuma outra parte do país precisa tanto de infraestrutura quanto o Centro-Oeste”, diz Renato Pavan, presidente da Macrologística. “Os investimentos não têm acompanhado a expansão regional.”
Recentemente, as perspectivas começaram a melhorar. No ano passado, o governo concedeu à iniciativa privada rodovias importantes para aumentar a eficiência da logística da região. Um exemplo é a BR-163, por onde escoa boa parte da produção local de soja. Os contratos preveem que duas concessionárias invistam um total de 11,2 bilhões de reais na rodovia.
“Hoje trafegam cerca de 5 000 veículos por dia pela BR- 163 em Mato Grosso do Sul, e a estrada já está no limite”, diz Maurício Negrão, presidente da CCR MSVia, empresa do grupo CCR criada para cuidar do trecho da rodovia que cruza Mato Grosso do Sul — a parte mato-grossense ficou com a Odebrecht. Após a duplicação, a capacidade irá para até 12 500 carros e caminhões diariamente.
O investimento na infraestrutura de transporte não será o suficiente, no entanto, para acabar com uma imagem recorrente nos períodos de safra — a das filas de caminhões carregados de soja parados nas estradas próximas aos portos para aguardar a vez de embarcar a carga.
Uma das causas dessa cena é a falta de silos onde os agricultores possam armazenar a colheita. Para estocar a produção adequadamente, o Brasil necessitaria de uma capacidade adicional de estocagem de até 42 milhões de toneladas — quase 60% desse déficit se concentra no Centro-Oeste.
“Por falta de armazéns, hoje a produção brasileira fica guardada na carroceria dos caminhões, na estrada”, diz Anastácio Fernandes Filho, presidente da Kepler Weber. “Isso aumenta o desperdício, e é péssimo para o país.”
Garantir as condições necessárias ao crescimento do agronegócio ajudará também a sustentar a diversificação dos negócios no Centro-Oeste. Estimativas do Itaú Unibanco mostram que nos próximos anos a região deve atrair 115 bilhões de reais de investimentos em setores como saúde, varejo e indústria automotiva.
No início do ano, a rede Lojas Avenida recebeu 250 milhões de reais do fundo Kinea, mantido pelo Itaú, em troca de uma participação de 25% no negócio. A empresa, fundada no fim da década de 70, hoje tem mais de 100 lojas — mais da metade delas em municípios de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás.
“Cerca de 10 milhões de pessoas vivem no eixo Goiânia, Anápolis e Brasília”, diz Agnelo Queiroz, governador do Distrito Federal. Perillo vai além: “Até 2022, a população vai dobrar, e a região se consolidará como o segundo maior mercado consumidor brasileiro, atrás apenas do eixo Rio-São Paulo”. E também há polos industriais florescendo.
A Hyundai Caoa, por exemplo, investiu 1,8 bilhão de reais desde 2007 em sua operação de montagem de veículos em Anápolis, no interior goiano. Até o fim do ano, a empresa pretende inaugurar um centro de pesquisas para desenvolver motores mais econômicos. A riqueza do campo já se multiplica para os outros setores.