Revista Exame

O boom do mercado de saneamento

Ao prever a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033, Marco Legal do Saneamento Básico abre portas para empresas privadas que buscam um ambiente mais seguro e próspero para investir

Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro: concessão da Cedae é considerada uma das maiores licitações de saneamento realizadas no país (Fabio Teixeira/Anadolu Agency/Getty Images)

Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro: concessão da Cedae é considerada uma das maiores licitações de saneamento realizadas no país (Fabio Teixeira/Anadolu Agency/Getty Images)

CZ
Carla Zimmerman

Colaboradora

Publicado em 10 de novembro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 13 de novembro de 2023 às 14h17.

Poucas vezes o setor de saneamento básico movimentou tanto dinheiro no Brasil. Só no primeiro semestre do ano, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) destinou cerca de 3,7 bilhões de reais para investimentos em saneamento, valor 929% maior do que o financiamento registrado durante o ano de 2020, quando foi aprovado o Marco Legal do Saneamento Básico. Muita coisa mudou de lá para cá. A nova legislação definiu metas para a melhoria da prestação do serviço por parte das companhias estaduais de água e esgoto, e uma série de indicadores que devem ser levados em conta no momento da renovação de contratos. Na prática, o marco legal abriu o mercado à iniciativa privada, proporcionando diversas oportunidades de investimento.

Nos últimos três anos, foram gerados 64 bilhões de reais em investimentos contratados, segundo a Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon-Sindcon). Pelo menos 18 grandes projetos saíram da gaveta desde 2020, como o leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgoto (Cedae), do Rio de Janeiro, que movimentou mais de 22 bilhões de reais. O leilão de saneamento do consórcio formado por 61 municípios de Alagoas e de Maceió, que atendem mais de 1 milhão de pessoas no Nordeste do país, também chamou atenção do mercado. O projeto foi estruturado pelo BNDES, que preparou um pipeline de concessões no setor.

Agora o BNDES volta a se debruçar sobre estudos relativos a novas concessões e parcerias público-privadas (PPPs). Há pelo menos 12 projetos em estruturação, com destaque para o leilão da companhia de saneamento de Sergipe, a Deso, prevista para o primeiro trimestre de 2024, com investimento estimado de 7 bilhões de reais, e da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), que deve acontecer até o final do ano que vem.

Ampliação do acesso ao saneamento

Como outras estatais de saneamento, a Cosanpa apresenta dificuldades para realizar investimentos e expandir o alcance do serviço, expondo um problema que, em maior ou menor medida, atinge outros estados brasileiros. No Pará, apenas metade das residências recebe água potável, e somente 9% contam com coleta e tratamento de esgoto, de acordo com o Serviço Nacional de Informações sobre Saneamento. No país todo, metade da população não tem acesso à rede de esgoto, e cerca de 35 milhões de pessoas não usufruem de água potável. “São números que chamam a atenção e precisam melhorar. A boa notícia é que, desde a aprovação do marco regulatório, novas oportunidades vêm surgindo, e o mercado segue aquecido”, diz Percy Neto, diretor-executivo da Abcon-Sindcon.

Privatizações à vista

Em São Paulo, o governo estadual finalizou os estudos de privatização da Sabesp e encaminhou a proposta à Assembleia Legislativa. A expectativa é que a votação aconteça até o final do ano. O mercado também aguarda a privatização da Copasa, companhia de saneamento de Minas Gerais, previsto para 2024.

Trata-se de dois peixes grandes do setor. Com valor de mercado de 36,8 bilhões de reais, a Sabesp atende a 375 cidades, tendo o governo do Estado de São Paulo como acionista majoritário. Empresa de capital aberto, gerou 872 milhões de reais em dividendos em 2022. A Copasa, que segue o mesmo modelo acionário da Sabesp, é avaliada em cerca de 7,6 bilhões de reais. Um dos principais objetivos da proposta de privatização de ambas as companhias é o aumento da capacidade de investimento.

Em todas as regiões do país, pelo menos 14 projetos devem sair do papel nos próximos anos. Entre aqueles estruturados pelo BNDES, pelo menos cinco devem ir a mercado no ano que vem. Além das concessões das companhias estaduais de saneamento de Sergipe e do Pará, estão previstas as de Paraíba, Rondônia e Amapá. Outros leilões, como os da companhia de água e esgoto de Porto Alegre, Minas Gerais e Santa Catarina, ainda aguardam uma definição de datas.

