Revista Exame

O Brasil ficou caro

De alimentos a salários e diárias de hotel, os preços de diversos bens e serviços estão entre os mais altos do mundo — e isso pode ser um problema para o país

Espetáculo Quidam, do Cirque du Soleil: no Brasil, os ingressos valem mais que triplo do valor cobrado no Canadá e 5,5 vezes mais que o preço na Inglaterra (Al Seib/Divulgação)

Espetáculo Quidam, do Cirque du Soleil: no Brasil, os ingressos valem mais que triplo do valor cobrado no Canadá e 5,5 vezes mais que o preço na Inglaterra (Al Seib/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Antes de se mudar para São Paulo, em dezembro, o coreano Martin Lee, executivo da Mirae, uma das maiores gestoras de recursos em países emergentes, com 75 bilhões de dólares de patrimônio, preparou-se para enfrentar alguns problemas, como o trânsito caótico, os aeroportos lotados e a adaptação da filha adolescente à nova escola. Mas não esperava gastar mais para viver aqui do que em seu país natal. “Tirando carnes e frutas, tudo está mais caro”, diz Lee. “Também está difícil montar a corretora da Mirae no Brasil. Os salários são bem mais altos que na Ásia, assim como o aluguel de um escritório.” Como Lee, milhares de estrangeiros têm tomado um susto ao desembarcar no Brasil ou tentar fazer negócios no país. Do preço do cafezinho à cotação de algumas ações na bolsa, o país nunca esteve tão caro numa comparação internacional — e, se as previsões de crescimento para os próximos anos se confirmarem, é provável que as coisas só piorem.

Um escritório custa mais em São Paulo do que em Tóquio e a diária de um hotel de luxo é mais cara no Rio de Janeiro do que em Berlim. Parte da explicação para esse descompasso reside numa mistura de sucesso e fracasso do Brasil. Com a expansão da economia, empresas desengavetaram planos de crescimento e novas companhias estrangeiras passaram a colocar dinheirono país, o que aumentou a procura porprodutos e serviços que vão de matérias-primas a imóveis. “Só que a oferta não acompanhou a demanda e, por isso, os preços subiram de forma acelerada”, diz o brasileiro Luiz Felipe Monteiro, professor da escola de negócios Wharton, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. “Existe também uma falta crônica de profissionais, de mão de obra básica a altos executivos, para suprir as necessidades das empresas." Segundo a consultoria Korn Ferry International, o país forma praticamente o mesmo número de engenheiros há dez anos, o que é insuficiente para preencher os cargos abertos em companhias de construção civil, energia e petróleo, que estão entre as que mais crescem. Ou seja, o maior vigor econômico evidenciou mazelas históricas de educação e infraestrutura.

O aumento da renda da população e a entrada de uma nova massa de consumidores no mercado fizeram com que os preços de produtos básicos, como alimentos, vestuário e utensílios domésticos, subissem mais que a inflação. Um estudo da consultoria Lafis mostra que, nos últimos cinco anos, o quilo da carne ficou 48% mais caro, as verduras passaram a custar 77% mais e o preço dos calçados subiu quase 30% — no período, a inflação ficou em 19%. “Milhões de pessoas passaram a poder comprar com a facilidade do crédito e, para elas, a prestação mensal importa mais que o valor total do bem”, diz Otto Nogami, professor de economia da escola de negócios Insper, de São Paulo. A alta dos preços é sentida de forma mais intensa pelos estrangeiros em razão da valorização do real. A moeda brasileira subiu perto de 70% ante o dólar desde 2004 — o que colocou o Brasil em outro patamar de preços numa comparação internacional. Um levantamento da revista inglesa The Economist que mede o custo de vida em diferentes países com base no valor do sanduíche Big Mac, da rede McDonald’s, aponta o Brasil como o terceiro lugar mais caro do mundo. Perde apenas para a Noruega e a Suíça. Há seis anos, o país estava na 22a posição.

Gargalos

O que pode ser visto como uma consequência do progresso econômico é, na verdade, um sinal de alerta. Preços altos não são um indicativo de desenvolvimento quando têm como causa gargalos de produção e infraestrutura — ao contrário: em casos extremos, podem tornar bens e serviços inacessíveis a uma parcela da população. Angola é o melhor exemplo dos efeitos perversos que uma situação assim pode criar. O PIB do país vem crescendo, em média, 14% ao ano desde 2004, uma das taxas mais elevadas do mundo, mas a burocracia local e a corrupção generalizada impedem um salto mais consistente na oferta de produtos. Assim, embora seja uma das nações mais pobres do planeta, o custo de vida lá é altíssimo — uma refeição rápida não sai por menos de 60 dólares na capital, Luanda. “Isso é ruim para a população e também assusta quem quer fazer negócios no país, porque o custo de vida é absurdo”, diz Tomás Málaga, economista do banco Itaú Unibanco. Não há, evidentemente, como comparar a sofisticação da economia brasileira com a economia de Angola. Mas estamos também a anosluz do polo oposto, os Estados Unidos — a nação mais rica do mundo é também a mais produtiva, o que torna os produtos muito baratos. Para a maioria dos economistas, o Brasil vai continuar caro por um bom tempo. Espera-se que aos poucos possamos nos distanciar dos angolanos e chegar minimamente perto dos americanos.

Acompanhe tudo sobre:Edição 0976[]

Mais de Revista Exame

A tecnologia ajuda ou prejudica a diversidade?

Os "sem dress code": você se lembra a última vez que usou uma gravata no trabalho?

Golpes já incluem até máscaras em alta resolução para driblar reconhecimento facial

Você maratona, eles lucram: veja o que está por trás dos algoritmos