Revista Exame

O capital humano da economia verde

A reflexão sobre a transição para uma economia verde traz à tona a seguinte questão: quem é o profissional desse novo cenário?

Consumidores verdes (Stock.Xchng)

Consumidores verdes (Stock.Xchng)

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Da Redação

Publicado em 24 de novembro de 2011 às 08h42.

São Paulo - O relatório Rumo a uma Economia Verde, divulgado em fevereiro de 2011 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), define economia verde como aquela que “resulta na melhoria das condições de vida e maior equidade social, e ao mesmo tempo reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica”. Dito de outra forma, a economia verde é baixa em carbono, usa os recursos de forma eficiente e é socialmente inclusiva.

A economia – verdadeiramente – verde se constrói a partir do aprimoramento da concepção vigente sobre a relação entre a sociedade e a natureza.

A lógica dominante é a de que o ambiente natural é um subsistema do econômico e cumpre a função de disponibilizar os recursos materiais, energéticos e bióticos necessários à produção e à absorção dos resíduos gerados.

É necessário um avanço nesse raciocínio. Trata-se de inverter a relação e assumir que a economia simplesmente não existe na ausência de um meio ambiente saudável e estável – ou seja, a primeira está inserida no segundo. Esse reposicionamento abre janelas importantes para que surjam as inovações necessárias à transição para a economia verde.

Não se trata de aperfeiçoar o modo como produzimos, consumimos e descartamos, tornando-os mais limpos, verdes ou ecofriendly, mas sim criar soluções concebidas a partir desse novo referencial entre o ambiente e a sociedade. 

Para que a transição aconteça, determinadas condições serão necessárias. Entre elas alterações na regulamentação dos Estados, criação de políticas e incentivos, e mecanismos específicos de mercado, comércio e ajuda internacional.

Ainda segundo o relatório do Pnuma, um ponto marcante da economia verde é o potencial de criação de novos empregos, que no longo prazo podem superar os da economia “atual”.

Uma noção mais precisa do potencial de geração de empregos verdes pode ser verificada no relatório do Pnuma. O estudo mostra que, em setores como agricultura, construção, florestal e transporte, os cenários de geração de empregos da economia verde indicam um potencial maior que os da economia tradicional, no curto, médio e longo prazos.


Segundo o relatório, ao longo da próxima década, o emprego total na agricultura irá crescer em até 4%. Os investimentos em conservação de florestas e reflorestamento podem aumentar a oferta de emprego nesses setores em até 20% até 2050.

No setor de transporte, melhorias na eficiência energética em todos os modais e o aumento do transporte público em comparação ao individual podem aumentar o emprego em 10% em relação ao cenário “business as usual” (negócios como de costume).

Na construção civil, investimentos em eficiência energética e construção verde podem gerar entre 2 milhões e 3 milhões de novos empregos apenas nos Estados Unidos e na Europa. Dado o nosso déficit por moradias, esse número tende a ser ainda maior no Brasil.

No setor de gerenciamento de resíduos sólidos, uma área importante para o país em função da nova legislação, o emprego irá crescer por conta do aumento do lixo gerado pelo crescimento populacional e da renda.

Nesse cenário, destaca-se a atividade de reciclagem, visto que a separação e o reprocessamento do lixo geram até 10 vezes mais empregos por metro cúbico do que sua destinação a aterros sanitários ou à incineração. 

Para o Brasil, essa transição é relevante. O crescimento da economia nos últimos anos tornou flagrante a defasagem de capital humano qualificado no país.

Se o fenômeno do “apagão da mão de obra” nos lembra de quão mal preparado o país está para aproveitar as oportunidades advindas do aquecimento econômico, o que dizer sobre as da economia verde.

Há, entretanto, um potencial concreto para que o Brasil se torne um líder global da economia verde em função do enorme capital natural de que dispõe.

Aproveitar as oportunidades que poderão nos colocar nessa liderança – em vez de permanecer como o provedor mundial de recursos naturais e commodities – passa pelo investimento na formação de profissionais que pensem, criem e inovem a partir dos pressupostos dessa nova economia.

O profissional da economia verde

Não se trata, portanto, de apenas dominar o aparato e as tecnologias verdes que surgem em ritmo cada vez mais veloz. Mais do que isso, o profissional da economia verde tem uma nova forma de pensar, interagir e operar.


Algumas organizações já reconhecem a necessidade crítica de desenvolver um quadro de profissionais com visão de mundo e habilidades interpessoais necessárias para responder aos desafios e às oportunidades que a economia verde apresenta.

Isso exige um perfil de profissional que compreenda e responda aos desafios locais e globais, que opere em ambientes multiculturais, que construa relações entre diversos stakeholders e que use informações para inspirar e inovar. 

Ainda que incipientes, existem exemplos práticos sobre como as empresas estão implementando processos para a formação desse tipo de profissional. Entre elas estão as Plataformas de Educação para Sustentabilidade.

Essas plataformas são um conjunto de práticas e atividades de formação pessoal e profissional orientadas ao desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e comportamentos dos profissionais sobre sustentabilidade, e elaboradas de acordo com as necessidades de aprendizagem específicas de cada cargo, departamento ou área de atuação. 

Essas plataformas reúnem um conjunto de ações de treinamento, engajamento e comunicação que permitem o desenvolvimento integral do profissional.

Quando concebidas a partir dos referenciais da economia verde, podem potencializar a formação do capital humano necessário para que as empresas aproveitem as oportunidades que surgem nesse novo ambiente de negócio. 

As demandas colocadas pela economia verde passam necessariamente por uma revisão nos conceitos e valores que moldam a cultura das organizações. Esse avanço se cristaliza na imagem de empresas que criam valor e geram resultados sustentáveis.

O novo ambiente de negócios exigirá profissionais responsáveis e capazes de entender seu papel e lugar, de conectar as pessoas com seus valores.


A economia verde está fundamentada na ideia de que mudanças pessoais profundas são a chave para promover mudanças nos negócios e no planeta.

Quem é o profissional da economia verde?

Entende de sustentabilidade: Identifica os principais temas ambientais, sociais e econômicos e os riscos e as oportunidades que eles trazem aos negócios. 

Cria e comunica uma visão compartilhada: Explora possíveis formas de construir uma visão compartilhada a partir de diferentes pontos de vista e comunica essa visão de forma inspiradora.

É empreendedor: Tem foco no cliente e busca atingir os objetivos do cliente, coordena ações com outros para além das estruturas e hierarquias tradicionais.

Busca soluções efetivas: Compreende o contexto no qual opera, “enxerga o futuro” e chega a soluções lucrativas para o negócio que levem em consideração vários pontos de vista.

Tem autoconsciência: Desenvolve a capacidade de reflexão sobre o sentido pessoal e as motivações, e compreende os limites das ideias e crenças pessoais como base para mudança.  

Articula diversos pontos de vista: Ouve atentamente outros pontos de vista e opiniões, gerando ideias e situações de “ganha-ganha”. Vê o mundo a partir de outros pontos de vista e interesses de diversos stakeholders.

Desenvolvimento pessoal e dos outros: Oferece e recebe feedback, reflexão e ação.

Gera confiança: Estabelece relações de confiança entre as diversas partes interessadas nas diferentes áreas de negócio, do grupo, e externas.

*Fernando Monteiro é doutor em Ciência Ambiental pela USP e sócio da empresa Evoluir Educação para Sustentabilidade 

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