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Da Redação
Publicado em 23 de julho de 2013 às 12h36.
É praticamente impossível viver ou passear pelo México sem comprar algum produto ou serviço de uma das empresas de Carlos Slim Helú. Um único telefonema pode ser suficiente para aumentar a receita de seus negócios, que somaram 28 bilhões de dólares no ano passado. Aos 63 anos, esse mexicano descendente de libaneses controla mais de 50 empresas no México, nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina
. Além da maior empresa de telefonia fixa mexicana, a Telmex, e da maior operadora de celular da América Latina, a Telcel, Slim é dono de um banco, uma seguradora, uma corretora de valores, uma cadeia de lojas de departamentos, outra de produtos de informática e empresas de autopeças, cigarros e minério. Sua fortuna, estimada em 7,4 bilhões de dólares, o coloca em 35o lugar no ranking dos homens mais ricos do mundo, segundo a revista Forbes. Entre os latino-americanos, é o número 1.
No Brasil, Slim por enquanto é praticamente desconhecido. Avesso a entrevistas e colunas sociais, ele se tornou ainda mais arredio depois que seu nome apareceu numa lista de possíveis seqüestráveis pelo grupo terrorista basco ETA. Apesar da postura discreta, Slim ressente-se do anonimato brasileiro. Costuma reclamar que, embora saiba muito bem quem é quem no Brasil, a maioria dos empresários brasileiros o ignora. "Estão mais interessados em saber sobre os americanos", teria dito recentemente.
Esse anonimato, porém, não é compatível com o tamanho dos negócios que Slim tem construído por aqui. Nos últimos três anos, ele investiu no Brasil mais de 4 bilhões de dólares em telefonia móvel. Atualmente, detém 93% do Grupo Telecom Americas -- formado pelas operadoras ATL, Tess, Americel, Claro Digital (Telet) e BCP Nordeste.
Trata-se do segundo grupo de telefonia celular do país em número de assinantes, com 6,2 milhões de clientes. Quase 95% de todo o investimento feito por Slim no Brasil ocorreu nos últimos dois anos. Tal constatação só ajuda a reforçar o que um relatório do banco americano de investimentos Bear Stearns define como o "tradicional estilo Slim" de fazer negócio: comprar empresas em apuros, reestruturá-las e torná-las lucrativas.
Ao que tudo indica, Slim pretende pôr em prática no Brasil aquilo que provou ser sua especialidade. "Ele entrou aqui no rescaldo. No rastro de uma oportunidade", afirma o executivo Manoel Horácio Francisco da Silva, ex-presidente da Telemar e atual CEO do banco Fator. O rescaldo a que Horácio se refere é a difícil situação enfrentada pelas empresas de telecomunicações no país desde 2001.
"A receita gerada pelos usuários de celulares no Brasil mostrou-se muito aquém do previsto nos planos de negócio das operadoras", diz Carlos Flores, do escritório brasileiro da consultoria Roland Berger. Um poderoso sinal disso foi a disseminação do serviço pré-pago -- que gera um terço da receita de uma linha pós-paga e representa 71% dos 35 milhões de celulares em funcionamento. Até aqui, o cenário é o mesmo para todas.
Mas as operadoras de banda B, justamente as arrematadas por Slim, enfrentaram outro problema. Essas empresas começaram a operar cerca de quatro anos depois das então estatais de banda A. Seduzidas por filas de milhões de brasileiros sem telefone, as operadoras de banda B não hesitaram em contrair empréstimos altíssimos para iniciar a operação.
Resultado: conseguiram os clientes, mas foram pegas em cheio pela desvalorização do real e viram suas dívidas triplicarem em meses. Foi nesse momento, com o mercado mais amadurecido, com as empresas valendo menos e muito endividadas, que Slim começou a criar o grupo Telecom Americas. Seu último lance aconteceu em março deste ano, quando comprou a BCP Nordeste por 180 milhões de dólares.
No ano passado, as quatro empresas que formam oficialmente o grupo -- a compra da BCP Nordeste ainda depende da chancela da Anatel -- faturaram 2 bilhões de reais e registraram crescimento de 20% no número de assinantes em relação a 2001. Juntas, alcançaram um Ebitda (lucro antes de impostos, depreciação e amortização) de 30%, um resultado 59% maior que a soma das operações individuais no ano anterior.