O mercado, de forma geral, aposta no modelo de PPPs. As atenções estão voltadas para o mercado do Paraná, no qual foi realizada, neste ano, a primeira PPP da história da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar). O consórcio vencedor do leilão, realizado em julho, formado pelas empresas Aegea, Perfin e Kinea, deve investir cerca de 1,2 bilhão de reais em coleta e tratamento de esgoto nos próximos anos em 16 municípios da região metropolitana de Curitiba e no litoral do Paraná. A Sanepar já lançou duas consultas públicas para novas PPPs no setor. O objetivo é universalizar o serviço de coleta e tratamento de esgoto em 195 municípios.

Sem a participação da iniciativa privada, a meta de estender a prestação dos serviços de saneamento para 90% da população brasileira até 2033, como preconiza o marco regulatório do setor, dificilmente seria cumprida. Segundo um estudo da Abcon-Sindcon realizado em conjunto com a consultoria KPMG, serão necessários investimentos da ordem de mais de 800 bilhões de reais nos próximos dez anos para que a universalização dos serviços de água e esgoto seja atingida em todo o Brasil. É um desafio e tanto, já que nos últimos cinco anos foram investidos cerca de 20 bilhões de reais por ano no setor. As perspectivas, no entanto, apontam para um caminho positivo, com impactos inclusive na geração de empregos e no crescimento econômico. Com a concretização de investimentos da ordem de 44 bilhões de reais por ano, em média, necessários para a universalização do saneamento, o PIB poderia ter um crescimento de cerca de 56 bilhões de reais por ano, segundo um estudo do Instituto Trata Brasil, entidade formada por empresas com interesse no saneamento básico, além da criação de 1 milhão de postos de trabalho permanentes.

Estação de tratamento de esgoto, em Manaus: investidores estrangeiros qualificados, como o CIG, que detém participação na empresa de saneamento Aegea, exploram o mercado brasileiro (Aegea/Divulgação)

Cases de sucesso

As empresas que vêm investindo no setor colhem bons frutos. A Aegea, vencedora de sete leilões de saneamento desde a aprovação do marco legal, em 2020, conquistou um faturamento de 8,3 bilhões de reais em 2022, 120% mais do que em 2021. A empresa, que conta com participação do fundo soberano de Singapura, cresceu 15,3% no primeiro trimestre do ano, em comparação ao trimestre anterior, e se prepara para novos saltos de crescimento, de olho em PPPs e outras oportunidades no setor.

Outras empresas do segmento, como a Iguá, também têm se beneficiado do boom do mercado. Em junho, a empresa concluiu a captação de 3,8 bilhões de reais em debêntures e prepara um novo plano de crescimento. Estão sobre a mesa opções como aportes dos acionistas, busca de novos sócios e abertura de capital. O IPO (sigla em inglês para oferta inicial de ações) também vem sendo estudado pela Aegea, em uma clara sinalização do aquecimento do setor, o que vem animando o mercado financeiro.

Estação de tratamento de água da Sabesp, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo: estatal que pode (Marlene Bergamo/Exame)

Novos players

O que não falta é oportunidade de crescimento, entre leilões e PPPs de estados e municípios, que correm atrás da meta da universalização prevista no marco legal. Os próximos leilões estruturados pelo BNDES e os municípios devem movimentar pelo menos 24 bilhões de reais nos próximos anos, de acordo com um levantamento da Abcon-Sindcon. A iniciativa privada vem exercendo um papel crescente no setor, depois de décadas de uma presença mais tímida. A participação de empresas privadas nos serviços de água e esgoto cresceu recentemente, passando de 9,1% dos munícipios brasileiros em 2022 para 15,3% neste ano.

O ciclo de expansão do setor deve atrair novos players. O Internacional Finance Corporation (IFC), braço de investimentos privados do Banco Mundial, avalia participações em empresas do setor no Brasil. O grupo espanhol Acciona, que disputou o leilão da Sanepar, do qual não saiu vencedor, também tem revelado interesse em estudar novas licitações. Uma série de outras empresas e fundos de investimento estaria olhando com interesse para o mercado, segundo fontes do setor. O Pátria, por exemplo, criou neste ano um novo fundo de infraestrutura para aportes na malha logística de transportes e em saneamento. Os gestores do fundo, que deve contar com recursos de 2,5 bilhões de reais, devem analisar PPPs como a da Sanepar. O potencial de ganhos no setor também tem motivado fundos voltados para pessoas físicas, como o Vinci Partners, que conta com o Vinci Água e Saneamento, e o Órama Infra. Para o mercado, trata-se de um cenário com boas perspectivas — e oportunidades de expansão palpáveis.

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