Revista Exame

O campeonato das cidades da série B

Até 31 cidades brasileiras podem hospedar seleções estrangeiras durante a Copa do Mundo de 2014

Porto, praias e Vila Belmiro: esses são alguns dos trunfos de Santos, em São Paulo, para ser uma das cidades que hospedarão seleções na Copa (Divulgação/EXAME.com)

Porto, praias e Vila Belmiro: esses são alguns dos trunfos de Santos, em São Paulo, para ser uma das cidades que hospedarão seleções na Copa (Divulgação/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Com investimentos de bilhões de reais para expansão do porto e instalação de bases de apoio à exploração do pré-sal, Santos voltou a ser recentemente uma das mais animadas cidades paulistas. Isso não significa que os santistas não estejam interessados em agarrar outra oportunidade de gerar negócios que desponta no horizonte próximo - a chance de tirar proveito do movimento que começa a ser gerado pela Copa do Mundo de 2014.

A forma de entrar nessa onda, que promete projeção de imagem no exterior e atração de turistas e investidores, é ser escolhida como uma das subsedes que acomodarão as seleções na fase de preparação para a Copa. Os 31 times que se juntarão ao Brasil para o torneio terão de chegar entre uma semana e um mês antes para se aclimatar e treinar. Isso costuma ser feito fora das cidades-sede - por ora elas são 12, todas capitais -, em hotéis e centros de treinamento localizados em geral na sua vizinhança.

A Federação Internacional de Futebol (Fifa) prepara uma lista de cidades candidatas a subsede, indicadas como sugestão para as seleções participantes. Em tese, se cada time ficar em um ponto diferente, há chance de 31 cidades receberem delegações estrangeiras. Essa possibilidade já desencadeou uma corrida entre prefeituras de dezenas de municípios brasileiros - uma espécie de disputa da série B de cidades-sede.

"Pensando na Copa, aceleramos projetos de infraestrutura e queremos atrair mais investimentos do setor privado", diz João Paulo Tavares Papa, prefeito de Santos. "A ideia é gerar benefícios que permaneçam depois de passado o evento." De acordo com Papa, obras de melhorias de transporte e aumento da rede hoteleira deverão ser concluídas para a Copa. Na área esportiva, cogitase a ampliação do estádio da Vila Belmiro, casa do Santos Futebol Clube. Projetos à parte, Santos tem de fato trunfos: o porto, hotéis, restaurantes, orla preservada e está a menos de 100 quilômetros de São Paulo.


A Fifa, por meio da Match Services, empresa suíça responsável por avaliar as acomodações, e do Comitê Organizador Local da Copa, deve definir até o final deste ano 90 locais (não necessariamente em cidades diferentes) que reúnam instalações aptas a atender as equipes de futebol. Entre as exigências estão a oferta de ao menos 50 quartos de hotel de alto padrão e mais piscina, sala de ginástica e sauna. O campo para treino deve ficar a até 20 minutos de carro do hotel e também deve haver aeroporto e hospital próximos. Semanas antes da competição, cada técnico poderá escolher livremente onde acomodar sua equipe, optando até por uma cidade ou hotel que não conste da relação da Fifa. Só quando começa a primeira rodada de partidas é que os times são obrigados a se instalar em um dos 90 centros indicados. 

Quem saiu na frente

Os estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais foram os primeiros a se movimentar para credenciar o maior número de cidades. Assim que a vitória do Brasil como palco da Copa 2014 foi anunciada, há três anos, comissões regionais começaram a se organizar mesmo antes de saber onde seriam as sedes dos grupos. Consultorias de estratégia, como a Deloitte e a PWC, também se moveram para oferecer serviços às candidatas. No início do ano, o governo paulista elaborou um catálogo indicando 50 cidades à Fifa. O Rio Grande do Sul enviou manual de candidatura a todos os municípios gaúchos e reuniu 29 interessados. Alguns, como Bento Gonçalves e Pelotas, despacharam representantes à Copa da África do Sul, munidos de vídeos, folhetos e até cestas de produtos típicos para abordar seleções e mostrar facilidades que se dispõem a oferecer em 2014.

Algumas cidades já começaram a lucrar com a Copa. A mineira Uberlândia é um exemplo. Como o estádio do Mineirão, na sede Belo Horizonte, está em obras desde janeiro, Uberlândia passou a sediar os jogos do Brasileirão no seu João Havelange, com capacidade para 45 000 torcedores. A cidade quer aproveitar o embalo e ser escolhida para hospedar seleções no Mundial. "Temos condições de receber até três seleções", afirma Antônio Carlos Carrijo, diretor da Fundação Uberlandense do Turismo, Esporte e Lazer, órgão ligado à prefeitura. Carrijo se refere a estruturas existentes como hotéis, o ginásio Sabiazinho e a Vila Olímpica do Uberlândia Esporte Clube.

Há ainda incertezas em relação ao processo de escolha da Fifa. Na verdade, nem mesmo as sedes estão 100% definidas. Além disso, os locais de jogos de cada grupo só serão conhecidos seis meses antes da Copa. Mesmo tão reféns do acaso, alguns municípios calculam potenciais de ganho. A 130 quilômetros da fronteira com o Uruguai, Pelotas agita-se com a remota hipótese de hospedar a seleção do país vizinho. "Graças ao desempenho surpreendente que o time deles teve na Copa de 2010, os torcedores uruguaios devem vir entusiasmados para o Brasil", diz Tiago Bündchen, assessor da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Pelotas. "Estima-se que cada turista numa Copa gaste em média 100 dólares por dia. Se atrairmos 10 000 uruguaios, a cidade pode faturar com eles 1 milhão de dólares por dia durante semanas."


Assim como não há garantias de que um município que atenda aos requisitos da Fifa consiga receber uma delegação, também não é possível prever se a hospedagem será financeiramente vantajosa. Weggis, estância suíça onde a seleção do Brasil ficou por duas semanas na Copa da Alemanha, saiu ganhando. Recebeu milhares de visitantes naquele período e 10% a mais de turistas no ano seguinte. Mas nem sempre o saldo compensa os esforços.

Cuidado com a euforia

De acordo com o sul-africano Shadrach Appanna, consultor da Deloitte na África do Sul, é preciso não se deixar seduzir pela euforia. Segundo ele, a prefeitura de Tshwane, na região metropolitana de Pretória, pagou 2 milhões de dólares para que a seleção italiana (então campeã mundial) ficasse hospedada no Irene Country Lodge, um dos melhores hotéis locais, por um mês na Copa das Confederações de 2009. As autoridades foram convencidas pela consultoria que prestava serviço à seleção e por Marcello Lippi, então técnico da Itália, de que o investimento traria benefícios ao turismo e à população.

"Foi um mês infernal. Cada deslocamento da delegação exigia um esquema de segurança e a população não conseguia nem chegar perto dos atletas", diz Appanna, que na época era funcionário do governo e morava em Tshwane. "A não ser pela imagem na mídia, a cidade teve mais transtornos que benefícios." Já durante a Copa propriamente dita, a prefeitura se recusou a bancar nova extravagância e quem ficou no hotel foram os Estados Unidos - pagando suas diárias. O exemplo de Tshwane mostra que as cidades precisam ponderar se, e quanto, vale a pena gastar para ter um mês de fama. "As cidades não devem pensar em projetos só voltados para a Copa para não correr o risco de erguer elefantes brancos e se endividar", diz Cláudia Baggio, especialista em finanças da Deloitte. "O ideal é aproveitar o apetite dos investidores para antecipar projetos com boas perspectivas de futuro." Senhores prefeitos, está dado o recado.

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