A melhora de desempenho das empresas pode ser creditada a uma reestruturação em curso há um ano. O trabalho, capitaneado pelo executivo paranaense Carlos Henrique Moreira, presidente da Telecom Americas, consiste em consolidar as cinco operadoras numa só. Até agora, a reestruturação resultou no corte de 33% das despesas administrativas do grupo -- com exceção da BCP Nordeste, cuja integração está prevista para iniciar em maio, quando deve sair o parecer da Anatel
. Só a folha de pagamentos foi cortada em 25%. Segundo Jorge Fornari, diretor de talentos humanos e qualidade da Telecom Americas, cada empresa tinha dois ou três vice-presidentes e dez ou mais diretores. Com a reestruturação, os presidentes tornaram-se diretores regionais. O cargo de vice-presidente foi extinto e os diretores deram lugar a, no máximo, oito gerentes.
Uma parte fundamental do sucesso de Slim é sua capacidade de impor seu estilo às empresas que controla, mesmo sem estar envolvido pessoalmente no comando de cada companhia. "Seus negócios parecem uma organização militar administrada de maneira muito profissional", afirma o canadense Wally Swain, ex-presidente da Comcel, subsidiária colombiana da América Móvil, holding criada por Slim para suas operadoras de celular.
Swain lembra que, quando a Comcel passou ao controle da América Móvil, um executivo mexicano ficou uma temporada na Colômbia com a finalidade de inseri-lo na cultura do grupo. "A hierarquia e a disciplina, especialmente em relação à gestão de custos, são a essência dos negócios de Slim", diz Swain, que atualmente é consultor de telefonia móvel para a América Latina do Yankee Group, empresa de consultoria especializada no setor.
A centralização das compras também é característica dos grupos controlados por Slim. "Qualquer coisa que temos de comprar -- equipamentos, aparelhos celular, computadores ou softwares --, passamos para os mexicanos", diz Moreira. "Trabalhando com eles, ganho em escala. Passo de uma empresa de 6,2 milhões de assinantes para uma de 32 milhões."
Presidente da ATL desde sua fundação, em 1998, quando ainda pertencia ao grupo mineiro Algar, Moreira foi mantido no cargo e acumulou a presidência da Telecom Americas. Slim parece ter encontrado no executivo o seguidor perfeito de seus credos corporativos. "A cada 2 minutos, Moreira nos lembra de fazer as contas de viabilidade financeira", diz o diretor Fornari.
O trabalho de enquadrar a Telecom Americas a seu estilo de gestão é apenas parte do caminho que Slim terá de percorrer para alcançar sucesso no mercado brasileiro. No México, a Telmex reina absoluta na telefonia fixa com 90% do mercado, enquanto a Telcel tem 77,4% da telefonia móvel. (Para chegar a esse ponto, Slim, como era previsível, enfrentou opositores ferozes. No processo de privatização da estatal mexicana, em 1990, o consórcio que liderava levou, por 1,7 bilhão de dólares, a concessão e o direito de explorar a telefonia fixa no país por seis anos.
Além de críticas, Slim teve de enfrentar processos por prática monopolista na Organização Mundial do Comércio.) Por aqui, os mexicanos terão de disputar cliente por cliente com vários competidores, entre eles duas grandes corporações: a italiana TIM e a Vivo, empresa recém-criada numa associação entre as operadoras da Portugal Telecom e Telefónica Móviles (veja reportagem na pág. 60). Há ainda a Oi, braço móvel da Telemar. Todas elas têm vastíssima cobertura do território nacional.
Há poucas dúvidas de que a competição é difícil e ainda será mais daqui para a frente. Mas Slim, um empresário com reconhecido espírito empreendedor que, nas festas de sua infância, vendia doces a primos e amigos, parece mais entretido com as oportunidades. O Yankee Group no Brasil estima que a telefonia móvel crescerá cerca de 7% ao ano até 2007, taxa muito mais atraente que a dos mercados americano e europeu, nos quais a penetração de celulares já é elevada e a perspectiva de crescimento está entre 2% e 4% ao ano.
Para aproveitar essa oportunidade, o grupo mexicano aposta em sua experiência com mercados de baixa renda. "Slim conhece a América Latina melhor que qualquer outro gringo", diz Horácio, do Fator. No México, a Telcel oferece serviço pré-pago desde 1996. No Brasil, a ATL foi a pioneira nesse mercado.
