Revista Exame

O broto da salvação

Um novo modo de plantar, criado em São Paulo pelo Instituto Agronômico, promete elevar até 40% a produtividade da cana-de-açúcar — é um alento numa área do agronegócio em crise

Mauro Xavier, do IAC: promessa de modernizar um aspecto arcaico da lavoura de cana  (Alexandre Battibugli / EXAME)

Mauro Xavier, do IAC: promessa de modernizar um aspecto arcaico da lavoura de cana (Alexandre Battibugli / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 13 de outubro de 2015 às 13h16.

São Paulo - Por três gerações, a família do agricultor Renato Trevizoli tem cultivado cana-de-açúcar em Taquaritinga — cidade do interior paulista onde seus avós compraram uma fazenda de 200 hectares na década de 70. Algo na atividade, porém, o incomoda: a dificuldade de ampliar a produção.

Na última década, as colheitas em sua propriedade mantiveram-se em torno de 15 000 toneladas por ano — e isso ainda pode ser considerado um resultado bom. De acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento, entre as principais lavouras, apenas a cana deverá perder rendimento na última década, caindo de 74 toneladas por hectare, em 2005, para 72 toneladas, na safra atual.

Para comparar, no mesmo período a produtividade da soja deverá crescer 21%. E a do milho, 60%. “Fico sempre com a sensação de que as colheitas de cana poderiam ser melhores”, diz Trevizoli. 

Esse anseio por expansão parece estar prestes a ser facilitado por uma inovação no modo de plantio. Tradicionalmente, os agricultores cortam a cana já crescida em pedaços de aproximadamente 40 centímetros e os põem na terra para que brotem. Em média, são necessárias 18 toneladas de cana para cada hectare — um quarto do que é produzido a cada ano na mesma área.

O método tem inconvenientes. Devido à exposição ao sol e à chuva, um em cada seis brotos não vinga, deixando o canavial com falhas. Um novo jeito de plantar cana está sendo desenvolvido em Ribeirão Preto, em laboratórios do Instituto Agronômico (IAC), órgão de pesquisa mantido pelo governo paulista.

O método consiste em semear em viveiros pedaços de cana de 3 centímetros — menos de um décimo, portanto, dos cortes que vão ao solo na maneira tradicional. Dos pedacinhos nascem mudas, que em 60 dias podem ser transplantadas para a terra.

Uma das vantagens é diminuir de 18 para 2 toneladas a quantidade de cana necessária para plantar 1 hectare. Não é só isso. “Quase a totalidade das mudas efetivamente cresce, aumentando a produtividade”, diz Mauro Alexandre Xavier, um dos pesquisadores responsáveis pelo projeto. Os testes mostram que, com o novo sistema, a produção de cana por hectare pode crescer até 40%.

Corrida tecnológica

Aumentar o rendimento da cana seria uma notícia mais que bem-vinda num setor que luta para sair da crise. Nos últimos anos, o preço do açúcar caiu no mercado internacional. Ao mesmo tempo, os produtores de etanol no Brasil, até recentemente, enfrentavam as dificuldades causadas pela estratégia do governo federal de segurar os reajustes da gasolina para tentar conter a inflação.

Resultado: o endividamento das usinas cresceu. Com isso, secaram os investimentos em renovação dos canaviais — e, quanto mais velhos, menos produtivos eles ficam. “Menos de um quinto da área de uma lavoura é replantado a cada ano”, diz Antonio de Pádua, diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar. “Na crise, com as margens apertadas, essa taxa cai e o canavial envelhece.” Em outras palavras, nunca foi tão necessário encontrar um modo mais barato e eficiente de cultivar cana.

O IAC não está sozinho na tentativa de aprimorar o processo de plantio. Empresas multinacionais também já se lançaram numa espécie de corrida tecnológica. Até agora, sem grandes resultados. A americana Syngenta lançou em 2010 um produto parecido com o do IAC. A empresa desenvolveu pedaços de cana de 5 centímetros preparados para o plantio direto no solo.

Na época, 30 grandes produtores fecharam contrato para renovar os canaviais num período de cinco anos com essa tecnologia — somados, os negócios resultaram em receitas de 350 milhões de dólares para a Syngenta. Em 2012, o produto foi retirado do mercado. O motivo: a empresa não conseguiu produzir pedaços de cana em quantidade suficiente.

A alemã Basf também tem um produto semelhante, em teste nas lavouras de grandes grupos no interior paulista. “Uma das limitações que enfrentamos é a dificuldade para produzir mudas de qualidade em escala”, afirma Francisco Carlos Verza, vice-presidente da unidade de proteção de cultivos da Basf no Brasil.

Como, então, os pesquisadores do IAC podem ter sucesso numa área em que multinacionais poderosas, como Basf e Syngenta, ainda patinam? No modelo desenvolvido pelo instituto paulista, a produção das mudas fica a cargo de cada produtor, sem a necessidade de criação de uma grande estrutura para cultivar as mudas em escala.

“O produtor pode usar um equipamento que funciona como uma pequena guilhotina para cortar a cana em pedaços”, diz Xavier, do IAC. “E ensinamos os agricultores a cultivar as mudas numa estufa de baixo custo de construção.” No início do ano, o instituto firmou uma parceria com cooperativas do interior de São Paulo, que vão colaborar para a disseminação dessas técnicas.

O objetivo é atingir cerca de 18 000 pequenos produtores de cana — agricultores cujas propriedades têm menos de 250 hectares. Juntos, eles são responsáveis por mais da metade da produção no Centro-Sul do país. Mas o método também atrai empresas de maior porte — o grupo São Martinho, de Pradópolis, cidade próxima a Ribeirão Preto, já o utiliza em parte de suas propriedades.

Um dos motivos é o ­custo. Plantar 1 hectare no sistema novo custa cerca de 6 000 reais, segundo as estimativas do IAC. Pelo método antigo, o gasto fica em torno de 7 000 reais — sem contar a receita perdida das 16 toneladas de cana que deixam de ser vendidas a cada hectare plantado.

Se realmente funcionar, o novo modo de plantar pode representar um alento para os produtores de açúcar e álcool, muitos enroscados em dívidas. A reinstituição da contribuição obrigatória recolhida sobre o consumo de derivados do petróleo e os reajustes recentes no preço da gasolina ajudam, mas não são suficientes para que o setor saia do atoleiro.

As usinas têm tido dificuldade para renegociar com os credores. “Os bancos estão reticentes em dar novos empréstimos aos endividados”, afirma Claudio Miori, analista da Fitch ­Ratings para o setor sucroalcooleiro. Pelo menos a lavoura tem agora a possibilidade de ser mais produtiva.

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