"O grande desafio é o custo de captação do cliente", diz Moreira. Atualmente, esse custo médio, no caso da Telecom Americas, é 210 reais -- um valor considerado baixo pelos especialistas, sobretudo quando comparado com o das demais operadoras. "É visível a diferença de sofisticação entre as lojas da Vivo e da TIM e o das lojas da ATL", diz um especialista da área. "A ATL sabe que não vale a pena investir fortunas para atender um cliente de baixa renda que quer basicamente falar pelo celular."
Uma grande tarefa que a Telecom Americas tem pela frente é a reconstrução de sua rede. Ela terá de migrar da tecnologia TDMA para a GSM. Cabe aqui um parêntese: todas as operadoras do grupo mexicano trabalham com a tecnologia TDMA, que não tem condições de oferecer serviços de transmissão de dados em alta velocidade, como podem fazer as tecnologias GSM e CDMA. Isso significa que seus celulares não conseguirão transmitir vídeos, por exemplo.
"É verdade que, por enquanto, pouco se usa esse tipo de recurso", diz Luís Minoru, do Yankee. "Mas num ambiente em que a concorrência é nacional, entre grandes, e serviços desse tipo despontam como fonte de receita no valioso mercado corporativo, não se atualizar seria loucura."
O início da operação com a nova rede está previsto para setembro, quando as cinco empresas do grupo já estarão integradas. Para a mesma época, está marcado o lançamento da marca nacional, que substituirá os nomes atuais das cinco operadoras. Isso se, até lá, elas não forem seis. Embora já tenha começado a construção de sua rede na capital paulista, a Telecom Americas continua com o 1,7 milhão de clientes da BCP em sua mira.
"Tudo depende das condições de negociação", afirma o mexicano Carlos Cardenas, diretor de operações da América Móvil. Bem no perfil das empresas compradas por Slim, a endividada BCP teve recentemente seu controle transferido a um comitê de bancos, para os quais deve 1,4 bilhão de dólares.
De acordo com o consultor Carlos Flores, da Roland Berger, a compra da BCP, mesmo operando com tecnologia TDMA, pode valer a pena. "A conquista de seus clientes facilitaria a entrada da Telecom Americas no disputadíssimo mercado paulistano", afirma. "A operação em TDMA ainda será uma boa fonte de receita nos próximos anos. Depois a empresa tratará de convertê-los para a nova tecnologia."
A possível compra da BCP provavelmente não será o último lance de Slim no Brasil. A expectativa, agora, é que ele se aventure também em telefonia fixa. Durante o recente anúncio dos resultados da Telmex, seu diretor financeiro, Adolfo Pérez, afirmou que tem 400 milhões de dólares disponíveis para investir em telefonia fixa na América Latina. Entre as possibilidades de negócios no Brasil está a Embratel, que pertence ao concordatário grupo americano MCI WorldCom, no qual Slim já investiu 300 milhões de dólares.
A estratégia de entrar em telefonia fixa no Brasil seria uma resposta ao que os especialistas do setor consideram uma tendência: a transformação de empresas de telecomunicações em companhias de comunicações, não só de telefonia celular ou fixa. "A estratégia é oferecer um portfólio de produtos completo a fim de gerar mais demanda para seus serviços", diz Minoru, do Yankee.
É muito cedo para dizer se Slim terá o sucesso esperado com suas aquisições brasileiras. Capital, ele tem. No ano passado, o grupo mexicano pagou 1,4 bilhão de dólares em dívidas das quatro operadoras brasileiras. Isso sem falar dos 429 milhões de reais pagos pelas novas licenças adquiridas em novembro de 2002 e dos 600 milhões de dólares de investimentos anunciados pela Telecom Americas para os próximos três anos.
Vontade de empreender também faz parte do patrimônio pessoal de Carlos Slim Helú. Filho de um imigrante libanês que enriqueceu comprando terrenos da aristocracia decadente após a guerra civil mexicana, Slim, aos 15 anos, já tinha 44 ações do Banco Nacional do México. Aos 17, havia sextuplicado o valor em pesos de seus papéis. Agora, sexagenário e carregando o apelido de "dono do México", Slim quer ampliar seus domínios na América Latina. E o Brasil é fundamental para essa empreitada.